segunda-feira, 26 de março de 2012

O Brasil ainda se comporta como se fosse um império


O extinto Ministério da Desburocratização, criado no governo João Figueiredo (1979-1985), deveria exterminar uma das maiores pragas estruturais do país. Mas o ministério foi exterminado antes. Durou sete anos, e seu último titular foi o ex-deputado e economista Paulo Lustosa, quando José Sarney era presidente. Entre 1985 e 1986, Lustosa inaugurou os juizados de pequenas causas, instituiu o Estatuto da Microempresa e idealizou o Código Nacional do Consumidor. Cearense de 67 anos, membro do Conselho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o ex-ministro atendeu ZH por telefone. Veja os principais trechos da entrevista:

Zero Hora – Por que o Brasil é tão burocratizado?

Paulo Lustosa –
 O Brasil sempre foi um Estado cartorial. O cidadão só tem direito se o Estado lhe conceder esse direito. Qual é o sentido do reconhecimento de firma? Ela expõe a cultura de que, até provarem o contrário, o cidadão é culpado. Nos EUA, não há reconhecimento de firma. Lá um cidadão é honesto até provarem o contrário.

ZH – O Ministério da Desburocratização tentou acabar com o reconhecimento de firma, não?

Lustosa –
 E acabou, por meio de um decreto. Isso foi na época do meu antecessor no ministério, Hélio Beltrão (ainda no governo Figueiredo). Mas não vingou. É muito comum o cidadão chegar a uma repartição, dizer “estou me valendo desta lei aqui” e o atendente responder que “esta lei não pegou”. Depois, alguém baixou outro decreto dizendo que, em alguns casos, o reconhecimento de firma era necessário. E logo virou obrigatório de novo.

ZH – É como se a sociedade não assimilasse um direito dela?

Lustosa –
 Exatamente isto. Mas é só uma parte do problema. A burocracia passa pelo cipoal de leis. Quando eu era ministro, existia um decreto estabelecendo o que era queijo ricota. Precisava ter superfície rugosa com furos circulares feitos mecanicamente de cinco milímetros, densidade pastosa, cor amarelada e cheiro característico.

ZH – Cite um exemplo, por favor.

Lustosa –
 Veja o que há de resoluções no Banco Central sobre títulos, mercado de capital, mercado financeiro, derivativos e bancos. Essa quantidade de leis faz a alegria dos advogados e entulha os tribunais. E ainda tem outro problema: somos um país muito centralizado no poder federal.

ZH – O senhor se refere a quê?

Lustosa –
 O Brasil precisa aceitar que é uma federação, porque ainda se comporta como se fosse um império. Os municípios, para atender seus habitantes, recebem uma parcela muito pequena do bolo tributário, que é centralizado na União. Se o poder municipal funcionasse no Brasil, as decisões ocorreriam perto do cidadão e, portanto, de forma mais rápida e legítima.

ZH – E por que o Brasil não muda?

Lustosa –
 Não há interesse do governo federal, porque ele tem o controle político da sociedade e do cidadão. Os parlamentares dependem do governo para garantir suas emendas. Os Estados e municípios também evitam a briga, porque dependem dos repasses da União. E lembrei de outro problema: a quantidade de órgãos. É a política do “ao ao”. O assunto é encaminhado ao secretário, depois ao diretor, ao chefe do departamento. E, de “ao” em “ao”, o cidadão vai sofrendo.

paulo.germano@zerohora.com.br
PAULO GERMANO


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