Não vale a pena repetir o óbvio: um sistema fiscal justo é aquele em que quem tem mais contribui com mais. Mas é também um sistema que não demoniza a riqueza e aqueles que a criam. Exceto se o modelo de sociedade ideal estiver em Cuba ou na Coreia do Norte, onde os únicos recursos são a fome e a violência.
Até Marx, que não era propriamente um capitalista (Engels fazia esse serviço por ele), sabia que, sem riqueza criada, não há riqueza para redistribuir. Nem riqueza, nem investimento, nem emprego.
Os ricos que paguem a crise? Erro. Em Estados balofos e sem incentivo para reformarem seus modos de vida, são os pobres que acabarão por pagar.
A fogueira das vaidades
JOÃO PEREIRA COUTINHO, Folha de SP (Via Blog de Rodrigo Constatino)
Os ricos que paguem a crise? Erro. Em Estados balofos são os pobres que acabarão por pagar
Os ricos que paguem a crise? Erro. Em Estados balofos são os pobres que acabarão por pagar
A fogueira das vaidades
JOÃO PEREIRA COUTINHO, Folha de
SP
Os ricos que paguem a crise? Erro. Em Estados balofos são os pobres que acabarão por pagar
A estupidez não paga imposto. Pena. Depois de ler as palavras de Warren Buffett no "New York Times", a pedir mais impostos para ricos como ele, é a sua estupidez, não a sua riqueza, que deveria ser fortemente tributada.
Digo estupidez, mas digo mal. Vaidade, a palavra certa é vaidade. Entendo Buffett. Uma pessoa acumula uma fortuna colossal. Compra casas, carros. Excentricidades.
Mas eis que chega a gadanha do tédio para arranhar a nossa consciência mortal. Como resolver esse desconforto e fazer as pazes com a culpa primitiva?
Adotando, por exemplo. Celebridades de Hollywood foram cultivando a moda: viagens repetidas a África, Ásia e outros recantos de miséria, em busca do órfão respectivo. Toda a gente pode tomar o café da manhã na Tiffany, pelo menos a partir de um certo patamar (obrigado, Truman Capote).
Mas um órfão é outra história: exige trabalho, disponibilidade e uma dose maciça de sentimentalismo, que sempre comove as lentes fotográficas. Passear um diamante na passadeira vermelha é "kitsch". Passear um cambojano ou um etíope, o cúmulo da sofisticação. E quem não adota contribui. Tenho respeito pelos filantropos. Mas apenas pelos filantropos anônimos, que partilham a fortuna anonimamente. Não é preciso ler Kant para saber que a base da moralidade é o ato de tratar alguém como um fim, não como um meio.
Infelizmente, os filantropos que conheço, alguns pessoalmente, gostam de ajudar os pobres desde que isso renda boas matérias de jornal. O efeito, por vezes, é irônico e até perverso: eles querem partilhar a fortuna; mas, à custa da propaganda, multiplicam a fortuna porque os consumidores gostam de premiar a "consciência social".
Caro leitor: se você é rico, ou deseja ser mais rico, esqueça os mecanismos vulgares de gerar riqueza. O melhor negócio é adotar um sudanês (nunca um brasileiro!) e montar uma fundação humanitária com o seu nome em letras garrafais.
Ou então pedir mais impostos sobre sua própria fortuna. Fato: nenhum imposto especial sobre os ricos resolve os problemas estruturais dos países deficitários do Ocidente. Pelo contrário, agrava-os (já lá irei). Mas, pelo menos, consola a alma e, no caso de Warren Buffett, faz sucesso dentro e fora de portas.
Dentro de portas, já há mais bilionários americanos na fila, dispostos a ceder fortunas na fogueira das vaidades. Fora de portas, 16 bilionários franceses pediram tratamento de chicote. "Noblesse oblige": o governo Sarkozy promete descer o dito cujo sobre contribuintes cujas receitas fiscais superem € 1 milhão.
E até no exaurido Portugal, onde bato estas linhas, a ideia de Buffett promete frutificar, com presidente da República e primeiro-ministro a aceitarem um dos mantras mais famosos do "verão revolucionário" de 1975: os ricos que paguem a crise. Os ricos prometem pagar, claro. Pelo menos aqueles que não tencionam fazer as malas e fugir.
Moral da história? Não vale a pena repetir o óbvio: um sistema fiscal justo é aquele em que quem tem mais contribui com mais. Mas é também um sistema que não demoniza a riqueza e aqueles que a criam. Exceto se o modelo de sociedade ideal estiver em Cuba ou na Coreia do Norte, onde os únicos recursos são a fome e a violência.
Até Marx, que não era propriamente um capitalista (Engels fazia esse serviço por ele), sabia que, sem riqueza criada, não há riqueza para redistribuir. Nem riqueza, nem investimento, nem emprego.
Quando alguns ricos abrem as portas às predações do Estado, seja por vaidade ou interesse, eles não resolvem coisa nenhuma com suas esmolas generosas.
