sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Flavio Koutzii (PT), 63 anos: sem energia para enfrentar uma eleição

Se tem um pessoa que me influenciou fortemente a aderir ao movimento de esquerda foi Flavio Koutzii. Um conversa de uma hora com Flavio, meu queridíssimo aluno e amigo, vale mais que a leitura de 100 livros.


Embora hoje discorde bastante de sua ideologia, eis um pessoa altamente respeitável. 


Minha admiração por ele pode ser resumida numa passagem da entrevista abaixo. Ele, assim como eu, não acredita que os fins justificam os meios (mensalão), algo que o PT atual pratica e defende, mesmo que de forma velada.


Vale a leitura!

Flavio Koutzii (PT), 63 anos: sem energia para enfrentar uma eleição 
2006
O PT está num processo de mutação genética para pior. Seria importante enfrentar a dor, mexer e consertar as coisas para reacender a chama da esperança."

Entrevista do Dep. Flavio Koutzii, líder da bancada do PT na Assembléia, publicada na Zero Hora de sábado, dia 15 de abril de 2006.

Um parlamentar em quarto mandato consecutivo que decide não tentar a reeleição é uma raridade. Ex-preso político torturado pela ditadura argentina que chegou à chefia da Casa Civil no governo Olívio Dutra (1999-2002), o deputado estadual Flavio Koutzii (PT), 63 anos, se considera sem energia para enfrentar uma eleição dando explicações sobre o escândalo do mensalão.

Membro da corrente Esquerda Democrática, ele decidiu criar um "mal-estar" para a ala majoritária do PT. Quer espaço para criticar. Sem direito à aposentadoria especial – benefício extinto em 1990 a partir da pressão petista -, Koutzii começa a nova fase vivendo das economias reunidas nos últimos meses.

- Tenho um plano vago do que vou fazer. Vou escrever, dar palestras – revela.

Na quinta-feira, o deputado escolheu uma cafeteria no bairro Moinhos de Vento para conversar com Zero Hora. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Zero Hora – Quase um ano depois, qual é o balanço da crise que se abateu sobre o PT?

Flavio Koutzii – Sofremos uma grande derrota. Chegamos ao governo e produzimos decisões políticas e traições programáticas que agora chamamos de erros. Mas errar é tentar achar um caminho. O que ocorreu foram escolhas que resultaram num acontecimento histórico brutalmente trágico.

ZH – Como essa derrota se reflete na sua trajetória?

Koutzii – Sou pós-graduado em derrotas. A primeira foi a partir de 1964, quando a esquerda perdeu o enfrentamento contra a ditadura. Deixo o Brasil em 1970 e entro num projeto na Argentina (Koutzii foi militante do Partido Revolucionário dos Trabalhadores – Exército Revolucionário do Povo, organização de extrema esquerda dizimada pela ditadura militar argentina instaurada em 1976). Sou preso por quatro anos, torturado e expulso do país. É outra derrota, com a morte da metade do meu grupo. Os sentimentos de responsabilidade, de culpa e até de sobrevivência são temas delicados de se lidar.

ZH – A crise do PT é sua terceira derrota?

Koutzii – Depois de 14 anos fora do país, recomecei pela terceira vez no PT. O partido foi um caminho com muitas vitórias. A noção de derrota está presente nos últimos 11 meses.

ZH – É por isso que deixará de concorrer?

Koutzii – Há duas razões. A pessoal é a de que não tenho mais a mesma energia. Conheço meus limites, coragem e covardia. São 43 anos de vida pública que me dão experiência para me situar. Recorro ao meu livro sobre o período argentino, cujo título, talvez a única parte literariamente boa, é Pedaços de Morte no Coração. Desta vez, pegou mais um pedaço do coração. O partido que havia antes da crise ajudava a recompor os pedaços que eu havia deixado pelo caminho.

ZH – E qual é a outra razão?

Koutzii – Há uma dimensão política mais importante que a pessoal. Não sou um velhinho cansado, com idade de se aposentar. Sou um cara com quatro mandatos e oito anos como líder da bancada. Esse cara, que teria razoável probabilidade de se reeleger, não faz o que 98% dos políticos fariam. Não faz porque não gostou. Porque não pretende assinar embaixo. A crise me tirou o discurso e me colocou numa situação defensiva.

ZH – O caso do caseiro mostra que o PT não aprendeu a lição?

Koutzii – Trata-se da reiteração do uso de métodos pelos quais os fins justificam os meios. Mas temos de saber que os meios alteram os fins. A vitória e as dificuldades eram tão grandes que algumas estratégias e a forma de garantir a maioria no Congresso determinaram a produção de métodos inaceitáveis. Podem me explicar cem vezes essa racionalidade política, mas não vou aceitar.

ZH – Sua decisão, então, é um ato político.

Koutzii – Quero produzir uma pequena perplexidade, um mal-estar. No Rio Grande do Sul, sei que dão bola. Estou tão revoltado que preciso de um tempo para analisar o quadro. O problema é que estamos entrando numa época eleitoral, na qual o domínio é do pragmatismo. Ou falo sobre o dilema dos nossos desafios ou prefiro calar a boca.

ZH – Esse dilema é uma espécie de esperança no PT?

Koutzii – A situação é tão trágica que só há duas saídas: ou a direção nacional atua fortemente ou fica uma coisa morna, a mesma que nos trouxe até aqui. A primeira oportunidade de agir havia sido a eleição interna, em outubro. A casa havia caído, assuntos graves estavam na agenda e os petistas foram votar. Mas qual foi o resultado? Uma modificação na correlação de forças insuficiente para dar um novo rumo para o PT.

ZH – Qual a possibilidade de reeleição de Lula?

Koutzii – A possibilidade existe. O governo tem méritos. Podemos ter muitas semelhanças com o governo Fernando Henrique Cardoso na política econômica, mas não em outras áreas. O governo do PT possibilitou um novo quadro político na América Latina, parou as privatizações, reforçou a Petrobras e a construção de navios e plataformas de petróleo aqui. O partido vai para a disputa com um argumento muito forte: as grandes desigualdades brasileiras não deixaram de existir por causa do escândalo.

ZH – O que o senhor diria a outros petistas inconformados?

Koutzii – Não podemos perder o espírito crítico que nos levou a integrar esse projeto, senão ele vai para o vinagre. O PT está num processo de mutação genética para pior. Seria importante enfrentar a dor, mexer e consertar as coisas para reacender a chama da esperança

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