Mostrando postagens com marcador populismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador populismo. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 23 de maio de 2014

A dama não dá voltas

Thatcher era uma espécie de anti-Lula. Lula baseou as ações do seu governo na gastança do dinheiro público. Recheou os quadros do funcionalismo com mais de 40 mil contratações amigas e distribuiu reais à mancheia para programas, doações, aquisições, o escambau

Por DAVID COIMBRA

“A dama não dá voltas!”, rugiu Margaret Thatcher para os respeitosos parlamentares que a ouviam em um discurso do começo dos anos 80, na Velha Álbion.

A dama não dá voltas. Falava dela própria, a “Dama de Ferro”. Queria dizer que não voltaria atrás em sua política de moralidade pública implacável e feroz enxugamento dos gastos do Estado, como defendiam inclusive vários de seus correligionários.

Thatcher continua sendo discutida com paixão. Quando morreu, no ano passado, alguns ainda a vilipendiavam. Pudera. Thatcher era uma espécie de anti-Lula. Lula baseou as ações do seu governo na gastança do dinheiro público. Recheou os quadros do funcionalismo com mais de 40 mil contratações amigas e distribuiu reais à mancheia para programas, doações, aquisições, o escambau.

Lula repetiu Juscelino, autor daquela excrescência de pedra chamada Brasília. Imagine você, leitor que se espanta com os custos da Copa, que o Brasil levantou uma cidade no meio do nada do Planalto Central e para lá transferiu toda a máquina do governo federal, mais ou menos como Constantino fez nos anos 300, transformando Bizâncio em Constantinopla e tornando-a capital do império romano. Juscelino foi o nosso Queóps, que ergueu das areias do deserto a Grande Pirâmide. E Lula é o nosso Luís XIV, que sustentava os luxos da sua corte com o dinheiro dos impostos.

Luís XIV foi chamado de Rei Sol. Não por acaso. O governante que é pródigo com o dinheiro do Estado em geral se torna popular. Lula, obviamente, é popular. Médici, a seu tempo, tempo do Brasil Grande, também era. Igualmente o já citado Juscelino. Já economizar é chato. O cara tem que dizer não, não, não, e o bom é dizer sim, sim, sim.

Não sei se Margaret Thatcher estava certa ou errada. Analistas econômicos britânicos ainda debatem isso. Mas sei que a Inglaterra é o que é hoje graças a ela. Ou por causa dela, se você prefere. Ela tinha convicções e foi em frente. A dama não dava voltas.

Achei que Dilma seria uma espécie de Thatcher, quando foi eleita. Não que esperasse dela algum tipo de política de austeridade. Não. Dilma é uma desenvolvimentista aos moldes do que foram os militares nos anos 70. O PAC de Dilma é o PND de Reis Velloso. O que achei é que ela governaria com firmeza, e não, o governo não tem firmeza, dança ao sabor dos acontecimentos, cede a quaisquer pressões, vindas de onde vierem e é, mais do que tolerante, leniente. O resultado é um país em que nada é garantido e tudo é permitido. Um país em que ninguém está feliz e todos se rebelam, alguns com causa clara, outros com causa obscura e muitos sem causa alguma, apenas para experimentar o inefável gosto da rebelião pela rebelião. Com a provável exceção dos grandes banqueiros, que não queimam ônibus nem fecham rua, não há uma única categoria satisfeita no Brasil. Não há quem não se revolte. Porque, no Brasil, as damas e os cavalheiros do governo dão voltas.

david.coimbra@zerohora.com.br

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Populismo, luta de classes e liberdade

A inflação ronda 6%, mas, não fossem as manobras protelatórias, seria 7% a 8%

Sob o manto teórico de que ao governo cabe defender o cidadão contra os abusos do mercado, o governo federal vem intervindo na formação de preços. Interfere nas tarifas de serviços públicos, no preço da gasolina e até nos chamados “preços livres” via alterações de impostos. Para incentivar o consumo, mexeu nos IPIs; para reduzir importações, mexeu nas tarifas de importações; para reduzir a entrada de capitais, mexeu no IOF.

Também interferiu no mercado de crédito ao produzir uma avalanche de empréstimos subsidiados, mascarando política fiscal com política creditícia. E no mercado de trabalho, ao reduzir as contribuições do INSS, estimulou a demanda por um recurso que, à altura da medida, se afigurava escasso.

