Ali estava um homem que sabia viver. Fosse outro, passaria se queixando do emprego inferior à sua dignidade, do salário inferior ao seu merecimento, do chefe que o colocara ali por perseguição, do governo que não o amparava por incompetência.
Fazia calor, e ele sorria
Era uma dessas tardes de canícula que faziam pensar sobre os milênios que o ser humano atravessou sem ar-condicionado. Como conseguimos? Como chegamos até aqui?
Havia deixado o carro num estacionamento, já ia alcançando a calçada, quando o vi. Estava dentro da guarita da portaria, uma dessas casinholas onde mal cabe uma pessoa. Era um homem de pele negra luzidia, de certa idade, imaginei que tivesse filhos e netos. Suava às catadupas dentro do uniforme. Só de vê-lo fiquei com calor. Estiquei o pescoço e brinquei, meio em solidariedade, meio para lhe aliviar o sofrimento:
– Vida dura...
Ele abriu um sorriso.
– Nem tanto – respondeu com animação surpreendente para aquele dia pastoso. – Pior seria se não tivesse trabalho. Além disso, economizo com sauna!
E atirou de dentro do seu esconderijo uma risada de satisfação com a própria piada.
Despedi-me dele sentindo-me bem. Ali estava um homem que sabia viver. Fosse outro, passaria se queixando do emprego inferior à sua dignidade, do salário inferior ao seu merecimento, do chefe que o colocara ali por perseguição, do governo que não o amparava por incompetência.
Na verdade, pouco interessa a condição em que alguém se encontra. Se o ambiente é desta ou daquela forma. É difícil encontrar duas pessoas que, estando na mesma situação, vivam no mesmo mundo. O interior é que vai fazer com que o exterior seja positivo ou negativo.
Você pode constatar isso todos os dias. Em tudo e em todos há coisas boas e ruins. Você é quem escolhe o que vai pegar para você. E a sua escolha depende do que você é. Pessoas boas enxergam o lado bom das outras pessoas e alegram-se com isso e tornam a convivência leve. Mas há quem só veja os defeitos dos outros e assim os defeitos se aprofundam, tornam-se mais graves e mais feios, e a convivência fica pedregosa. Ou seja: a responsabilidade não é de quem é julgado, é de quem julga. As coisas não são bonitas à sua volta? Olhe para dentro. Talvez lá é que elas sejam feias.
Como o brasileiro vê o Brasil e os governantes do Brasil?
Parece que houve gente enriquecendo com as privatizações do governo tucano, leio isso na Carta Capital. Parece que nunca houve tanta corrupção como a que grassa no governo petista, leio isso na Veja. A impressão é de que o Brasil afunda num mar de lama, para repetir a expressão de Vargas.
Mas não é bem assim. O Brasil melhorou de Itamar Franco para cá. São 18 anos de estabilidade econômica e política, o que resta provado até pela quantidade e pela profundidade das denúncias de corrupção, que antes havia, mas não aparecia.
Então, por que o brasileiro não se comporta mais como aquele homem cordial e fagueiro de tempos muito piores, como, por exemplo, os tempos do mar de lama de Vargas? Por que o brasileiro não percebe que o Brasil evoluiu? Será que o brasileiro “piorou”? Ou será que há mais homens como o vigia do estacionamento, suando em silêncio, mas contentes com a vida?
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