Intelectuais costumam reservar para si um lugar mais elevado que o de comerciantes na sociedade. É difícil terem generosidade para admitir que uma de suas causas mais nobres depende de negociantes mundanos. Por isso, o filósofo prefere ficar do lado da ideologia, e não do lado dos pobres, o que me faz acreditar que ele é movido por um ressentimento contra os ricos, talvez um desejo puritano de conter seus excessos. E não uma vontade genuína de reduzir a pobreza.
Por Leandro Narloch (Folha de SP)
Por que
intelectuais como Vladimir Safatle desprezam a receita mais eficaz, testada e
aprovada para a redução de pobreza? Falo do crescimento econômico. Qualquer
país que vive uma ou duas décadas de altas consecutivas do PIB vê massas
humanas deixarem a miséria.
China:
680 milhões de miseráveis a menos desde que as fábricas capitalistas
apareceram, há 35 anos. Indonésia: redução de pobreza de 54% para 16% em 18
anos. Coreia do Sul: tão pobre quanto a Índia em 1940, virou um dos países mais
ricos do mundo depois de crescer em média 8% ao ano entre 1960 e 1980.
Essa
receita deu tão certo que levou o mundo a superar, cinco anos antes do
previsto, a meta estabelecida pela ONU, em 2000, de cortar pela metade o número
de pessoas que viviam com menos de US$ 1,25 por dia. Quase tudo isso aconteceu
sem cotas sociais, sem Bolsa Família, sem alta de impostos. Só com geração de
riqueza.
É
uma excelente notícia, que deveríamos comemorar –mas por que Safatle não
participaria da festa conosco? No artigo "Demagogia"(29/4),
na Folha, ele reclama de quem prefere discutir o
crescimento econômico em vez de se concentrar no "caráter
insuportável" dos arcaísmos brasileiros (mas a expansão da economia é
melhor arma contra esses arcaísmos!). Noutro artigo,
diz que a atividade econômica só faz produzir desigualdade.
Dá
pra entender o desprezo. Admitir a importância da alta do PIB na redução da
pobreza implica em reconhecer verdades dolorosas. A primeira é que quem
atrapalha o crescimento da economia atrapalha os pobres. Afugentar investidores
resulta em menos negócios, menos vagas, menores salários.
Outra
é que os interesses das classes nem sempre divergem. PIB em alta faz bem para
pobres, remediados e magnatas. Os anos recentes do Brasil são um exemplo disso.
Entre 2007 e 2012, vivemos uma impressionante redução da miséria. Enquanto
isso, o número de milionários subiu de 120 mil para 165 mil. Não há motivo para
fomentar conflito entre motoboys e donos
de jatinhos.
Mas
o fato mais difícil de reconhecer é que os filósofos de palanque e os bons
mocinhos tiveram um papel irrelevante na redução da pobreza. Se crescimento da
economia ajuda os pobres, isso se deve a seus protagonistas, ou seja, os homens
de negócio, alguns deles ricos, quase todos interessados somente em botar
dinheiro no bolso.
Pior
ainda, Safatle teria que admitir que os negociantes aliviaram a condição dos
pobres fazendo justamente aquilo que mais incomoda os intelectuais ressentidos:
lucrar explorando mão de obra barata. Capitalistas costumam atrair
competidores, criando uma concorrência por empregados, elevando salários.
Intelectuais
costumam reservar para si um lugar mais elevado que o de comerciantes na
sociedade. É difícil terem generosidade para admitir que uma de suas causas
mais nobres depende de negociantes mundanos. Por isso, o filósofo prefere ficar
do lado da ideologia, e não do lado dos pobres, o que me faz acreditar que ele
é movido por um ressentimento contra os ricos, talvez um desejo puritano de conter
seus excessos. E não uma vontade genuína de reduzir a pobreza.
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