Quem estudou as economias centralmente planejadas sabe que a supressão do sistema de preços produz investimentos ineficientes e desajustes entre oferta e demanda que terão que ser resolvidos adiante.

Essa é uma história econômica com repercussões políticas. O governo passou a mensagem de que “ele manda”. Ora, se ele manda, tem que entregar. E vai entregar a quem tiver mais poder de barganha, quem gritar mais alto. Esse ambiente incita os grupos de interesse a reivindicar mais para os seus associados. Isso vale para empresários, políticos e sindicatos de servidores privados e públicos. Ao impedir o funcionamento do mercado de bens e serviços, o governo realça o mercado político.

Acrescente-se um fator circunstancial, as eleições, e temos um contexto favorável para as trocas entre o governo, que manda, e os grupos organizados, que reivindicam. Não por outra razão, o governo, que começou o ano dizendo que ia ser mais moderado nas áreas fiscal e creditícia, já mudou de ideia e, nas últimas semanas, voltou ao regime de provimento de benesses. Trata-se de populismo em estado puro.

A barganha exacerbada pode produzir uma espiral em que os grupos reivindicam e o governo, acuado, tem que entregar. Mas esse processo tem um limite.

A inflação ronda 6%, mas, não fossem as manobras protelatórias, seria 7% a 8%. O superávit primário ronda 1,5%, mas, não fossem as artimanhas contábeis, estaria em zero. A pilhagem fiscal fez o governo chegar ao limite, assim como as represas que nos levarão ao racionamento de energia.

A crítica à viabilidade do modelo tem provocado uma furiosa reação do PT, para quem se trata de uma visão da elite que deseja a volta do arrocho salarial e do desemprego. Esse clima de luta de classes terá dois legados. Primeiro, com o tempo, o governo se tornará refém dos grupos organizados na sanha por mais benefícios. Segundo, a folga fiscal se extinguirá e, no momento da verdade, haverá grande frustração de expectativas. Já estamos assistindo a um pouco dos dois.

Que os governos erram — como errou o governo do PT — há centenas de exemplos na História. O insucesso deve servir de combustível para o aperfeiçoamento através da pesquisa, das reformas e da ação essencial dos atores políticos em um ambiente democrático. Que o governo defenda seus métodos e produza uma alegoria baseada na luta de classes também é aceitável.

Mas usar o argumento do oligopólio da comunicação como mote de campanha e ameaçar com a censura à imprensa é permitir que a política partidária venha a suprimir o oxigênio do organismo social, que é a liberdade de expressão. Porque é da livre expressão dos indivíduos que se faz a convivência humana, senão criativa e virtuosa, pelo menos suportável.

Edward Amadeo é economista

Fonte: O Globo

terça-feira, 19 de março de 2013

Lágrimas para o déspota

Não existe na história humana um único exemplo de sociedade sadia que não tenha respeitado a garantia de que cada cidadão possa buscar a própria felicidade e a de sua família. Sempre que deixaram ou foram forçadas perseguir a utopia do bem coletivo à custa do sacrifício dos direitos individuais, as nações viram seus governos degenerar em regimes totalitários.

Carta ao leitor REVISTA VEJA

As instituições formam o alicerce de todas as organizações sociais que permitiram o funcionamento de governos democrático, com alternância de poder e pleno respeito aos direitos humanos, entre eles a fundamental liberdade de expressão. Não existe na história humana um único exemplo de sociedade sadia que não tenha respeitado a garantia de que cada cidadão possa buscar a própria felicidade e a de sua família. Sempre que deixaram ou foram forçadas perseguir a utopia do bem coletivo à custa do sacrifício dos direitos individuais, as nações viram seus governos degenerar em regimes totalitários. O governo do venezuelano Hugo Chávez, morto de câncer na semana passada, em Caracas, foi apenas mais um desses desastres anunciados.

Teria passado despercebido não fosse a Venezuela vizinha do Brasil e dona de uma das maiores reservas de petróleo do nundo. Teria sido inofensivo para os brasileiros e para a América Latina se Chávez não tivesse usado o dinheiro dos venezuelanos pobres para exercer um imperialismo primitivo na região, com a tentativa de corromper militares no Paraguai, apoiar terrorismo na Colômbia, financiar campanhas presidenciais de esquerdistas na Argentina e no Uruguai, fomentar o desrespeito à Constituição em Honduras e comprar simpatias no Brasil.

