sexta-feira, 23 de novembro de 2012

RESTAURE-SE A MORALIDADE


Editorial Zero Hora

Ganhar 14º salário já seria uma felicidade para milhões de trabalhadores brasileiros. Com o 15º, então, seria o paraíso. Mas poderia ter algo ainda melhor: receber os dois salários extras e não pagar Imposto de Renda sobre eles. Parece mentira? Mas não é, ao menos para os senadores brasileiros, que na última terça-feira aprovaram um projeto que os livra de recolher o tributo sobre salários adicionais recebidos entre 2007 e 2011. E não é pouca coisa: cada salário extra equivale hoje a R$ 26,7 mil, o teto do funcionalismo público. De qualquer maneira, não é o valor que causa perplexidade: é o abuso. Deputados e senadores continuam se beneficiando de uma vantagem criada na década de 1940 para cobrir despesas dos congressistas que ficavam na capital federal – então o Rio de Janeiro – e retornavam aos seus Estados no final de cada ano legislativo.

A Receita Federal vem tentando cobrar o imposto devido desde agosto e alguns senadores até já manifestaram disposição de pagar, especialmente os novos, sobre os quais recai parcela menor da tributação. Outros, porém, alegam que não têm recursos para saldar a dívida. A presidência do Senado admitiu o não recolhimento e chegou a sugerir que cada senador arcasse com a sua dívida, mas os parlamentares se mobilizaram e conseguiram transferir a conta para os contribuintes. De acordo com o projeto aprovado na última terça, numa votação que durou um minuto e durante a qual nenhum senador se manifestou, o próprio Senado custeará o imposto devido pelos parlamentares – cerca de R$ 64 mil por senador, excluídos juros, multa e correção monetária. E despesa do Senado, como se sabe, é paga com o dinheiro dos contribuintes.

Tudo é absurdo neste festival de privilégios. Em maio, o Senado esteve perto de acabar com o pagamento do 14º e do 15º salários, quando aprovou uma proposta da ministra Gleisi Hoffmann, senadora licenciada, para substituir o pagamento feito no início e no fim de cada ano por outro que se desse apenas no início e no fim de cada legislatura, ou seja, de quatro em quatro anos. Mas o decreto legislativo parou na Câmara. Estava previsto para ser votado na sessão da última terça, mas faltou o quórum mínimo de 17 deputados. Ou seja: quando se trata de autobenefício, vota-se em um minuto; quando se trata de renunciar a uma mordomia, ninguém se apresenta para votar.

A Advocacia-Geral do Senado pode – e deve, sem dúvida alguma – recorrer à Justiça para reaver esse dinheiro que está sendo subtraído dos cidadãos. E todos nós temos que continuar pressionando nossos representantes no parlamento para que revoguem logo esta regalia inaceitável, que os diferencia dos demais brasileiros. Mesmo que tenhamos de ressuscitar o célebre e sarcástico apelo do Barão de Itararé: “Restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos”.

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