"Em termos de capacidade inovadora, de competitividade, de agressividade comercial, de conhecimento dos mercados mais promissores – fatores decisivos no mundo de hoje -, convenhamos, não passamos de jecas-tatus, descalços e com bicho-de-pé. Precisamos aprender a calçar botinas para começar a andar."
O velho PT, dos tempos das grandes lutas, metia o pau no capitalismo “selvagem” – e o capitalismo era só selvagem na visão petista. A presidente que o PT ajudou a eleger enseja criar um novo tipo de capitalismo: o “capitalismo de exortação”.
O método é o do vamo-qui-vamo: consiste em reunir o maior número de capitalistas do maior número possível de atividades e exortá-los a investir.
Capitalistas de verdade nunca precisaram de exortação de políticos para investir. Para o impulso inicial, basta-lhes o vislumbre de bons lucros e o senso de oportunidade. Claro que o sucesso da empreitada exige outras qualidades: empenho, disciplina, capacidade de planejamento, tirocínio administrativo – para mencionar apenas algumas. Só com impulso inicial, a mais brilhante centelha de empreendedorismo bruxuleia e se extingue. Fato constatado, aliás, nas estatísticas do número de novas empresas que morrem no primeiro ano de vida.
No Brasil, espírito empreendedor é o que não falta. O mundo do show business é um criadouro permanente de jovens empresários. O mundo da moda é outro. O dos esportes, um terceiro. Nem é preciso mencionar o do fast food, restaurantes em geral, comércio de secos e molhados, onde o comendador Valentim Diniz, por exemplo, começou modestamente e sua segunda geração dirige um empreendimento que está no cume de uma pirâmide onde fervilham centenas de fornecedores e milhares de funcionários.
Há brasileiros moços ganhando mais dinheiro em seus negócios do que foram capazes seus pais, avós e tataravós, somados. E toda semana ou todo mês as revistas especializadas trazem novas histórias de florescentes novos empreendimentos dirigidos por brasileiros e brasileiras muito jovens.
De modo que nós não precisamos “defender o mercado interno sem protecionismo”, como teria dito a presidente no encontro de exortação ao grande capital, segundo manchete do jornal “Brasil Econômico” (este também um jovem empreendimento na nossa área jornalística). O mercado interno vai muito bem, sim senhora – basta ver as vendas do comércio em janeiro: 2,5% acima das de dezembro!
Mas, o mood empreendedor moderno, agressivo e bem-sucedido, de que estamos falando não impregna o espírito de muitos dos representantes do grande capital reunidos naquela mesa de Brasília para ouvir as exortações da presidente e do seu ministro da Fazenda. O que se via ali era um conclave ao velho estilo capitalista brasileiro: uma reunião de sócios atuais e ex-sócios do capitalismo burocrático de Estado, que é o capitalismo que prevalece até hoje entre nós. Ele foi posto em marcha há 60 anos sob a bandeira do BNDES, das benesses fiscais, do protecionismo aos amigos do governo, das vendas aos governos amigos, das licita-ações entre compadres. Em suma, estavam ali, perfilados, como dizia Claude Reims, no filme Casablanca, os suspeitos habituais.
Ou seja, as exortações verbais só se traduzirão em investimentos pelo método tradicional: o governo prepara o terreno, dá o dinheiro, faz a pesquisa de mercado, diz qual o negócio que terá retorno garantido e garante a compra dos produtos que o empresário não conseguir vender aqui e lá fora – então, ótimo, o capitalismo de exortação funcionará como sempre funcionou.
Esse tipo de capitalismo, monitorado e sem risco, teve sua valia num certo momento da vida nacional, quando o objetivo maior era simplesmente gerar mais empregos urbanos. Mas era para ser apenas o pontapé inicial. O caso é que ficou para sempre na sua marcha lenta, sem nada que desafiasse o conforto dos fat cats criados pelo governo. E sem que os governos quisessem sacudir a vida confortável que propiciou a eles, porque ela sustenta a gorda carga fiscal com que paga as demagogias.
Mas, agora, para se expandir, o capitalismo brasileiro tem de deixar de ser apenas criador de empregos, e precisa criar horizontes e espaço vital fora do Brasil. Somos, sim, a 6.ª economia do mundo, como fanfarreiam todos os que Nelson Rodrigues chamava de “idiotas da objetividade”. Mas só o somos por causa do tamanho da nossa economia (e da desvalorização do dólar)- não por causa do nosso dinamismo nem por causa do bem-estar da nossa população. No quesito dinamismo, a China, a Coreia, a Índia, a Rússia e outros menos cotados ganham de lavada.
Quanto ao quesito bem-estar da população, é melhor nem dizer nada.
O que é melhor que se diga em alto e bom som é que estamos muito atrasados. O capitalismo burocrático de Estado nos deixou na rabeira do desenvolvimento tecnológico e educacional. E sem isso não há como abrir fronteiras e horizontes no mercado mundial. Citem-se quaisquer produtos de ponta que fazem avançar as empresas e a economia no mundo de hoje: não são brasileiros, e só são nacionais sob licença de quem os criou lá fora. A indústria automotiva instalou-se aqui muito antes que em países que hoje nos vendem carros mais modernos que os nossos.
Em termos de capacidade inovadora, de competitividade, de agressividade comercial, de conhecimento dos mercados mais promissores – fatores decisivos no mundo de hoje -, convenhamos, não passamos de jecas-tatus, descalços e com bicho-de-pé. Precisamos aprender a calçar botinas para começar a andar.
Não bastam exortações.
Fonte: Por Marco Antonio Rocha (O Estado de S. Paulo, 26/03/2012)
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