Uma reportagem desta edição de Veja mostra que Chávez deixa uma herança maldita de desestabilização em um continente que, dado seu passado turbulento, precisa de estabilidade mais do que de oxigênio. O coronel paraquedista Chávez, autor de um golpe fracassado e depois eleito democraticamente, passou como um tanque sobre as instituições, pressionando e aparelhando os tribunais superiores. Intimidou e inviabilizou o funcionamento de redes de televisão independentes, encarcerou adversários políticos e criou milícias partidárias armadas que se confundem com os bandos de criminosos comuns. Fiel à farda, trouxe de volta os militares à cena política, o que há poucas décadas abriu as portas do inferno em quase todas as nações latino-americanas.

As multidões formadas predominantemente por pessoas pobres, as mesmas que o reelegeram três vezes para a Presidência da República, choravam nas ruas de Caracas lágrimas de genuíno pesar pela morte de seu líder. Chávez atendeu às demandas de curto prazo das massas e, no melhor estilo populista, mandou a conta para as gerações futuras. Ele fez com as ruas um pacto emocional, o que não é novidade na história das sociedades humanas. Cantores, atores, esportistas, papas e políticos populistas antes dele foram levados ao túmulo por correntes humanas de adoradores. Getúlio Vargas, no Brasil, e Perón, na Argentina, são os exemplos mais próximos. Secas as lágrimas, serenada a emoção, o povo vai aos poucos percebendo que seus santos padroeiros na política nada fizeram pela prosperidade duradoura, pela garantia das liberdades ou pelo fortalecimento das instituições. Chávez foi mais um desses.

