Queremos desfrutar tudo aquilo que os países ricos têm, sem termos de trabalhar o que eles trabalharam para chegar lá. Queremos um futuro glorioso, desde que isso não signifique sacrificar nada do presente. Essa conta não fecha. Jamais fechará.
Em um experimento que virou um
clássico, o psicólogo Walter Mischel criou o seguinte cenário na Universidade
Stanford no fim dos anos 60: crianças de 4 anos de idade foram colocadas em uma
sala pequena, que continha um marshmallow em uma mesa. O pesquisador explicava
à criança que ele teria de sair deixando-a sozinha na sala. Se, quando ele
voltasse, a criança tivesse resistido à tentação de comer o doce, ela ganharia
mais um marshmallow. Se capitulasse e o comesse, não ganharia mais nada. Anos
depois do experimento, Mischel foi acompanhando informalmente o progresso
daquelas crianças e notou que havia uma correlação entre o tempo que elas
conseguiram esperar antes de comer o marshmallow e vários indicadores de
bem-estar. Quase vinte anos depois do estudo original, Mischel e colegas
mediram objetiva e cuidadosamente suas características, e os resultados foram
surpreendentes: vários dos atributos mais importantes para seu sucesso podiam
ser previstos pelo tempo a que resistiram ao marshmallow aos 4 anos de idade.
Uso de drogas, peso corporal e até os resultados no SAT, o vestibular
americano, estavam significativamente associados ao autocontrole demonstrado
diante das guloseimas. A capacidade de sacrificar um pequeno ganho presente
(comer um doce) pela possibilidade de um ganho maior no futuro (dois doces) se
relacionava com o bem-estar em dimensões bem mais sérias ao longo de toda a
vida.
Países são mais complexos que pessoas,
e o estado de um país não é igual a uma simples soma dos atributos de seus
habitantes. Mas creio que a diferença entre o todo e a soma de suas partes
também não pode ser muito diferente, especialmente se esse país é uma
democracia. E quero postular aqui que grande parte dos problemas que o Brasil
enfrenta se deve à nossa incapacidade de fazer essas trocas intertemporais, de
aceitar sacrifícios presentes para colher ganhos futuros. A tese não é original
— Eduardo Giannetti já a traçou com mais brilhantismo e sutileza em seu livro
“O Valor do Amanhã” —, mas me parece merecer mais atenção do que a que lhe é
costumeiramente devotada.
Se tivesse de fazer um resumo grosseiro
do que é o processo de desenvolvimento econômico, diria que depende de pessoas,
dinheiro e instituições. Quando falo de pessoas, quero dizer produtividade, já
que as outras variáveis — como o número de horas trabalhadas ou a fatia de
pessoas empregadas — podem rapidamente bater em um limite intransponível,
enquanto a produtividade pode aumentar indefinidamente. E ela está diretamente
relacionada à educação. No quesito dinheiro (capital), a variável mais
importante é a taxa de poupança. Que, grosso modo, determina aquilo que os
agentes econômicos poderão investir. Sem investimento não há crescimento. Por
instituições, entenda-se o arcabouço jurídico que garante estabilidade e
previsibilidade a empreendedores e trabalhadores, especialmente no que tange à
proteção da propriedade. Desses três fatores, só as instituições não são,
direta e explicitamente, fruto de trocas intergeracionais. Fazer poupança e
criar um bom sistema educacional são atividades em que o sacrifício dos país
está umbilicalmente atrelado ao bem-estar dos filhos. E creio que não é por
acaso que o Brasil fracassa em ambas. Temos não apenas um dos piores sistemas
educacionais do planeta como também uma taxa de poupança historicamente baixa
(de 18% do PIB em 2010, contra 52% na China, 32% na índia, 34% na Indonésia,
32% na Coreia do Sul, 24% no México e uma média de 30% nos países de renda
média, como o Brasil, segundo dados do Banco Mundial). Esqueça o pré-sal: não
estamos conseguindo acumular o combustível que realmente importa para
impulsionar nosso desenvolvimento.
