"Para eles (PT), negro bom é negro que sirva à causa; gay bom é gay que sirva à causa; pobre bom é pobre que sirva à causa… Ou o negro tem alma branca, o gay é uma bicha reacionária, e o pobre é um sem-consciência política…"
Por Reinaldo Azevedo
Ah, eu adoro uma
boa briga. Quando a canalha se excita, eu fico ainda mais animado. Vamos lá.
O deputado João
Paulo Cunha (PT-SP) organizou uma “plenária” para debater o julgamento do
mensalão e esconjurar o Supremo Tribunal Federal. Uma das estrelas do evento
foi José Dirceu, aquele que disse querer que se faça nas ruas “o julgamento do
julgamento”, remetendo-nos, é inescapável, à China da Revolução Cultural, que
julgava os juízes traidores, pondo-os de joelhos e submetendo-os a agressões e
cusparadas — antes da execução, claro!, em nome do povo! No evento,
referindo-se a Joaquim Barbosa, relator do processo e agora presidente do STF,
afirmou João Paulo: “[Barbosa] Chegou [ao Supremo]
porque era compromisso nosso, do PT e do Lula, de reparar um pedaço da
injustiça histórica com os negros”.
O sentido das
palavras do deputado é evidente. É também a gramática, não apenas o Reinaldo
Azevedo, a qualificar moralmente o que ele disse.
João Paulo
estabelece uma relação de subordinação causal — e, por isso, emprega a conjunção causal “porque” — entre a chegada de Barbosa ao Supremo
e o “compromisso do PT”. Na sua fala, o tal compromisso do partido é a causa da
ascensão de um negro — não outra qualquer, que guardasse relação com o caso em
espécie: a competência do indicado, sua formação intelectual, sua independência
etc. Alguns tenderiam a ver aí uma oração coordenada explicativa, coisa de que
discordo (não vou me ater a isso agora). Uma coisa ou outra, no entanto,
revelam a mesma baixeza política. Veja-se no “compromisso de Lula” a causa da
ascensão do ministro ou se busque explicá-la por meio dele, e se estará
operando a mesma vigarice: SUBTRAIR
DO MINISTRO A SUA VONTADE, A SUA LIBERDADE E A SUA INDEPENDÊNCIA; FAZER DELE UM
MERO ESBIRRO DE UMA CAUSA E DE UM PARTIDO. Posso ter
restrições, e tenho, a certos rompantes de Barbosa, mas uma coisa é certa: ele
frustrou a expectativa daqueles que o queriam, nas suas próprias palavras, um
“negro servil, subserviente”.
Escrevi ontem um post sobre
a fala de João Paulo que se espalhou rapidamente na rede, tornando-se um dos
mais acessados e replicados dos últimos tempos. O título é este: “O PT rasga a fantasia: ‘Negro filho da mãe! Negro traidor! Negro que
não carrega bandeira! Negro vira-casaca! Negro ingrato! Negro negro!’”. Basta
ler o texto para constatar que não atribuí tais palavras, na sua literalidade,
ao PT ou a João Paulo. O post é escancaradamente interpretativo-opinativo, a
exemplo da esmagadora maioria das coisas que escrevo. É o que os leitores vêm
buscar aqui — e são muitos milhares (quase 106 mil visitas ontem, num sabadão,
com dezenas de coisas mais atraentes para fazer do que ler o Reinaldão, hehe…).
Os invejosos roam os cotovelos, ué!
Interpretei o
sentido das palavras do deputado à luz da política, da gramática, da história
e, como sabe todo jornalista que cobre a área, do que alguns petistas andam
dizendo no “breu das tocas” (né, Chico? Uma amiga me proibiu de chamá-lo de
Chico Jabuti. Tá bom… O que a gente não faz por amor!!!). O que vai acima são
palavras brandas no cotejo com o que realmente se fala. O ódio é muito maior.
E, por isso, reitero a minha recomendação para que Barbosa tome cuidado com as
esquinas e seus solertes fazedores de dossiês.
Releiam a fala de
João Paulo.
Então não há a
sugestão de uma traição?
Então não há a sugestão de uma ingratidão?
Então não há a sugestão de uma incoerência?
E tudo isso, na boca do próprio deputado, não está diretamente vinculado à cor da pele do ministro?
O meu título — extraído, literalmente, do texto — vai ao âmago do que está em debate e denuncia uma sordidez política.
Então não há a sugestão de uma ingratidão?
Então não há a sugestão de uma incoerência?
E tudo isso, na boca do próprio deputado, não está diretamente vinculado à cor da pele do ministro?
O meu título — extraído, literalmente, do texto — vai ao âmago do que está em debate e denuncia uma sordidez política.
