A primeira parada foi no cinema. Um enorme complexo, com quase vinte salas, modernas e confortabilíssimas, som e imagem perfeitos. O ingresso foi bem caro, já que estamos entre aqueles que financiam a demagogia dos políticos com idosos e estudantes, além da malandragem dos falsários. Esse, aliás, é um dos motivos que me afastaram dos cinemas. Mas no fim, valeu a pena, pois o filme era realmente muito bom.
Saímos com sede e paramos para um chope gelado. A choperia ficava bem em frente à saída do cinema, num ponto estratégico, cujo aluguel deve custar uma fortuna. O serviço, porém, era muito ruim. Ficamos ali uns cinco minutos sem que chegasse alguém para nos atender. Desse jeito, pensei, esses caras não vão durar muito tempo. Fomos embora correndo, já que um pouco mais adiante havia um concorrente.
Desta vez não houve erro e degustamos alguns deliciosos chopes gelados, cremosos, com espuma no ponto certo, sem falar no atendimento cordial e eficiente. Eis aí uma das grandes vantagens do regime de concorrência. Caso não goste de um produto ou serviço, o consumidor é livre para buscar outro fornecedor. A fuga dos clientes é, ademais, a maior punição que empresários ineficientes podem receber, muito mais efetivas e dolorosas do que qualquer multa imposta pelos códigos de defesa do consumidor.
A terceira parada foi numa loja de tênis. As opções são tantas que torna-se difícil a escolha. Havia centenas de pares ali expostos, nas cores e modelos mais variados. Os preços, novamente, eram salgados, porém, se lembrarmos que perto de 50% são tributos, não dá para crucificar o comerciante. Escolhi, inicialmente, três modelos para experimentar. Não gostei de nenhum deles e pedi ao atendente para ver outros dois. Ele sorriu e correu para apanhá-los. Enquanto esperava, comentei com minha mulher sobre o fato de o funcionário haver permanecido cordial e solícito, ainda que eu fosse um cliente muito chato e indeciso.
Enquanto esperava na fila do caixa, minha veia de administrador raciocinava sobre o destino do dinheiro que eu deixaria ali. Uma parcela seria destinada a pagar os salários do atendente, do balconista, dos funcionários administrativos. Outra parte serviria para o aluguel, impostos, taxas e comissões. Um bom pedaço iria para reposição do estoque, que envolve custos de transporte, armazenagem, etc. A última porção, provavelmente a menor de todas, seria contabilizada como lucro.
Eis algo que muita gente ignora ou sequer pensa a respeito. A maioria das pessoas entra numa loja dessas, examina as mercadorias expostas, não raro aluga o tempo dos funcionários e, no fim, vai embora sem comprar nada. Faz parte do negócio. Cabe a nós, e somente a nós, consumidores, decidir se vamos trocar o dinheiro que trazemos no bolso por algum produto ou não. Se eu, por exemplo, depois de ter experimentado todos aqueles pares de tênis, resolvesse finalmente que nenhum deles me agradara, não haveria qualquer penalidade por isso.
Um pensamento puxa outro e comecei a imaginar quanto os donos daquela loja teriam investido em instalações, estoques, treinamento, etc., sem que tivessem qualquer garantia de que o negócio se tornaria rentável. Concluí que foram necessários alguns milhões de reais. E então, pensei, o que fariam eles com os eventuais lucros, depois de pagas todas as despesas? Provavelmente, reinvestiriam a maior parte no próprio negócio. Mas por que deveriam eles repor aquele par de tênis que eu acabara de comprar ou investir na ampliação do negócio? Concorrência. Se quiserem permanecer no negócio, têm que ofertar sempre o que houver de mais moderno no mercado, a um preço sempre mais barato, sob o risco de serem engolidos pelos concorrentes.
Pensando bem, não é nada fácil a vida dos capitalistas. E, no entanto, a imagem desses caras é péssima. Pouca gente se dá conta de quantos empreendedores “quebram a cara” todo santo dia, pelos mais variados motivos, e que somente uma minoria consegue vencer os percalços e seguir em frente. Ou que os grandes e odiados magnatas são pessoas cuja renda provém, na maioria dos casos, do empenho para satisfazer os exigentes e gananciosos consumidores. Quase ninguém pensa que a poupança de gerações pode virar pó, da noite para o dia, bastando para isso um breve cochilo. A maioria só enxerga a riqueza e o fausto de uns poucos privilegiados.
Paguei pelo tênis que comprara e despedi-me do solícito vendedor com um “muito obrigado”. A resposta dele não foi outra: “obrigado”. Já notaram como essa costuma ser a despedida padrão, sempre que acabamos de comprar alguma coisa? E, pensando bem, isso faz todo sentido. Encerrava-se ali uma transação que foi vantajosa para todos os envolvidos. Eu disse “obrigado” porque acabara de adquirir algo que valia, para mim, mais do que o dinheiro que dei em troca. O vendedor agradeceu por si – já que acabara de embolsar uma comissão – e pelos donos da loja – que fizeram uma troca também lucrativa.
E ainda tem gente que não gosta do capitalismo…
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