Apenas consolam o ego; afugentam parceiros sem sentimentos de culpa para outras paragens; e, pior, ajudam a perpetuar a exata doença que tem enterrado a Europa e os Estados Unidos: Estados falidos que, incapazes de controlar gastos, persistem de forma suicida num "modelo social" insustentável no século 21. Um modelo que, quando estourar, não vai estourar em cima de Warren Buffett e amigos. Vai estourar sobre os pobres e remendados.
Os ricos que paguem a crise? Erro. Em Estados balofos e sem incentivo para reformarem seus modos de vida, são os pobres que acabarão por pagar.
Os ricos que paguem a crise? Erro. Em Estados balofos são os pobres que acabarão por pagar
A estupidez não paga imposto. Pena. Depois de ler as palavras de Warren Buffett no "New York Times", a pedir mais impostos para ricos como ele, é a sua estupidez, não a sua riqueza, que deveria ser fortemente tributada.
Digo estupidez, mas digo mal. Vaidade, a palavra certa é vaidade. Entendo Buffett. Uma pessoa acumula uma fortuna colossal. Compra casas, carros. Excentricidades.
Mas eis que chega a gadanha do tédio para arranhar a nossa consciência mortal. Como resolver esse desconforto e fazer as pazes com a culpa primitiva?
Adotando, por exemplo. Celebridades de Hollywood foram cultivando a moda: viagens repetidas a África, Ásia e outros recantos de miséria, em busca do órfão respectivo. Toda a gente pode tomar o café da manhã na Tiffany, pelo menos a partir de um certo patamar (obrigado, Truman Capote).
Mas um órfão é outra história: exige trabalho, disponibilidade e uma dose maciça de sentimentalismo, que sempre comove as lentes fotográficas. Passear um diamante na passadeira vermelha é "kitsch". Passear um cambojano ou um etíope, o cúmulo da sofisticação. E quem não adota contribui. Tenho respeito pelos filantropos. Mas apenas pelos filantropos anônimos, que partilham a fortuna anonimamente. Não é preciso ler Kant para saber que a base da moralidade é o ato de tratar alguém como um fim, não como um meio.
Infelizmente, os filantropos que conheço, alguns pessoalmente, gostam de ajudar os pobres desde que isso renda boas matérias de jornal. O efeito, por vezes, é irônico e até perverso: eles querem partilhar a fortuna; mas, à custa da propaganda, multiplicam a fortuna porque os consumidores gostam de premiar a "consciência social".
Caro leitor: se você é rico, ou deseja ser mais rico, esqueça os mecanismos vulgares de gerar riqueza. O melhor negócio é adotar um sudanês (nunca um brasileiro!) e montar uma fundação humanitária com o seu nome em letras garrafais.
Ou então pedir mais impostos sobre sua própria fortuna. Fato: nenhum imposto especial sobre os ricos resolve os problemas estruturais dos países deficitários do Ocidente. Pelo contrário, agrava-os (já lá irei). Mas, pelo menos, consola a alma e, no caso de Warren Buffett, faz sucesso dentro e fora de portas.
Dentro de portas, já há mais bilionários americanos na fila, dispostos a ceder fortunas na fogueira das vaidades. Fora de portas, 16 bilionários franceses pediram tratamento de chicote. "Noblesse oblige": o governo Sarkozy promete descer o dito cujo sobre contribuintes cujas receitas fiscais superem € 1 milhão.
E até no exaurido Portugal, onde bato estas linhas, a ideia de Buffett promete frutificar, com presidente da República e primeiro-ministro a aceitarem um dos mantras mais famosos do "verão revolucionário" de 1975: os ricos que paguem a crise. Os ricos prometem pagar, claro. Pelo menos aqueles que não tencionam fazer as malas e fugir.
Moral da história? Não vale a pena repetir o óbvio: um sistema fiscal justo é aquele em que quem tem mais contribui com mais. Mas é também um sistema que não demoniza a riqueza e aqueles que a criam. Exceto se o modelo de sociedade ideal estiver em Cuba ou na Coreia do Norte, onde os únicos recursos são a fome e a violência.
Até Marx, que não era propriamente um capitalista (Engels fazia esse serviço por ele), sabia que, sem riqueza criada, não há riqueza para redistribuir. Nem riqueza, nem investimento, nem emprego.
Quando alguns ricos abrem as portas às predações do Estado, seja por vaidade ou interesse, eles não resolvem coisa nenhuma com suas esmolas generosas.
Apenas consolam o ego; afugentam parceiros sem sentimentos de culpa para outras paragens; e, pior, ajudam a perpetuar a exata doença que tem enterrado a Europa e os Estados Unidos: Estados falidos que, incapazes de controlar gastos, persistem de forma suicida num "modelo social" insustentável no século 21. Um modelo que, quando estourar, não vai estourar em cima de Warren Buffett e amigos. Vai estourar sobre os pobres e remendados.
Os ricos que paguem a crise? Erro. Em Estados balofos e sem incentivo para reformarem seus modos de vida, são os pobres que acabarão por pagar.
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