Todo mundo sabe que, neste país, para subir na carreira universitária não é preciso conhecimento nenhum, apenas ter as amizades certas e emitir, nos momentos decisivos, as opiniões políticas recomendáveis.
ESCRITO POR OLAVO DE CARVALHO | 27 DEZEMBRO 2011
O sr. Paulo Moreira Leite, que no exercício do jornalismo assumiu como sua particular missão e glória nunca entender nada, escreve que as reclamações contra a pletora de títulos universitários concedidos ao ex-presidente Luís Inácio da Silva refletem um preconceito, um pedantismo acadêmico que não se conforma em ver subir na vida um self made man cuja pobreza o impediu de adquirir educação escolar.
Anos atrás dei ao sr. Moreira o apelido de sr. Moleira, por me parecer que a formação do seu aparato craniano tinha sido ainda mais incompleta que a educação do sr. Lula. Seu palpite de agora sugere que ela tenha mesmo retrocedido um pouco.
Quem quer que conheça a história intelectual do nosso país sabe que é uma constante da sociedade brasileira o ódio à inteligência, misto de temor e despeito, e acompanhado, à guisa de compensação neurótica, pelo culto devoto aos títulos, cargos e honrarias exteriores que a substituem eficazmente em festividades acadêmicas e homenagens parlamentares.
A mentalidade geral, já antiga e tão bem retratada por Lima Barreto, segue a das vizinhas fofoqueiras do Major Quaresma, que, ao ver pela janela a biblioteca daquele infausto patriota, comentavam: "Para que tanto livro, se ele não é nem bacharel?"
Que, em contrapartida, faltem livros nas estantes dos bacharéis e doutores, onde abundam garrafas de uísque e fotos de viagens internacionais, é coisa que não ofende nem choca a alma nacional. O estudante universitário brasileiro lê em média menos de dois livros por ano, e nem por isso deixa de receber seu diplominha e tornar-se, no devido tempo, chefe de departamento, reitor ou ministro.
Um amigo meu, nascido e criado no Morro da Rocinha, no Rio de Janeiro, confessava: "Sofri mais discriminação na favela, por ler livros, do que aqui na cidade por ser preto".
Todo mundo sabe que, neste país, para subir na carreira universitária não é preciso conhecimento nenhum, apenas ter as amizades certas e emitir, nos momentos decisivos, as opiniões políticas recomendáveis. Pessoas ilustres como o dr. Emir Sader, o ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, o ex-reitor da UnB, Christovam Buarque, assim como inumeráveis outras cujos pensamentos e obras exaltei em O Imbecil Coletivo, já deram provas sobejas de que uma sólida incultura e uma inépcia pertinaz são não somente úteis mas indispensáveis ao sucesso acadêmico, desde que acompanhadas de uma carteirinha do PT ou documento equivalente.
Se os títulos acadêmicos são tidos como valores absolutos em si mesmos, independentemente de quaisquer méritos intelectuais correspondentes, e se estes, por sua vez, nada valem se desacompanhados daqueles, a razão disso está nos profundos sentimentos democráticos do povo brasileiro.
A inteligência e o talento são dons inatos, que a natureza ou a Providência distribuem desigualmente aos seres humanos, criando entre eles uma diferenciação hierárquica que, do ponto de vista dos mal dotados, é uma humilhação permanente, uma ofensa intolerável e um mecanismo de exclusão verdadeiramente fascista.
Os títulos acadêmicos foram inventados para aplanar essa diferença, dando aos incapazes e medíocres uma oportunidade de se sentir, ao menos em público e oficialmente, igualados aos maiores gênios criadores das artes, das letras, das ciências e da filosofia, se não mesmo aos santos da Igreja, aos anjos do céu e até à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, como é precisamente o caso do sr. Lula.
Ao contrário do que diz o sr. Moleira, o que faltou a este último não foi a educação formal, foi justamente a educação informal, aquela que um trabalhador impedido de frequentar escola adquire em casa, em ônibus, em trens ou no metrô, lendo livros. O sr. Lula já expressou mais de uma vez sua invencível ojeriza a essa atividade dolorosa, na qual tantos escritores brasileiros, pobres como ele ou ainda mais pobres, adquiriram a única formação que tiveram.
A diferença entre eles e o sr. Lula reside precisamente aí: eles conquistaram seus méritos intelectuais por seu próprio esforço solitário, sem a ajuda de professores, do Estado ou de qualquer entidade que fosse, ao passo que o sr. Lula preferiu subir na vida sem precisar de méritos intelectuais ou morais nenhuns, contando apenas com a ajuda de algumas dezenas de organizações bilionárias – empresas, bancos, sindicatos, partidos – e o dinheiro do Mensalão.
Isso não o torna nem um pouco diferente dos bacharéis e doutores, apenas mostra que ele levou à perfeição o sonho de todos eles: ostentar um punhado de títulos universitários sem precisar, para isso, ter estudado ou aprendido absolutamente nada exceto a arte sublime do alpinismo social.
Quando cidadãos de nível universitário reclamam das glórias acadêmicas lulianas, não o fazem, como o imagina o sr. Moleira, por elitismo intelectual genuíno, que ao menos supõe algum amor ao conhecimento. Fazem-no por pura inveja do concorrente desleal que conquistou mais títulos sabendo ainda menos.
Quem fala pela boca deles não é a inteligência humilhada pelo sucesso da ignorância: é o corporativismo do establishment acadêmico, que gostaria de reservar para si o monopólio da produção de analfabetos diplomados, sem dividi-lo com a mídia e os partidos políticos.
O sr. Moleira imagina que se opõe a essas criaturas, mas na verdade expressa melhor que ninguém o sentimento delas todas, ao proclamar que os títulos acadêmicos de Lula devem ser motivo de orgulho nacional. Que maior motivo de orgulho existe, numa alma de brasileiro, senão o título enquanto tal, o título em si, o título sem nada dentro?
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