Esse é o século de incredulidade diante da desintegração da política, da economia desgovernada, numa velocidade alucinante. Estamos globalizados e fragmentados, à procura de um norte inexistente. É no meio dessa falta de rumos que as depressões crescem. Aliás, o deprimido é um guardião de seu próprio cemitério, “guarda aí sua ilusão perdida”, escreveu Pontalis.
Por ABRÃO SLAVUTZKY*
O
século 21 pode ser definido como o século do vazio. Há um sentimento de vazio
expresso nas perdas, nas angústias, no desamparo. Cada um busca preencher esse
vazio como pode: uns criam, já outros correm atrás das drogas, dos alimentos e
dos objetos que nunca satisfazem seus desejos. Encher seu vazio é uma obsessão
nos dias de hoje. Sempre algo faz falta, como dizia uma amiga que perdera sua
irmã, e por anos a fio repetia: “Que falta ela me faz”. A falta é o vazio, e
sempre falta algo, pois somos incompletos e frágeis. Ora, se sempre foi assim,
por que então o século 21 seria o século do vazio?
Os
tempos são de desconstrução das verdades totalizantes. O século passado viu o
fim da religião como todo-poderosa, bem como os sonhos de profundas
transformações sociais, gerando uma nova sociedade. Há ainda um processo de
luto pela perda das ilusões de um homem novo. A humanidade parece abatida
diante de seus fracassos. Talvez haja descrença na realidade desse mundo que
mudou de rosto. Há um desconcerto dos pensadores diante de um futuro em
constante mutação. Daí o aumento do vazio, como se fosse tudo um pouco
estranho. Há grandes transformações e conquistas na genética, na biotecnologia
e nanotecnologia. São constantes as inovações nas ciências e nas técnicas de
toda ordem. E, diante de tudo, boa parte da população se mantém desconcertada e
meio anestesiada.
Esse
é o século de incredulidade diante da desintegração da política, da economia
desgovernada, numa velocidade alucinante. Estamos globalizados e fragmentados,
à procura de um norte inexistente. É no meio dessa falta de rumos que as
depressões crescem. Aliás, o deprimido é um guardião de seu próprio cemitério,
“guarda aí sua ilusão perdida”, escreveu Pontalis. Tempos de ilusões perdidas,
de perda de rumo diante da falta de caminhos para uns e de caminhos
desconhecidos para outros. Nessa situação, é indispensável a poesia que propõe:
criar é não se adaptar à vida como ela é. Importante é gerar uma rebelião que
desafie o destino. É desse entusiasmo criativo que devemos nos alimentar para
enfrentar o tédio.
Entretanto,
impressionam os caminhos destrutivos, que vêm assolando mais os jovens. Estes
sentem a dificuldade de encontrar espaços num mundo cada vez mais competitivo.
A juventude vive a angustiante luta de inserção na economia. Muitos terminam
dispondo só de seu corpo e de sua força física. Mesmo assim, há os que
encontram seus rumos, ao se sentirem amparados em suas famílias. Indispensáveis
também são os professores de raro talento, os humoristas que aliviam, e a arte.
Essencial é a arte das parcerias, a contrapartida da exaltação do egoísmo.
Logo, busquem-se caminhos para se reconciliar com a fragilidade da condição
humana. Viver não só atrás dos objetos e das certezas, mas aprender a poesia
das incertezas. Perceber, por exemplo, o entusiasmo com que a natureza se
renova. E, assim, sonhar com novas forças para enfrentar o desafio do vazio.
*PSICANALISTA
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