Sinto-me desamparado pelo Estado, mas, ao mesmo tempo, sinto-me vigiado por Ele. O Estado sabe tudo sobre mim e age com muita agilidade quando não me comporto como Ele espera. (..) O Estado me pune e me multa, mas não me protege de quem assalta, rouba, sequestra, estupra e mata.
Confesso. Tenho medo. É um pouco ridículo, sei, é até uma manifestação de fraqueza. Mas tenho. E o pior é que se trata de um medo prosaico. Não é um medo existencial, medo do futuro ou da morte. Não é um medo filosófico e profundo, esse que me aflige. É o medo vulgar da violência urbana, o medo do bandido que aborda o carro debaixo do semáforo, na entrada de casa, numa esquina escura, um medo que os marxistas desdenhariam como pequeno burguês. Mas sinto esse medo, e isso me incomoda.
Em minha defesa, digo que meu medo existe não exatamente por mim, mas pelas pessoas de quem gosto. Digo também que esse medo, se não nasceu com meu filho, cresceu com ele.
Quando leio que o jogador Valdívia e sua esposa foram atacados num estacionamento de shopping e levados pelos sequestradores a rodar por São Paulo por três horas e que a mulher sofreu abuso sexual dos bandidos, quando leio coisas assim, estremeço. Então, olho em volta, para as ruas de Porto Alegre, e meu medo aumenta, porque acrescento a ele a sensação de desamparo.
Esse desamparo é uma contradição. Sinto-me desamparado pelo Estado, mas, ao mesmo tempo, sinto-me vigiado por Ele. O Estado sabe tudo sobre mim e age com muita agilidade quando não me comporto como Ele espera. Se não pagar o Imposto de Renda, o Estado, no mínimo, vai me multar. Se não pagar o IPVA, o Estado levará meu carro para algum depósito temerário. E vai me multar. Se um empresário não pagar direitinho todas as taxas e contribuições, pode ter sua empresa interditada. E, claro, será multado.
Há câmeras e fiscais do Estado espalhados pelas ruas. Mas eles não vigiam quem está fora da lei; eles vigiam quem está na lei. O Estado me pune e me multa, mas não me protege de quem assalta, rouba, sequestra, estupra e mata. Uma senhora de 87 anos, desprotegida pelo Estado, teve de empunhar uma arma e matar um ladrão a tiros dentro da sua própria casa. Aí o Estado, agilíssimo, cogita de processar a senhora por homicídio e porte ilegal de arma. O Estado é incompetente, desatento e impotente para cuidar da senhora de 87 anos, e é pressuroso para puni-la.
Cresci ouvindo e lendo a tese de que a violência urbana tem fundo social. Diminuindo-se a miséria, a violência diminuiria. A miséria tem diminuído; a violência, não. Existem muitos países mais miseráveis do que o Brasil, mas poucos são tão violentos. Alguma coisa está errada.
A cidade símbolo da violência, no Brasil sempre foi o Rio. Mas, em algumas áreas do Rio, como a Zona Sul, posso caminhar de madrugada pelas calçadas sem a menor preocupação. Nessas partes do Rio, não sinto o meu velho medo. Por quê? Porque, nessas partes, existe policiamento ostensivo. É tão simples: polícia na rua. Repressão. Vigilância do Estado não apenas sobre quem está na lei, mas sobre quem está fora dela.
Polícia na rua. É antigo, é prosaico, é até vulgar. Mas não tem problema. O meu medo também é.
Em minha defesa, digo que meu medo existe não exatamente por mim, mas pelas pessoas de quem gosto. Digo também que esse medo, se não nasceu com meu filho, cresceu com ele.
Quando leio que o jogador Valdívia e sua esposa foram atacados num estacionamento de shopping e levados pelos sequestradores a rodar por São Paulo por três horas e que a mulher sofreu abuso sexual dos bandidos, quando leio coisas assim, estremeço. Então, olho em volta, para as ruas de Porto Alegre, e meu medo aumenta, porque acrescento a ele a sensação de desamparo.
Esse desamparo é uma contradição. Sinto-me desamparado pelo Estado, mas, ao mesmo tempo, sinto-me vigiado por Ele. O Estado sabe tudo sobre mim e age com muita agilidade quando não me comporto como Ele espera. Se não pagar o Imposto de Renda, o Estado, no mínimo, vai me multar. Se não pagar o IPVA, o Estado levará meu carro para algum depósito temerário. E vai me multar. Se um empresário não pagar direitinho todas as taxas e contribuições, pode ter sua empresa interditada. E, claro, será multado.
Há câmeras e fiscais do Estado espalhados pelas ruas. Mas eles não vigiam quem está fora da lei; eles vigiam quem está na lei. O Estado me pune e me multa, mas não me protege de quem assalta, rouba, sequestra, estupra e mata. Uma senhora de 87 anos, desprotegida pelo Estado, teve de empunhar uma arma e matar um ladrão a tiros dentro da sua própria casa. Aí o Estado, agilíssimo, cogita de processar a senhora por homicídio e porte ilegal de arma. O Estado é incompetente, desatento e impotente para cuidar da senhora de 87 anos, e é pressuroso para puni-la.
Cresci ouvindo e lendo a tese de que a violência urbana tem fundo social. Diminuindo-se a miséria, a violência diminuiria. A miséria tem diminuído; a violência, não. Existem muitos países mais miseráveis do que o Brasil, mas poucos são tão violentos. Alguma coisa está errada.
A cidade símbolo da violência, no Brasil sempre foi o Rio. Mas, em algumas áreas do Rio, como a Zona Sul, posso caminhar de madrugada pelas calçadas sem a menor preocupação. Nessas partes do Rio, não sinto o meu velho medo. Por quê? Porque, nessas partes, existe policiamento ostensivo. É tão simples: polícia na rua. Repressão. Vigilância do Estado não apenas sobre quem está na lei, mas sobre quem está fora dela.
Polícia na rua. É antigo, é prosaico, é até vulgar. Mas não tem problema. O meu medo também é.
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