domingo, 4 de março de 2012

A dama de ouro

Hoje, com a Europa a arder por causa de uma moeda comum totalmente utópica e insustentável, o euroceticismo de Thatcher, que na verdade a liquidou politicamente em 1990, é mais uma prova da sua clarividência.

Por João Pereira Coutinho

Meryl Streep recebe o Oscar de melhor atriz por "A Dama de Ferro", batendo Michelle Williams em "Minha Semana com Marilyn". Nunca esperei ver isto: o dia em que Hollywood preferiria Margaret Thatcher a Marilyn Monroe.

Verdade que não havia alternativa: "A Dama de Ferro" é Meryl Streep do princípio ao fim. De tal forma que, a meio do show, já não sabemos se é Meryl Streep quem interpreta Margaret Thatcher ou se a própria Thatcher tomou conta da tela e mandou Streep para casa.

Mas a vitória não é apenas artística. Espero. Quero acreditar que é também o reconhecimento possível, embora tardio, de um dos nomes mais importantes do século 20. Comparável a Churchill na política mundial?

Sem dúvida. O velho Winston esteve certo, desde o início, sobre a ameaça nazista na Europa e a necessidade de a enfrentar e derrotar sem compromissos de qualquer espécie. Foi a sua batalha solitária durante toda a década de 1930, perante o silêncio (e o riso) da "intelligentsia" britânica.

Margaret Thatcher também conheceu esse silêncio - e esse riso. Não apenas por ser mulher num mundo de homens (também). Mas porque havia na elite política britânica duas ideias que era heresia contestar.

A primeira ideia lidava com a natureza alegadamente imperecível do regime comunista. Para que afrontar Moscovo, perguntavam os iluminados da época, quando a "cortina de ferro" que descera sobre a Europa estava para durar?

Thatcher nunca comprou essa versão: uma ditadura inumana, como a comunista, teria que ser derrotada por uma mistura de diplomacia agressiva e por uma corrida armamentista que a União Soviética não conseguiria, como de fato não conseguiu, suportar. Thatcher chegou ao poder em 1979. Em 1989, dez anos depois, caía o Muro de Berlim.

Mas Thatcher esteve igualmente certa ao confrontar uma segunda ideia que, desde 1945, era intocável para trabalhistas ou conservadores: a ideia generosa de que o Estado poderia crescer indefinidamente, substituindo (ou "complementando") as forças "incontroláveis" do mercado.

Thatcher nunca participou na fantasia: a estatização da economia britânica não conduzira apenas o país à triste estagnação em que ele se encontrava na década de 1970. Seguindo o raciocínio do economista austríaco Friedrich Hayek, uma das suas referências intelectuais, o crescimento incontrolado do Estado era uma ameaça à própria liberdade individual. Thatcher empenhou-se, como nenhum outro político britânico depois da Segunda Guerra, em reverter esse crescimento.

A juntar a tudo isso, convém recordar a desconfiança de Thatcher face ao projeto federalista europeu. Não que a premiê fosse hostil a uma comunidade econômica de nações livres. Desde que essa comunidade não fosse uma ameaça para a soberania - política, econômica, monetária - dos seus membros.

Hoje, com a Europa a arder por causa de uma moeda comum totalmente utópica e insustentável, o euroceticismo de Thatcher, que na verdade a liquidou politicamente em 1990, é mais uma prova da sua clarividência.

Regresso ao início: Margaret Thatcher venceu Marilyn Monroe? Depende da perspectiva. François Mitterand, antigo presidente francês, deixou para a posteridade a melhor caracterização de Maggie: "Ela tem os olhos de Calígula e os lábios de Marilyn Monroe".

Pensando melhor, Marilyn também teve uma vitória na noite de ontem em Hollywood.
Wanda Visión/Efe

Meryl Streep, vencedora do Oscar de melhor atriz, interpreta Margaret Thatcher em "A Dama de Ferro"

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