A canalha
sustentada por estatais — até quando dura essa vergonha, presidente Dilma? —,
que é Reinaldo-dependente (os meliantes são viciados em mim; eu os ignoro, mas
eles me amam; querem audiência), resolveu ignorar o que ia no texto para me
atribuir o que obviamente não escrevi: “Vejam! O Reinaldo afirmou que o PT
disse essas coisas…”. Errado! Escrevo para pessoas que sabem ler!!! Escrevo
para pessoas dispostas, inclusive, a ler textos longos. O Reinaldo sustentou,
sim (E SUSTENTA DE NOVO!!!), que o que vai no título (e no artigo)
compõe o sentido político, ideológico e moral da fala de João Paulo — que
expressa, de resto, o pensamento de boa parte dos petistas. Para eles, negro
bom é negro que sirva à causa; gay bom é gay que sirva à causa; pobre bom é
pobre que sirva à causa… Ou o negro tem alma branca, o gay é uma bicha
reacionária, e o pobre é um sem-consciência política…
Os vigaristas só
ficaram tão nervosos e deram início a uma campanha de satanização do Reinaldo
Azevedo na rede porque sabem que eu os peguei no pulo. Sabem que a fala de João
Paulo tem um sentido, como direi?, insanável. Sabem que o deputado expropriou
Barbosa de todas as suas qualidades para transformá-lo em mero objeto da
generosidade de Lula. Sabem que o petista estava atrelando a “nomeação de um
negro” a atos posteriores de gratidão, o que colocaria o ministro, não há
escapatória, na vexatória posição de devedor do Apedeuta, cujas vontades
deveria, então, satisfazer.
Os canalhas
assalariados — com dinheiro público — resolveram correr em socorro a João
Paulo. Ora, por que eles não tentam, então, dar um sentido virtuoso à fala do
parlamentar petista? “Ele quis dizer que…” Pois é. O que, afinal de contas, ele
quis dizer, senão cobrar de um negro a gratidão, lastimando, por consequência,
a ingratidão? De fato, o próprio João Paulo não é um ariano. Segundo os
critérios lassos do racialismo, poderiam até dizê-lo um “negro”. E daí? Negros,
mesmo quando negros de fato, podem ser racistas. Assim como judeus — e tratei
disso na conversa com os leitores de Porto Alegre, com o que concordaram judeus
presentes — podem expressar conceitos antissemitas. O racismo não é
exclusivamente uma manifestação do “outro”, do “diferente”, não!
Cadê os
movimentos negros?
Sou contra “cotas” — raciais ou outras — nas universidades ou em qualquer lugar, como sabe toda gente. Já expus aqui os meus motivos. O resultado do Enem, aliás, evidenciou, mais uma vez, o desastre da escola pública — não que a média das particulares seja um exemplo a ser aplaudido, é bom deixar claro, mas a distância é imensa. O sistema de cotas, por óbvio, empurra o país para a acomodação. Em vez de se melhorar o ensino público, aplicam-se medidas compensatórias. Mas deixo isso para outra hora. O ponto é outro.
Sou contra “cotas” — raciais ou outras — nas universidades ou em qualquer lugar, como sabe toda gente. Já expus aqui os meus motivos. O resultado do Enem, aliás, evidenciou, mais uma vez, o desastre da escola pública — não que a média das particulares seja um exemplo a ser aplaudido, é bom deixar claro, mas a distância é imensa. O sistema de cotas, por óbvio, empurra o país para a acomodação. Em vez de se melhorar o ensino público, aplicam-se medidas compensatórias. Mas deixo isso para outra hora. O ponto é outro.
A minha oposição às
cotas tem me rendido, ao longo dos anos, protestos vários de militantes dos
movimentos negros. A militância política é o sal da democracia. Mas todo
partidário de uma causa tem de tomar cuidado com a cegueira que se pretende iluminada,
que lhe diz que o “outro” só pode ser contrário ao seu ponto de vista porque
movido por interesses subalternos ou por inarredável preconceito. As cotas não
seriam, assim, uma escolha, mas uma imposição da natureza, uma espécie de bem
imanente, não sujeito ao contraditório. Sempre que alguém me apresenta um
pacote assim, é batata: eu digo “não!” Recuso-me, como é evidente, a acreditar
que as minhas próprias escolhas estejam livres de contraditas. Mas sigo.
A minha opinião
sobre o assunto gera muitos protestos — sim, claro, até de “racista” já fui
chamado. Pergunto agora: não haverá um só movimento, uma só ONG, um só grupo de
combate ao racismo, uma só entidade de defesa dos direitos dos negros para
protestar contra a fala de João Paulo e contra a campanha desavergonhada que
setores do petismo movem contra o ministro Joaquim Barbosa? Existe até uma
“Associação dos Advogados e Advogadas Afrodescendentes”. Seus representantes
consideram aceitável que se diga que um negro, com as credenciais de Barbosa, só
chegou ao Supremo por causa da vontade de Lula e de um partido? Sim, senhores!
