Rodrigo Constantino, O GLOBO
Eu queria escrever sobre Rousseau. Nesta quinta completam-se
três séculos de seu nascimento. Atacaria o coletivismo do filósofo, que jurava
falar em nome da “vontade geral”, na prática, a tirania de poucos. Condenaria
ainda o seu romantismo ingênuo, com a visão idílica do “bom selvagem”, que
transforma em vítima a escória da humanidade.
Mas os acontecimentos da política nacional atropelaram minha
intenção. As novas peripécias de Lula, melhor dizendo. Aquela foto do
ex-presidente sorrindo enquanto aperta a mão de Paulo Maluf é tão sintomática
que não pode passar em branco. Rousseau pode esperar.
Ao contrário de alguns, eu não padeço de romantismo. Política
é a “arte do possível”. Concessões serão inevitáveis. Quem almeja pureza moral
deve se ater ao campo das idéias. Meter as mãos no jogo sujo da política e sair
totalmente limpo é utopia.
Concordo com tudo isso. Mas não posso conceber que exista
somente esta forma de se fazer política! Se é ingenuidade cobrar pureza dos
políticos, também é abjeto pensar que todos estarão sempre dispostos a tudo
pelo poder. É fundamental separar o joio do trigo. Não podemos aceitar
bovinamente que tudo isso é parte inevitável da política, e ponto final.
O melhor argumento de defesa dos petistas é que seu partido é
“apenas” tão ruim quanto os outros. Mesmo se isso fosse verdade, seria patético
para quem já tentou monopolizar a bandeira da ética no passado. Mas é mentira:
o PT é pior!
Nunca antes na história deste país vimos um partido com tanta
sede pelo poder, disposto aos mais nefastos meios para tanto. Aloprados,
“mensalão”, dinheiro na cueca, amizade com os piores ditadores, isso é o PT.
Quem acompanhou sua trajetória não pode ficar surpreso com a aliança entre Lula
e Maluf. Este já tinha até apoiado Marta Suplicy em 2008.
O único “princípio” de Lula é o vale-tudo pelo poder. Todos
os seus velhos desafetos da política, antes atacados com virulência,
tornaram-se aliados. Jader Barbalho teve direito até a um beija-mão, uma “aula”
de política, segundo o próprio Lula. Sarney, o eterno, virou um dos mais fiéis
aliados. Collor foi outro que mereceu a aproximação de Lula.
Podemos não esperar a moralidade plena na política. Mas Lula
vai muito além: ele representa o que há de mais imoral na vida pública
brasileira. Para conseguir mais um minuto de TV na campanha pela prefeitura
paulista, sua obsessão do momento, Lula seria capaz até de beijar Carlinhos
Cachoeira. Ou alguém duvida disso?
Quando se trata de Lula, não há limites morais, não há um
freio que diz “basta”. Fosse ele somente mais um político na cena nacional,
isso mereceria uma atenção menor. O problema é que Lula não é apenas mais um, e
sim o ex-presidente da República, com grande popularidade. Sua conduta
deplorável tem efeitos secundários em toda a política. O fato de ele ter sido
reeleito mesmo com o “mensalão” representou um duro golpe nas frágeis
instituições republicanas. Foi aberta a caixa de Pandora.
Uma das conseqüências disso é o desprezo cada vez maior pela
política das pessoas decentes. O círculo vicioso vai tomando proporções
assustadoras, e boa parte da população já aceita de forma negligente que as
coisas são assim mesmo. Só que, como alertava Platão, a punição que os bons
sofrem, quando se recusam a agir, é viver sob o governo dos maus.
Longe de mim responsabilizar um único indivíduo por toda a
podridão em nossa política. O modelo é ruim, as instituições são capengas, a
mentalidade predominante é autoritária e antiliberal, dezenas de partidos não
passam de legendas de aluguel, e a enorme concentração de poder e recursos no
governo federal cria incentivos para esta pouca vergonha.
Mas é inegável que a postura de Lula serve para piorar o que
já era ruim, para jogar mais lenha na fogueira da imoralidade de nossa
política. Para agravar o quadro, temos uma oposição medíocre, acovardada, sem
um programa alternativo de governo.
Luiz Felipe D’Ávila, em “Os Virtuosos”, mostra como o
nascimento de nossa República dependeu de estadistas, indivíduos que entraram
na vida pública “por uma questão de princípio, por um senso de missão e por um
sentimento de dever”. Será que ainda somos capazes de produzir estadistas como
Prudente de Moraes? Ou estaria nossa política condenada a abrigar tipos como
Lula e Maluf, este procurado pela Interpol?
Volto a Rousseau para fechar. Ele dizia amar a Humanidade,
esta linda abstração, mas abandonou todos os cinco filhos no orfanato. Voltaire
o considerava um “poço de vileza”. O que ele diria sobre Lula?
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