quarta-feira, 13 de março de 2013

La muerte del caudillo


Y tiene ahora una oportunidad extraordinaria para convencer al pueblo venezolano de que la verdadera salida para los enormes problemas que enfrenta no es perseverar en el error populista y revolucionario que encarnaba Chávez, sino en la opción democrática, es decir, en el único sistema que ha sido capaz de conciliar la libertad, la legalidad y el progreso, creando oportunidades para todos en un régimen de coexistencia y de paz.
Por Mario Vargas Llosa
El comandante Hugo Chávez Frías pertenecía a la robusta tradición de los caudillos, que, aunque más presente en América Latina que en otras partes, no deja de asomar por doquier, aun en democracias avanzadas, como Francia. Ella revela ese miedo a la libertad que es una herencia del mundo primitivo, anterior a la democracia y al individuo, cuando el hombre era masa todavía y prefería que un semidiós, al que cedía su capacidad de iniciativa y su libre albedrío, tomara todas las decisiones importantes sobre su vida. Cruce de superhombre y bufón, el caudillo hace y deshace a su antojo, inspirado por Dios o por una ideología en la que casi siempre se confunden el socialismo y el fascismo —dos formas de estatismo y colectivismo— y se comunica directamente con su pueblo, a través de la demagogia, la retórica y espectáculos multitudinarios y pasionales de entraña mágico-religiosa.
Su popularidad suele ser enorme, irracional, pero también efímera, y el balance de su gestión infaliblemente catastrófica. No hay que dejarse impresionar demasiado por las muchedumbres llorosas que velan los restos de Hugo Chávez; son las mismas que se estremecían de dolor y desamparo por la muerte de Perón, de Franco, de Stalin, de Trujillo, y las que mañana acompañarán al sepulcro a Fidel Castro. Los caudillos no dejan herederos y lo que ocurrirá a partir de ahora en Venezuela es totalmente incierto. Nadie, entre la gente de su entorno, y desde luego en ningún caso Nicolás Maduro, el discreto apparatchik al que designó su sucesor, está en condiciones de aglutinar y mantener unida a esa coalición de facciones, individuos e intereses encontrados que representan el chavismo, ni de mantener el entusiasmo y la fe que el difunto comandante despertaba con su torrencial energía entre las masas de Venezuela.
Pero una cosa sí es segura: ese híbrido ideológico que Hugo Chávez maquinó, llamado la revolución bolivariana o el socialismo del siglo XXI comenzó ya a descomponerse y desaparecerá más pronto o más tarde, derrotado por la realidad concreta, la de una Venezuela, el país potencialmente más rico del mundo, al que las políticas del caudillo dejan empobrecido, fracturado y enconado, con la inflación, la criminalidad y la corrupción más altas del continente, un déficit fiscal que araña el 18% del PIB y las instituciones —las empresas públicas, la justicia, la prensa, el poder electoral, las fuerzas armadas— semidestruidas por el autoritarismo, la intimidación y la obsecuencia.
En los catorce años que Chávez gobernó Venezuela, el barril de petróleo multiplicó unas siete veces su valor, lo que hizo de ese país, potencialmente, uno de los más prósperos del globo. Sin embargo, la reducción de la pobreza en ese período ha sido menor en él que, digamos, las de Chile y Perú en el mismo periodo. En tanto que la expropiación y nacionalización de más de un millar de empresas privadas, entre ellas de tres millones y medio de hectáreas de haciendas agrícolas y ganaderas, no desapareció a los odiados ricos sino creó, mediante el privilegio y los tráficos, una verdadera legión de nuevos ricos improductivos que, en vez de hacer progresar al país, han contribuido a hundirlo en el mercantilismo, el rentismo y todas las demás formas degradadas del capitalismo de Estado.La muerte de Chávez, además, pone un signo de interrogación sobre esa política de intervencionismo en el resto del continente latinoamericano al que, en un sueño megalómano característico de los caudillos, el comandante difunto se proponía volver socialista y bolivariano a golpes de chequera. ¿Seguirá ese fantástico dispendio de los petrodólares venezolanos que han hecho sobrevivir a Cuba con los cien mil barriles diarios que Chávez poco menos que regalaba a su mentor e ídolo Fidel Castro? ¿Y los subsidios y/o compras de deuda a 19 países, incluidos sus vasallos ideológicos como el boliviano Evo Morales, el nicaragüense Daniel Ortega, a las FARC colombianas y a los innumerables partidos, grupos y grupúsculos que a lo largo y ancho de América Latina pugnan por imponer la revolución marxista? El pueblo venezolano parecía aceptar este fantástico despilfarro contagiado por el optimismo de su caudillo; pero dudo que ni el más fanático de los chavistas crea ahora que Nicolás Maduro pueda llegar a ser el próximo Simón Bolívar. Ese sueño y sus subproductos, como la Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América (ALBA), que integran Bolivia, Cuba, Ecuador, Dominica, Nicaragua, San Vicente y las Granadinas y Antigua y Barbuda, bajo la dirección de Venezuela, son ya cadáveres insepultos.
Chávez no estatizó toda la economía, a la manera de Cuba, y nunca acabó de cerrar todos los espacios para la disidencia y la crítica, aunque su política represiva contra la prensa independiente y los opositores los redujo a su mínima expresión. Su prontuario en lo que respecta a los atropellos contra los derechos humanos es enorme, como lo ha recordado con motivo de su fallecimiento una organización tan objetiva y respetable como Human Rights Watch. Es verdad que celebró varias consultas electorales y que, por lo menos algunas de ellas, como la última, las ganó limpiamente, si la limpieza de una consulta se mide sólo por el respeto a los votos emitidos, y no se tiene en cuenta el contexto político y social en que aquella se celebra, y en la que la desproporción de medios con que el gobierno y la oposición cuentan es tal que ésta corre de entrada con una desventaja descomunal.
Pero, en última instancia, que haya en Venezuela una oposición al chavismo que en la elección del año pasado casi obtuvo los seis millones y medio de votos es algo que se debe, más que a la tolerancia de Chávez, a la gallardía y la convicción de tantos venezolanos, que nunca se dejaron intimidar por la coerción y las presiones del régimen, y que, en estos catorce años, mantuvieron viva la lucidez y la vocación democrática, sin dejarse arrollar por la pasión gregaria y la abdicación del espíritu crítico que fomenta el caudillismo.
Ni Chávez ni caudillo alguno son posibles sin un clima de escepticismo y de disgusto con la democracia como el que llegó a vivir Venezuela cuando, el 4 de febrero de 1992, el comandante Chávez intentó el golpe de Estado contra el gobierno de Carlos Andrés Pérez, golpe que fue derrotado por un Ejército constitucionalista y que envió a Chávez a la cárcel de donde, dos años después, en un gesto irresponsable que costaría carísimo a su pueblo, el presidente Rafael Caldera lo sacó amnistiándolo. Esa democracia imperfecta, derrochadora y bastante corrompida había frustrado profundamente a los venezolanos, que, por eso, abrieron su corazón a los cantos de sirena del militar golpista, algo que ha ocurrido, por desgracia, muchas veces en América Latina.No sin tropiezos, esa oposición, en la que se hallan representadas todas las variantes ideológicas de la derecha a la izquierda democrática de Venezuela, está unida. Y tiene ahora una oportunidad extraordinaria para convencer al pueblo venezolano de que la verdadera salida para los enormes problemas que enfrenta no es perseverar en el error populista y revolucionario que encarnaba Chávez, sino en la opción democrática, es decir, en el único sistema que ha sido capaz de conciliar la libertad, la legalidad y el progreso, creando oportunidades para todos en un régimen de coexistencia y de paz.
Cuando el impacto emocional de su muerte se atenúe, la gran tarea de la alianza opositora que preside Henrique Capriles está en persuadir a ese pueblo de que la democracia futura de Venezuela se habrá sacudido de esas taras que la hundieron, y habrá aprovechado la lección para depurarse de los tráficos mercantilistas, el rentismo, los privilegios y los derroches que la debilitaron y volvieron tan impopular. Y que la democracia del futuro acabará con los abusos del poder, restableciendo la legalidad, restaurando la independencia del Poder Judicial que el chavismo aniquiló, acabando con esa burocracia política elefantiásica que ha llevado a la ruina a las empresas públicas, creando un clima estimulante para la creación de la riqueza en el que los empresarios y las empresas puedan trabajar y los inversores invertir, de modo que regresen a Venezuela los capitales que huyeron y la libertad vuelva a ser el santo y seña de la vida política, social y cultural del país del que hace dos siglos salieron tantos miles de hombres a derramar su sangre por la independencia de América Latina.

