Uma tática preferencial é acusar o crítico de estar a serviço de interesses de malévolos terceiros: um partido adversário, "a mídia", "a burguesia", os EUA ou tudo isso junto. É que, por sua própria natureza, o Pensador Coletivo não crê na hipótese de existência da opinião individual. (..) "Direitista", "reacionário" e "racista" são as ofensas do manual, mas existem outras. Um expediente comum é adicionar ao impropério a acusação de que o crítico "dissemina o ódio".
Por DEMÉTRIO MAGNOLI (Folha de
S.Paulo, 2/11/2013)
Você sabe o que é MAV? Inventada no
4º Congresso do PT, em 2011, a sigla significa Militância em Ambientes
Virtuais. São núcleos de militantes treinados para operar na internet, em
publicações e redes sociais, segundo orientações partidárias. A ordem é fabricar
correntes volumosas de opinião articuladas em torno dos assuntos do momento. Um
centro político define pautas, escolhe alvos e escreve uma coleção de frases
básicas. Os militantes as difundem, com variações pequenas, multiplicando suas
vozes pela produção em massa de pseudônimos. No fim do arco-íris, um Pensador
Coletivo fala a mesma coisa em todos os lugares, fazendo-se passar por
multidões de indivíduos anônimos. Você pode não saber o que é MAV, mas ele
conversa com você todos os dias.
O Pensador Coletivo se preocupa
imensamente com a crítica ao governo. Os sistemas políticos pluralistas estão
sustentados pelo elogio da dissonância: a crítica é benéfica para o governo
porque descortina problemas que não seriam enxergados num regime monolítico. O
Pensador Coletivo não concorda com esse princípio democrático: seu imperativo é
rebater a crítica imediatamente, evitando que o vírus da dúvida se espalhe pelo
tecido social. Uma tática preferencial é acusar o crítico de estar a serviço de
interesses de malévolos terceiros: um partido adversário, "a mídia",
"a burguesia", os EUA ou tudo isso junto. É que, por sua própria
natureza, o Pensador Coletivo não crê na hipótese de existência da opinião
individual.
O Pensador Coletivo abomina
argumentos específicos. Seu centro político não tem tempo para refletir sobre
textos críticos e formular réplicas substanciais. Os militantes difusores não
têm a sofisticação intelectual indispensável para refrasear sentenças
complexas. Você está diante do Pensador Coletivo quando se depara com fórmulas
genéricas exibidas como refutações de argumentos específicos. O uso dos termos
"elitista", "preconceituoso" e "privatizante",
assim como suas variantes, é um forte indício de que seu interlocutor não é um
indivíduo, mas o Pensador Coletivo.
O Pensador Coletivo interpreta o
debate público como uma guerra. "A guerra de guerrilha na internet é a
informação e a contrainformação", explica o deputado André Vargas, um
chefe do MAV. No seu mundo ideal, os dissidentes seriam enxotados da praça pública.
Como, no mundo real, eles circulam por aí, a alternativa é pregar-lhes o rótulo
de "inimigos do povo". Você provavelmente conversa com o Pensador
Coletivo quando, no lugar de uma resposta argumentada, encontra qualificativos
desairosos dirigidos contra o autor de uma crítica cujo conteúdo é ignorado.
"Direitista", "reacionário" e "racista" são as
ofensas do manual, mas existem outras. Um expediente comum é adicionar ao
impropério a acusação de que o crítico "dissemina o ódio".
O Pensador Coletivo é uma máquina
política regida pela lógica da eficiência, não pela ética do intercâmbio de
ideias. Por isso, ele nunca se deixa intimidar pela exigência de consistência
argumentativa. Suzana Singer seguiu a cartilha do Pensador Coletivo ao rotular
o colunista Reinaldo Azevedo como um "rottweiler feroz" para, na
sequência, solicitar candidamente um "bom nível de conversa". Nesse
passo, trocou a função de ombudsman da Folha pela de Censora
de Opinião. Contudo, ela não pertence ao MAV. Os procedimentos do Pensador
Coletivo estão disponíveis nas latas de lixo de nossa vida pública:
mimetizá-los é, apenas, uma questão de gosto.
Existem similares ao MAV em outros
partidos? O conceito do Pensador Coletivo ajusta-se melhor às correntes
políticas que se acreditam possuidoras da chave da porta do Futuro. Mas, na era
da internet, e na hora de uma campanha eleitoral, o invento será copiado. Pense
nisso pelo lado bom: identificar robôs de opinião é um joguinho que tem a sua
graça.
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