"O bingo abria e eles voltavam, céleres e fiéis. Demonstra claramente uma vontade da sociedade. A vontade das velhinhas de perder seu dinheiro no bingo. Mas uma outra parcela da sociedade diz que não, que elas não podem perder seu dinheiro onde quiserem. É uma parcela da sociedade que dá a si própria a autoridade de decidir pelas pessoas o que é bom ou ruim para elas"
Temos, enrodilhados dentro de nós como uma jararaca adormecida, oito metros de intestino. Esses oito metros abrigam 10 trilhões de bactérias. Até a Scarlet Johansson tem 10 trilhões de bactérias respirando, se alimentando, se reproduzindo e, imagino, pulando enlouquecidas em seu formoso interior. É muito bicho. Destas, 5 trilhões são consideradas “bactérias do bem”. São nossas amiguinhas. As outras 5 trilhões, malditas, estão contra nós. Moram nas nossas entranhas, mas tentam sabotar-nos, nós, a sua própria casa. O que não é de se surpreender – conheço seres humanos que fazem o mesmo.
Ao ler sobre elas, as bactérias malvadas, só pude pensar em algo. Você sabe o que é: nas velhinhas dos bingos. Pois saiba que existe um bingo nas cercanias que já foi fechado 63 vezes pela polícia neste ano, e 64 vezes reabriu. Espantoso. Mas não me admirei com a teimosia do dono do bingo; fiquei comovido com a ânsia dos clientes em jogar. O bingo abria e eles voltavam, céleres e fiéis. Demonstra claramente uma vontade da sociedade. A vontade das velhinhas de perder seu dinheiro no bingo. Mas uma outra parcela da sociedade diz que não, que elas não podem perder seu dinheiro onde quiserem. É uma parcela da sociedade que dá a si própria a autoridade de decidir pelas pessoas o que é bom ou ruim para elas. É essa mesma parcela que fecha os fumódromos a fim de defender os pulmões dos fumantes, é a que pretende dar ao Estado a prerrogativa de internar à força os viciados em crack, é uma parcela da sociedade que sonha com uma comunidade em que todos se comportem da mesma forma, tudo definido pelas leis. Faz mal à saúde? É “errado”? Proíba-se.
Tempos atrás, a Assembleia queria proibir o celular nas salas de aula – deputados votando sobre como os alunos de primeiro e segundo graus deveriam proceder no colégio, imagine. O estatuto do torcedor diz como deve ser o regulamento de um campeonato de futebol. A Câmara de Vereadores quer proibir passageiros com aparelhos de som ligados dentro de ônibus. Já tentaram proibir palavras em inglês escritas em lugares públicos. O jogador Falcão, do futsal, sugeriu que se proíba a crianças de até 11 anos jogar futebol de campo, para desenvolver a habilidade delas no salão. Proibir, proibir, proibir. Eles querem proibir. Eles querem dizer o que é melhor para nós. Eles querem dizer como devemos nos comportar. E querem, por meio de feroz legiferação, nos obrigar a agir exatamente como eles acreditam ser o ideal.
Na área da saúde, esse controle funciona espetacularmente bem, porque eles provam, lá com os números deles, que isso ou aquilo causa essa ou aquela doença. Já existe até uma KGB da saúde e da higiene. Algo nos faz mal? Gordura? Tabaco? Não se preocupe, eles estão de olho, eles vão agir, logo eles vão redigir e aprovar uma lei para nos proteger. Por isso, tenho certeza de que eles já estão preparando algo contra as 5 trilhões de bactérias nocivas que pululam faceiras nos nossos intestinos. Fique aliviado. Mesmo que você não precise, mesmo que você não tenha reclamado, mesmo que você não queira, eles estão zelando por você.
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