Editorial Zero Hora
Ganhar 14º salário já seria uma felicidade para milhões de
trabalhadores brasileiros. Com o 15º, então, seria o paraíso. Mas poderia ter
algo ainda melhor: receber os dois salários extras e não pagar Imposto de Renda
sobre eles. Parece mentira? Mas não é, ao menos para os senadores brasileiros,
que na última terça-feira aprovaram um projeto que os livra de recolher o
tributo sobre salários adicionais recebidos entre 2007 e 2011. E não é pouca
coisa: cada salário extra equivale hoje a R$ 26,7 mil, o teto do funcionalismo
público. De qualquer maneira, não é o valor que causa perplexidade: é o abuso.
Deputados e senadores continuam se beneficiando de uma vantagem criada na
década de 1940 para cobrir despesas dos congressistas que ficavam na capital
federal – então o Rio de Janeiro – e retornavam aos seus Estados no final de
cada ano legislativo.
A Receita Federal vem tentando cobrar o imposto devido desde
agosto e alguns senadores até já manifestaram disposição de pagar,
especialmente os novos, sobre os quais recai parcela menor da tributação.
Outros, porém, alegam que não têm recursos para saldar a dívida. A presidência
do Senado admitiu o não recolhimento e chegou a sugerir que cada senador
arcasse com a sua dívida, mas os parlamentares se mobilizaram e conseguiram
transferir a conta para os contribuintes. De acordo com o projeto aprovado na
última terça, numa votação que durou um minuto e durante a qual nenhum senador
se manifestou, o próprio Senado custeará o imposto devido pelos parlamentares –
cerca de R$ 64 mil por senador, excluídos juros, multa e correção monetária. E
despesa do Senado, como se sabe, é paga com o dinheiro dos contribuintes.
Tudo é absurdo neste festival de privilégios. Em maio, o Senado
esteve perto de acabar com o pagamento do 14º e do 15º salários, quando aprovou
uma proposta da ministra Gleisi Hoffmann, senadora licenciada, para substituir
o pagamento feito no início e no fim de cada ano por outro que se desse apenas
no início e no fim de cada legislatura, ou seja, de quatro em quatro anos. Mas
o decreto legislativo parou na Câmara. Estava previsto para ser votado na sessão
da última terça, mas faltou o quórum mínimo de 17 deputados. Ou seja: quando se
trata de autobenefício, vota-se em um minuto; quando se trata de renunciar a
uma mordomia, ninguém se apresenta para votar.
A Advocacia-Geral do Senado pode – e deve, sem dúvida alguma –
recorrer à Justiça para reaver esse dinheiro que está sendo subtraído dos
cidadãos. E todos nós temos que continuar pressionando nossos representantes no
parlamento para que revoguem logo esta regalia inaceitável, que os diferencia
dos demais brasileiros. Mesmo que tenhamos de ressuscitar o célebre e
sarcástico apelo do Barão de Itararé: “Restaure-se a moralidade ou nos
locupletemos todos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário