As lições da crise européia são extremamente úteis para os brasileiros, que defendem um modelo similar de “estado-babá”, com um governo atuando feito uma espécie de deus, um “messias salvador” para curar todos os nossos males.
Rodrigo Constantino, Revista Voto
O clima de crise se instalou nos mercados mundiais novamente. Desta vez não se trata do mega endividamento do setor privado nos Estados Unidos, mas dos governos europeus com dívidas e déficits insustentáveis. Décadas de irresponsabilidade fiscal criaram uma verdadeira bolha de crédito no setor público da Comunidade Européia. Alguns governos apresentam endividamento superior ao PIB e crescente, enquanto a carga tributária já se encontra em patamares escandalosos. Com uma moeda comum, controlada pelo Banco Central Europeu, restam poupas alternativas para tais governos. O dia do julgamento chegou.
Os alemães, que foram mais responsáveis e fizeram parte do dever de casa, são chamados para pagar a conta dos excessos dos gregos, portugueses, espanhóis e italianos. A ilusão foi boa enquanto durou. Aposentadorias precoces e bem remuneradas, proteção contra a competição nos empregos, garantias estatais extremamente benevolentes para os desempregados, sistema de saúde ilimitado, enfim, o sonho do estado de bem-estar social, com uma vida “digna” para todos, tudo isso bancado pelo governo. Mas a fatura chegou, com juros e correção monetária. Descobre-se novamente na Europa que não se brinca com as leis econômicas impunemente.
As lições da crise européia são extremamente úteis para os brasileiros, que defendem um modelo similar de “estado-babá”, com um governo atuando feito uma espécie de deus, um “messias salvador” para curar todos os nossos males. Muitos brasileiros ainda enxergam o governo como o “pai do povo”, que vai distribuir privilégios e “direitos”, ofertar crédito abundante por meio dos bancos públicos, estimular a economia e criar empregos. Como financiar isso tudo raramente é levado em conta. Os estímulos perversos oriundos da concentração de poder e recursos no governo tampouco são considerados. A crença no governo como solução para os problemas do país se aproxima do fanatismo religioso muitas vezes, deixando espaço praticamente nulo para reflexões racionais.
Partindo desta mentalidade, o governo brasileiro, especialmente o federal, vem avançando cada vez mais sobre as liberdades individuais e nossos bolsos. Em nome da “justiça social” o governo concentra cada vez mais poder, oferecendo em troca privilégios para grupos organizados e péssimos serviços para o restante da população. O Brasil tem um agravante em comparação ao caso europeu: o governo resolveu ser uma máquina de “direitos” antes de a sociedade enriquecer. O bolo ficou sem fermento, reduzido, e ainda assim o governo se apropria cada vez mais de novas fatias, sobrando migalhas para o povo. As barreiras criadas pelo governo – impostos elevados, encargos trabalhistas proibitivos, burocracia asfixiante, judiciário moroso, péssima educação e falta de segurança – impedem o crescimento sustentável da economia.
Quando o cenário externo favorece e o crédito é estimulado, a economia decola, mas costuma ser apenas um vôo de galinha. Os gargalos de sempre logo aparecem para acabar com a festa. Economistas já falam em crescimento de 7% para o PIB este ano, mas os problemas começam a surgir no horizonte. Com baixa poupança, há investimento insuficiente para maiores ganhos de produtividade. Falta mão-de-obra qualificada. A inflação demonstra sinais preocupantes, forçando a elevação da taxa de juros. A demografia começa a expor a bomba-relógio do sistema previdenciário. O ciclo acaba sendo uma vez mais insustentável.
O governo fez o papel de locomotiva da economia, por meio de gastos públicos explosivos e fartura de crédito estatal, mas o trem já dá sinais de descarrilamento. O governo Lula preparou uma verdadeira “herança maldita” para o próximo presidente. A dívida bruta do governo já chega perto de 70% do PIB, a inflação projetada no ano já vai para quase 6%, e a taxa de juros deve subir para perto de 12%. A era da prosperidade ilusória vai chegando ao fim. O governo plantou as sementes da próxima crise, caso a tendência fique inalterada.
Medidas de maior austeridade fiscal são necessárias, assim como reformas estruturais, como a tributária, previdenciária e trabalhista. O país precisa de bem menos governo, e de muito mais mercado livre. O problema é que os dois principais candidatos à presidência pregam caminhos contrários a isto. É verdade que José Serra, do PSDB, apresenta mais chances de enfrentar os necessários cortes nos gastos públicos, enquanto Dilma Rousseff, do PT, fala abertamente num estado forte e indutor. O segundo mandato de Lula foi terrível do ponto de vista fiscal: novas estatais foram criadas, a Telebrás foi ressuscitada, houve um total inchaço da máquina estatal, foram distribuídas bolsas para todo mundo, o BNDES recebeu aporte de bilhões do Tesouro para repassar a grandes empresas com taxas subsidiadas, etc. A mentalidade por trás do PT e dos sindicatos que o apóiam assusta qualquer um que prega a responsabilidade fiscal e um governo com poderes limitados. Mas mesmo Serra parece longe do perfil necessário para colocar o país no rumo certo, evitando as armadilhas da Europa.
O Brasil comemora sua situação relativamente confortável frente ao mundo hoje, com os países ricos em frangalhos. Mas é mais prudente não celebrar tanto antes da hora. Existem muitos pilares de areia sustentando nosso crescimento atual. Não devemos virar reféns da visão míope que ignora o longo prazo. O governo dança no vulcão, ignorando os sinais de erupção já visíveis. Está mais que na hora de ajustes importantes, reformas necessárias para reduzir o tamanho e o escopo do governo na economia. Ainda é possível evitar a tragédia grega. Qual partido vai abraçar esta bandeira?
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