Estudo venezuelano avalia estatais de Chávez e confirma que o tal socialismo do século XXI é tão desastroso quanto o do século XX
Os automóveis que saem da fábrica Venirauto, na cidade de Maracay, são considerados carros para a vida toda. “Depois de adquirir um, ninguém vai querer comprá-lo de você”, dizem os venezuelanos. A montadora foi criada em 2006, numa parceria do governo venezuelano com uma empresa iraniana.
Tudo o que se produziu até agora — 2 017 veículos — equivale a 7% da meta anual estipulada no início. Dessas unidades, poucas estão nas ruas. A maioria dos carros foi aposentada após o primeiro problema mecânico. Não há peças de reposição à venda.
O que acontece dentro dos galpões da Venirauto é um mistério, pois a empresa não abre as portas para jornalistas ou gente de fora do governo.
Um estudo recente, contudo, faz um diagnóstico preciso e revela o que ocorreu com essa e outras quinze estatais que surgiram do nada ou das ruínas de empresas privadas expropriadas ao longo dos doze anos do governo de Hugo Chávez. Todas padecem das mesmas enfermidades: queda na produção, redução do número de empregados e déficit operacional (leia abaixo “Modelo de fracasso”).
401 empresas sofreram intervenção estatal só no último semestre
Apesar dos resultados pífios, Chávez decidiu, neste ano, acelerar a estatização da economia, possivelmente porque quer garantir o máximo de controle do poder econômico do país antes das eleições presidenciais, no ano que vem. Muitos venezuelanos temem que, por estar com a popularidade em queda e fragilizado por um câncer, Chávez esteja se preparando para um golpe caso perca a votação. No último semestre, 401 empresas sofreram intervenção estatal, termo que engloba expropriações, invasões de terra e confiscos de bens patrimoniais. O número é 41% superior ao do ano passado inteiro, quando foram registradas 284 intervenções.
Inflação e 23 bilhões de dólares em expropriações
A queda na produção das empresas estatizadas provoca prejuízos e alimenta a inflação, que neste ano deve chegar aos 30%. Entre 2007 e 2009, o governo venezuelano gastou 23 bilhões de dólares em expropriações de grandes empresas, mais do que os investimentos necessários para garantir a produção da estatal de petróleo PDVSA – também estagnada.
As empresas estatizadas tornaram-se improdutivas, têm prejuízos constantes e só não fecham as portas porque são subsidiadas com o dinheiro dos impostos e do petróleo. Isso explica por que, apesar de ser dono de um número crescente de empresas, o Estado venezuelano não conseguiu aumentar sua participação no PIB.
O estatismo também se provou prejudicial aos trabalhadores. Na Azucarera Cumanacoa, estatizada em 2005, um terço das vagas desapareceu. Na Rualca, produtora de rodas de alumínio, os empregados não recebem salário. Operários foram pedir esmola no semáforo da esquina. Cientes do perigo que corriam, trabalhadores da Polar, a maior empresa de alimentos do país, e da Pepsi-Cola entraram na Justiça para defender os patrões contra a expropriação.
“No início, os trabalhadores aprovavam as estatizações”, diz o cientista político Ismael Pérez Vigil, presidente executivo da Conindustria. “Agora, resistem. Sabem que podem ter o salário reduzido ou perder o emprego.” Pobre povo venezuelano. Virou cobaia de laboratório de experiências que já fracassaram há décadas em outras partes do mundo.
Modelo de fracasso
O estudo “Gestão em vermelho”, coordenado pelo economista venezuelano Richard Obuchi, analisou dezesseis empresas estatizadas ou criadas por Hugo Chávez. Em todas o desempenho piorou ou as metas não foram cumpridas. A seguir, seis exemplos
AZUCARERA CUMANACOA (em Cumanacoa)
Expropriada em 2005, mudou de nome para Azucarero Sucre e passou a receber consultoria cubana
Resultado – A produção caiu 18% desde então. Cada quilo de açúcar é vendido com um prejuízo de 66%
CRISTAL (em Turén)
A fábrica da Cargill foi expropriada em 2009 porque não produzia o tipo de arroz determinado pelo governo
Resultado – Toda a produção continua sendo do mesmo tipo de arroz
FRUTÍCOLA CARIPE (em Caripe)
Expropriada em 2007, a processadora de suco de laranja passou a se chamar Cítricos Roberto Bastardo
Resultado – A produção atual representa apenas 13% da registrada nos anos 90
RUALCA (em Valencia)
Exportava rodas de alumínio e foi estatizada em 2008
Resultado – O nome foi mudado para Rialca, e só. A fábrica está parada e os funcionários, sem salário
VENEPAL (em Morón)
Expropriada em 2005, a indústria de papel foi incorporada à estatal Invepal
Resultado – Produz apenas 2% de sua capacidade
VENIRAUTO (em Maracay)
Criada em 2006 em sociedade com uma empresa iraniana, a montadora pretendia fabricar 26 000 carros por ano
Resultado – Em quatro anos, só vendeu 2 017 unidades, a maioria para funcionários públicos chavistas
Prejuízo garantido
Economista e professor da Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas, Richard Obuchi coordenou o estudo “Gestão em vermelho”, em parceria com as pesquisadoras Anabella Abadi e Bárbara Lira, que analisou o desempenho das estatais venezuelanas. Obuchi conversou por telefone com o editor Diogo Schelp.
Qual foi o resultado das estatizações?
Todas as empresas tomadas pelo governo enfrentam problemas financeiros. Têm dificuldade em pagar aluguel, honrar salários ou comprar insumos para a produção. Precisam da ajuda do Executivo, que desvia recursos para atender à demanda de todas elas.
Por que as estatais não conseguem pagar suas despesas?
Entre outras razões, porque vendem produtos a preços muito baixos. Um exemplo é o Azucarero Sucre. Em 2008, o custo para produzir 1 quilo de açúcar era de 4,8 bolívares fortes [a atual moeda do país, resultado do corte de três zeros da moeda anterior, o bolívar, em 2008, devido à inflação], mas a estatal o comercializava a 1,6 bolívar forte. A diferença era subsidiada pelo governo. Se isso ocorre com uma empresa privada, ela fecha. Uma companhia pública não pode fazer isso.
Como o governo justifica as estatizações?
Em 2002 e 2003, quando a Venezuela passou por greves e percalços econômicos, o argumento era dar estabilidade aos trabalhadores. Entre 2005 e 2007, época em que tivemos escassez de produtos, a justificativa era assegurar a igualdade de renda. Neste ano, estamos passando por uma crise dos empreendimentos imobiliários, que estão parados.
O argumento então passou a ser garantir moradia a todos. Mas também há justificativas sem nenhuma lógica. Ao expropriar uma unidade da Cargill, o governo afirmou que a empresa não estava de acordo com a legislação, pois só produzia arroz parboilizado. Era preciso fabricar o arroz normal. O interessante é que, dois anos depois, 100% do arroz produzido naquela unidade continua a ser o parboilizado.
Há relação entre as estatizações e a queda no PIB da Venezuela nos últimos dois anos?
As expropriações não apenas sucatearam empresas eficientes como criaram um clima de incerteza. A ameaça de que qualquer empresa pode ser estatizada causou desconfiança em investidores internos e externos, o que afetou o crescimento.
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