segunda-feira, 4 de março de 2013

"Numa novela, não se sabe o que vai acontecer, como vai terminar. E a Argentina é isso, um país de novela.

"Numa novela, não se sabe o que vai acontecer, como vai terminar. E a Argentina é isso, um país de novela. Este governo vai deixar ao próximo uma carga muito pesada. Uma das heranças é a divisão da sociedade. Existem os bons, que apoiam o governo, e os maus, aqueles que divergem ou são contra."

Deixo aqui registrado o meu sentimento que o Brasil é a Argentina amanhã. Sua politica econômica desastrosa (focado no procura e não na oferta, baixo investimentos e gastos excessivos, congelamento de preçoc, etc), o comando central populista e autoritário (o NÓS contra ELES), estão levando o pais pro buraco. Aqui, embora em tom mais ameno, o partido que habita o poder usa dos mesmos métodos. Espero estar errado! Thiago

Por Marcos Aguinis - Autor do livro O Atroz Encanto de Ser Argentino em Zero Hora (24.02.2013)

“Arrogância de hoje é para cobrir a vergonha”


Escritor e médico, ganhador do Prêmio Planeta de Espanha, Marcos Aguinis, 77 anos, revelou a mentalidade dos seus conterrâneos ao publicar o livro O Atroz Encanto de Ser Argentino, em 2001. Traduzido para o português e com sucessivas reedições em espanhol, o autor mostra que o país, nos últimos 70 anos, está numa vertiginosa montanha-russa. Ora nas alturas da glória, ora nos porões do constrangimento. No momento, Aguinis diz que a Argentina está por baixo, sob o jugo do kirchnerismo que a todos controla, e ainda longe do fundo do poço. O escritor e ensaísta recebeu ZH em sua casa, em Buenos Aires, para entrevista.

Zero Hora – Em 2001, no seu livro, o senhor escreveu que o esporte nacional dos argentinos era se queixar. Como é agora?

Marcos Aguinis – Continua se queixando, mas de uma forma diferente. Há uma anestesia geral que afeta os argentinos, imposta pelo autoritarismo, que deriva do medo e da resignação.

ZH – Por que a expressão o atroz encanto de ser argentino?

