A imprensa é um termômetro: mostra a febre, mas não a cria, nem a cura. Xingá-la, no entanto, tornou-se parte de um curioso processo de catarse, que só convence a quem dele carece.
Por Senadora Katia Abreu (Folha de SP)
Nada conspira mais contra a democracia que a
relativização de seus valores -entre eles (e sobretudo), a liberdade de
imprensa. A tentativa de submeter os veículos de comunicação a um “controle
social” é uma forma oblíqua de censura, com o indisfarçável propósito de
mantê-la subjugada politicamente.
No Brasil, esse controle é ainda uma proposta
obsessiva de parte expressiva do PT. Na Argentina, na Venezuela e no Equador,
países que se consideram democráticos, é uma trágica realidade.
A uniformidade dos discursos preocupa,
sobretudo quando se sabe que obedece a uma articulação continental entre grupos
políticos hegemônicos que postulam um mesmo projeto: uma América do Sul
socialista.
Os resultados têm sido nefastos para a
imprensa e para a democracia. Em face disso, no fim do mês passado, empresários
de rádio e televisão de diversos países sul-americanos, reunidos na 42ª
Assembleia-Geral da Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), em
Montevidéu, aprovaram o envio de missão especial à Argentina, no dia 7 do mês
que vem, para acompanhar a entrada em vigor, naquele país, da nova Lei de Meios.
Essa lei, com pequenas variantes, já havia
sido tentada aqui, quando da edição do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos,
há quatro anos, felizmente repelida pela presidente Dilma Rousseff ainda quando
candidata.
Todas as tentativas de enquadramento da
imprensa, ao longo da história -e não foram poucas-, resultaram numa mesma
constatação: não é possível fazê-lo sem ferir o princípio básico da democracia,
que é a liberdade de informação e expressão.
O único controle democrático sobre a mídia é o
que está na lei, mais especificamente no Código Penal. Os crimes decorrentes de
seu uso indevido são três: injúria, calúnia e difamação, já devidamente
capitulados, e geram reparações que, no limite, podem levar o infrator a sair
do mercado.
Liberdade, como é óbvio, não exclui
responsabilidade penal para quem dela abusa. Mesmo assim, os que reclamam da
imprensa o fazem como se não estivesse submetida a limites legais, o que
tornaria indispensável providenciá-los. É esse, em síntese, o teor sofístico
das sucessivas conferências de imprensa do PT.
A imprensa é um termômetro: mostra a febre,
mas não a cria, nem a cura. Xingá-la, no entanto, tornou-se parte de um curioso
processo de catarse, que só convence a quem dele carece.
O ex-presidente Lula mantém relações
esquizofrênicas com o tema. Já reconheceu diversas vezes que deve sua projeção
política à imprensa, que, ainda ao tempo do regime militar, o acolheu com
entusiasmo, como liderança popular emergente, arrostando riscos.
Mas diz que os jornais lhe dão azia, que o
combatem injustamente e coisas afins, esquecido de que essas críticas convivem
lado a lado, e em franca desvantagem numérica, com os que o louvam. Não há
uníssono na imprensa.
A propósito, é improvável que haja um segmento
da sociedade brasileira tratado com mais severidade -e frequentemente com
injustiça- que o dos produtores rurais, em regra apresentados como vilões e
retrógrados.
Não obstante, não se registra uma única
declaração de suas instituições reclamando da imprensa ou pedindo restrição ao
seu livre exercício. Nossa opção é democrática: o debate, o exercício do
contraditório.
Hoje, com a internet, não há notícia que
escape de divulgação. Se houver alguma informação alvo de sabotagem
generalizada na mídia convencional -algo altamente improvável-, acabará vazando
pela internet e chegando ao público.
Outra lenda: o monopólio das TVs, ponto
central e recorrente dos questionamentos.
Há, no Brasil, em pleno funcionamento, nada
menos que cinco redes nacionais privadas (Globo, Record, SBT, Bandeirantes e
Rede TV!), além de emissoras educativas estatais e redes regionais, sem contar
as TVs por assinatura.
Não há monopólio. Há liderança, que só pode
ser quebrada mediante opção do telespectador.
Qualquer outra medida implica censura. Uma
coisa é certa: nenhum dano decorrente da liberdade de imprensa é maior que os
que ela ajuda a evitar.
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