Esses dados são costumeiramente
expostos nas páginas de jornais e revistas, e a análise que sempre os
acompanha, tanto no caso da poupança quanto no do ensino, é que e tudo culpa do
governo. Que não planeja o longo prazo, que não controla gastos, que é corrupto
e perdulário. Tudo isso é verdade, mas nosso governo não é um ente exógeno que
chegou do espaço sideral para meter a mão em nossos impostos: nós o colocamos
lá. E, apesar de ser doloroso reconhecê-lo, as ações dos políticos espelham as
nossas.
Olhe para a nossa vida privada.
Literalmente, desde o seu nascimento o brasileiro sai em desvantagem, pela
impaciência de mães e médicos: nossa taxa de partos por cesariana (44% em 2011)
é a mais alta do mundo, segundo a Unicef. A incapacidade de se controlar está
chegando também à nossa cintura: logo que as famílias saíram da pobreza e
passaram a poder consumir um pouco, o perfil nutricional do brasileiro passou
da subnutrição diretamente para o sobrepeso. Entre 1989 e 2009, a obesidade
infantil mais do que quadruplicou. Hoje, um de cada seis meninos de 5 a 9 anos
de idade é obeso. Segundo o Ministério da Saúde, 49% dos brasileiros têm
sobrepeso.
Quando falamos de escolas, a
indisposição do brasileiro para sacrifícios é ainda mais aparente. Em Xangai,
fui visitar a família de um aluno humilde escolhido aleatoriamente e vi algo
que imagino ser raríssimo no Brasil: no modesto quarto e sala da família, os
pais dormiam em um apertado sofá-cama na minúscula sala ao lado da cozinha,
enquanto o filho tinha o quarto espaçoso para si. A prioridade era o estudo do
filho.
Quando você leu o título deste artigo,
provavelmente respondeu a si mesmo: “Eu faria de tudo pelo meu filho”. Mas, se
você for um brasileiro normal, a resposta real terá sido: “Tudo, desde que não
atrapalhe o meu estilo de vida”. Você topa trabalhar duro para pagar uma boa
escola, e acha que por isso mesmo é que a escola não deve exigir de você que se
envolva com os estudos do filho quando chegar em casa cansado, à noite. Várias vezes
eu vi pais carregando filhos pequenos chorosos em restaurantes em horários em
que estes deveriam estar dormindo. Há dois meses, usando a mesma lógica do “não
tinha com quem deixar a criança”, um sujeito levou o filho de 8 anos para
explodir e roubar um caixa eletrônico. Já ouvi muito pai querendo colocar o
filho em escola perto de casa — raramente encontro gente se mudando para deixar
o filho mais próximo de escola boa. Entre poupar para dar uma segurança aos
seus filhos e comprar a geladeira nova, você opta pela geladeira. Mesmo que nem
tenha o dinheiro e se comprometa com prestações a perder de vista. Entre
renegociar uma Previdência impagável e empurrar o problema com a barriga,
escolhemos o segundo. E, quando a nossa irresponsabilidade cobra a fatura,
queremos que o governo segure nossas pontas. O livro “A Cabeça do Brasileiro”
mostra que 83% de nós concordamos que o governo deve socorrer empresas
falimentares. Inacreditáveis 70% gostariam que o governo controlasse os preços
de todos os produtos do país. Queremos o retorno garantido, sem topar correr os
riscos. Queremos desfrutar tudo aquilo que os países ricos têm, sem termos de
trabalhar o que eles trabalharam para chegar lá. Queremos um futuro glorioso,
desde que isso não signifique sacrificar nada do presente. Essa conta não
fecha. Jamais fechará.
Antes de exigir dos outros que melhorem
nossas escolas, hospitais ou estradas, vamos precisar olhar para nós mesmos e
decidir se estamos dispostos a pagar, com sacrifícios no presente, o preço de
ser o país do futuro. Ou se continuaremos a ser a eterna promessa, que comeu o
doce da mesa assim que o adulto saiu da sala.
Fonte: revista Veja
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