Aguinis – Há um contraste entre as possibilidades, tanto econômicas quanto culturais, e a realidade, que é contrária. Em vez de ser um país de liberdade, mérito e esperança, converteu-se em uma nação que está na obscuridade, na desesperança e, em parte, na resignação.

ZH – Por quê?

Aguinis – Porque está difícil ir adiante. O país perdeu a hierarquia das instituições. O Congresso, o Judiciário e a República foram atingidos sistematicamente, estão decadentes. E não temos mais forças de contenção. Não temos forças armadas, a polícia está comprometida pela corrupção. Os funcionários ladrões que estão no governo jamais foram punidos. Então, a situação se torna atroz.

ZH – Mas é um país que foi o eldorado dos imigrantes europeus, como o senhor escreveu. E que tinha potencial para rivalizar com os Estados Unidos...

Aguinis – Sim. Até fins da década de 1940, era assim. Perón (Juan Domingo Perón, semelhante a Getulio Vargas no Brasil), quando assumiu, não podia caminhar no Banco Central de tantos lingotes de ouro que havia no assoalho. Eva Perón, quando viajou à Europa, era a embaixadora da esperança depois da II Guerra Mundial, porque levava barcos com toneladas de cereais e carne às populações esfomeadas. Havia superprodução de alimentos na Argentina. Por isso, os imigrantes queriam vir para cá.

ZH – Imigrantes europeus, como o seu pai, que trabalhou como estivador e garantiu a faculdade para os filhos, ajudaram a construir o país. O senhor os chama de titãs. E agora?

Aguinis – Atualmente, na Argentina, ninguém triunfa mediante o trabalho e o esforço honestos, mas por meio de manobras desonestas. Há uma frase que vem do tango: “O que trabalha é um gil (tolo)”. E isso tem vigência, agora mais do que nunca. Não há prêmio ao mérito, não há plano de longo prazo.

ZH – A Argentina gerou mentes brilhantes, como Jorge Luis Borges e Julio Cortazar na literatura, além de outros no teatro, na música, nas artes, na ciência. O que aconteceu?

Aguinis – Esse fenômeno aconteceu em outros lugares. Uns falam do século de Péricles, um dos mais brilhantes da história, mas depois a Grécia caiu, e vem caindo. A Argentina teve o seu século de Péricles, de 1860 a 1940. Aí, começou a decadência. E entra uma cota de mistério: por quê? Bom, porque entrou uma mentalidade fascista, disfarçada de peronismo. Que é um fascismo sedutor, hipnotizador, que reparte benefícios com os quais conquista as pessoas. Aqui é a cultura da mendicidade, não do trabalho. É um submetimento, uma decadência moral. Isso é atroz.

ZH – O que acontecerá no país?

Aguinis – Escrevi um livro, Um País de Novela. Numa novela, não se sabe o que vai acontecer, como vai terminar. E a Argentina é isso, um país de novela. As coisas mudam de uma forma que não se imagina. Em 1983, quando acabou a ditadura militar, acreditamos que abriríamos uma nova era. Em pouco tempo, desandou. É como uma montanha-russa, às vezes sobe, depois desce.

ZH – O país está em que fase do tobogã?

Aguinis – Embaixo. Mas não significa que tenhamos chegado ao fundo do poço. Estou preocupado. Parte de nós, inclusive, está assustada. Este governo vai deixar ao próximo uma carga muito pesada. Uma das heranças é a divisão da sociedade. Existem os bons, que apoiam o governo, e os maus, aqueles que divergem ou são contra. Chegou-se ao ponto de algumas famílias não poderem se reunir para o assado (churrasco) de domingo. Quebram os pratos, divididos entre os kirchneristas e os contrários.

ZH – Como define a presidente Cristina Kirchner?

Aguinis – É muito narcisista, autoritária, mentirosa. Está levando o país à ruína para ser a rainha.

ZH – O argentino, ou parte dos portenhos que moram em Buenos Aires, tem fama de arrogante. Como é hoje?

Aguinis – A maior parte dos argentinos chegou a cometer o pecado da arrogância porque o país prosperava de forma rápida e intensa. Era um dos mais ricos e cultos. Hoje, há muitos argentinos que continuam sendo arrogantes, mas é uma forma de encobrir a impotência. Psicologicamente, sabe-se que se age ao contrário para tapar uma vergonha.