A minha primeira tentação sempre é discutir o termo “afrodescendente”. Eu, que
sou uma mistura de italiano com índio (e o índio, de verdade!, está bem
pertinho, podem acreditar: bisavô) sou o quê? Eurodescendente e
nativodescentente? Mas também isso fica pra lá. Só voltarei ao assunto quando
reivindicar a parte que me cabe do Mato Grosso, de onde saiu o silvícola, à
força… Quero alguns quilômetros de terra para cultuar Tupã, Jaci e Musil… O
presidente da OAB diria que eu sou a expressão do multiculturalismo, hehe. Mas
retomo.
Nenhum protesto?
Nada? Vão repetir o silêncio cúmplice e covarde que se ouviu quando o
jornalista Heraldo Pereira, um dos mais competentes e intelectualmente
preparados do país, entre brancos ou pretos, foi chamado por certa canalha de
“negro de alma branca”? Pior: atribuíram a sua ascensão profissional a seu
suposto servilismo — um dos ataques mais asquerosamente racistas a que assisti.
Quer dizer que o petismo e algumas moscas que voejam em torno, em busca de
alimento, têm garantido o direito à injúria racial e ao racismo porque, afinal,
estão situados no chamado “lado progressista” da sociedade? É só uma questão de
fidelidade ideológica a um partido, ou estamos diante de coisa ainda pior, já
que boa parte dos movimentos militantes — negros ou de quaisquer outras causas
— está umbilicalmente ligada ao PT e dele dependem para existir? A causa tem um
preço? A causa faz seleção político-partidária de seus alvos? A causa primeiro
avalia QUEM está falando para só depois se dar
conta DO QUEestá sendo falado?
Não! Não estou
tentando ensinar aos movimentos negros o seu ofício ou pautá-los. E me dispenso
de fazê-lo não porque sou branco (quando escrevo, não tenho cor; ela só é
relevante quando escolho o protetor solar) — se negro fosse, é provável que não
o fizesse também. Não tento ensinar nada a ninguém porque a minha função é
debater. Há muito tempo abandonei a sala de aula. Expresso o meu estranhamento
porque me recuso a aceitar que um ente de razão — partido ou movimento
ideológico — seja o senhor das vontades, o senhor das causas, o senhor das
demandas, o senhor dos debates.
Na minha pátria,
brancos, mestiços, negros, amarelos, vermelhos, héteros, gays, católicos, evangélicos,
ateus, corintianos, palmeirenses, adoradores de comida japonesa, detratores de
comida japonesa e até admiradores do Bolero de Ravel não se ajoelham diante de
partidos, de aiatolás de causas, de chefes de quarteirão do pensamento.
Para
encerrar
É bobagem achar que a gritaria da escória me intimida. No dia em que essa gente ao menos se financiar no mercado, não dependendo do dinheiro dos miseráveis para sustentar a pança e se comportar como mero esbirro de um partido, talvez eu lhes dê alguma atenção. Sempre precifico o lixo que fazem em residências do “Minha Casa Minha Vida”, em UPAs que Dilma não entrega, em creches que não são feitas, e só consigo vê-los como o que são: ladrões de dinheiro público. Não é por acaso que defendem com unhas, dentes e focinhos corruptores, quadrilheiros e peculadores. Enquanto não se financiarem por sua conta, são o que são: profissionais do nariz marrom. E não pensem que, caso haja alternância de poder, mudarão de profissão. Seu nariz continuará marrom, servindo, então, a novos senhores. Nem mesmo lhes posso dispensar certo respeito que dispenso à coerência estupidamente equivocada. De resto, esses caras, como se vê, não são de todo inúteis. Também eles me estimulam a escrever bons textos. Para que fique claro, ainda outra vez, quem são eles e quem somos nós.
É bobagem achar que a gritaria da escória me intimida. No dia em que essa gente ao menos se financiar no mercado, não dependendo do dinheiro dos miseráveis para sustentar a pança e se comportar como mero esbirro de um partido, talvez eu lhes dê alguma atenção. Sempre precifico o lixo que fazem em residências do “Minha Casa Minha Vida”, em UPAs que Dilma não entrega, em creches que não são feitas, e só consigo vê-los como o que são: ladrões de dinheiro público. Não é por acaso que defendem com unhas, dentes e focinhos corruptores, quadrilheiros e peculadores. Enquanto não se financiarem por sua conta, são o que são: profissionais do nariz marrom. E não pensem que, caso haja alternância de poder, mudarão de profissão. Seu nariz continuará marrom, servindo, então, a novos senhores. Nem mesmo lhes posso dispensar certo respeito que dispenso à coerência estupidamente equivocada. De resto, esses caras, como se vê, não são de todo inúteis. Também eles me estimulam a escrever bons textos. Para que fique claro, ainda outra vez, quem são eles e quem somos nós.
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