"No Brasil, desconfia-se de todos antes e não se pune ninguém depois. Fiscalização intolerante não é prevenção: é o caminho mais curto para o descrédito.(David Coimbra)"
Conheço muitos homens que traem suas mulheres e muitas mulheres que traem seus homens. Conheço muitos contribuintes que dão um jeito de ludibriar o Imposto de Renda. Conheço muitos motoristas que ultrapassam o limite de velocidade permitido nas estradas. Infratores, todos, mas não censuro nenhum deles. Porque, afinal, a monogamia transforma o amor em um fardo, a carga de impostos é excessiva e o limite de velocidade em 80 por hora numa estrada é baixo demais. Sei que essas pessoas continuarão infringindo os regulamentos, e sei que a culpa não é delas. A culpa é dos regulamentos, que não são razoáveis.
É assim o ser humano. Quando o obrigam a fazer algo que ele não pode fazer, ele simplesmente passa por cima da obrigação. E faz. Ilude, mente, tergiversa, mas faz. A maioria das pessoas, porém, é honesta. Mesmo os que enganam o cônjuge, a Receita ou o limite da velocidade. A maioria das pessoas não rouba, não estupra, não mata e não usa drogas. A maioria das pessoas bebe e não é alcoolista. A maioria das pessoas só quer viver em paz.
A sociedade inteligente confia nisso, na boa vontade das pessoas. Assim, a sociedade inteligente entende que o cidadão, a priori, está dizendo a verdade. Mas, se ele é pego na mentira, a punição é dura. Exemplo prosaico: os ônibus de grande parte dos países europeus não têm cobrador. O passageiro entra, marca o tíquete numa máquina e segue viagem. É fácil de não pagar a passagem, portanto. Mas, se um fiscal o aborda e ele não tem tíquete, a multa é violenta. Resultado: ninguém deixa de pagar a passagem e as empresas economizam na contratação de cobradores. O Estado confia no cidadão. Até prova em contrário.
Digo isso para falar da draconiana e ao mesmo tempo ingênua Lei Seca. A Lei Seca desconfia de todo mundo a priori, mas sua principal desconfiança recai sobre a autoridade legal. Conversei ontem com diretores da EPTC sobre isso. O drama dos agentes é que eles não têm autoridade, mas são obrigados a ser autoritários. O agente, quando detém um carro numa barreira, põe-se a ele próprio e ao motorista num impasse. Ele, agente, é obrigado a oferecer o bafômetro ao motorista. Feito isso, ou o motorista não bebeu NADA, ou será punido. Não existe a possibilidade de o agente constatar que o motorista bebeu, mas está sóbrio, e dispensá-lo sem punição. O agente não pode exercer o seu próprio julgamento.
Como disse, a maioria das pessoas sai e não se embriaga. Sai e, depois, dirige seu carro com consciência. Essas pessoas não vão deixar de fazer o que fazem por causa da lei. Elas vão burlar a lei. Elas vão evitar as barreiras ou, se não conseguirem, vão se recusar a soprar o bafômetro. Ou seja: a lei é leniente por permitir que o motorista se recuse a soprar o bafômetro e ao impingi-lo apenas uma multa pecuniária, e, ao mesmo tempo, ela é excessivamente rigorosa ao não permitir que o agente use do bom senso quando achar que o bom senso basta.
É um erro no espírito da lei. Porque a fiscalização é importante, mas bem menos importante do que a punição. A fiscalização tem de ser razoável; a punição, inflexível. O agente constatou que o motorista estava embriagado? Que sua carteira seja cassada por um ano ou mais. Causou acidente? Que seja preso. O agente constatou que o motorista bebeu, mas está totalmente sóbrio? Que o mande para casa. Eis a diferença entre o Brasil cartorial e burocrático para os velhos países de democracia consolidada. No Brasil, desconfia-se de todos antes e não se pune ninguém depois. Fiscalização intolerante não é prevenção: é o caminho mais curto para o descrédito.
É assim o ser humano. Quando o obrigam a fazer algo que ele não pode fazer, ele simplesmente passa por cima da obrigação. E faz. Ilude, mente, tergiversa, mas faz. A maioria das pessoas, porém, é honesta. Mesmo os que enganam o cônjuge, a Receita ou o limite da velocidade. A maioria das pessoas não rouba, não estupra, não mata e não usa drogas. A maioria das pessoas bebe e não é alcoolista. A maioria das pessoas só quer viver em paz.
A sociedade inteligente confia nisso, na boa vontade das pessoas. Assim, a sociedade inteligente entende que o cidadão, a priori, está dizendo a verdade. Mas, se ele é pego na mentira, a punição é dura. Exemplo prosaico: os ônibus de grande parte dos países europeus não têm cobrador. O passageiro entra, marca o tíquete numa máquina e segue viagem. É fácil de não pagar a passagem, portanto. Mas, se um fiscal o aborda e ele não tem tíquete, a multa é violenta. Resultado: ninguém deixa de pagar a passagem e as empresas economizam na contratação de cobradores. O Estado confia no cidadão. Até prova em contrário.
Digo isso para falar da draconiana e ao mesmo tempo ingênua Lei Seca. A Lei Seca desconfia de todo mundo a priori, mas sua principal desconfiança recai sobre a autoridade legal. Conversei ontem com diretores da EPTC sobre isso. O drama dos agentes é que eles não têm autoridade, mas são obrigados a ser autoritários. O agente, quando detém um carro numa barreira, põe-se a ele próprio e ao motorista num impasse. Ele, agente, é obrigado a oferecer o bafômetro ao motorista. Feito isso, ou o motorista não bebeu NADA, ou será punido. Não existe a possibilidade de o agente constatar que o motorista bebeu, mas está sóbrio, e dispensá-lo sem punição. O agente não pode exercer o seu próprio julgamento.
Como disse, a maioria das pessoas sai e não se embriaga. Sai e, depois, dirige seu carro com consciência. Essas pessoas não vão deixar de fazer o que fazem por causa da lei. Elas vão burlar a lei. Elas vão evitar as barreiras ou, se não conseguirem, vão se recusar a soprar o bafômetro. Ou seja: a lei é leniente por permitir que o motorista se recuse a soprar o bafômetro e ao impingi-lo apenas uma multa pecuniária, e, ao mesmo tempo, ela é excessivamente rigorosa ao não permitir que o agente use do bom senso quando achar que o bom senso basta.
É um erro no espírito da lei. Porque a fiscalização é importante, mas bem menos importante do que a punição. A fiscalização tem de ser razoável; a punição, inflexível. O agente constatou que o motorista estava embriagado? Que sua carteira seja cassada por um ano ou mais. Causou acidente? Que seja preso. O agente constatou que o motorista bebeu, mas está totalmente sóbrio? Que o mande para casa. Eis a diferença entre o Brasil cartorial e burocrático para os velhos países de democracia consolidada. No Brasil, desconfia-se de todos antes e não se pune ninguém depois. Fiscalização intolerante não é prevenção: é o caminho mais curto para o descrédito.
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