Uma das formas mais seguras de se sentir aceito pelo grupo é desenvolver opiniões de rebanho. (..) As redes sociais e sua mesmice brega, espaço de repetição do irrelevante, são prova de nossa condição de rebanho como pilar da (in)segurança psicológica. (..) O sonho dessa moçada, que se afoga na irrelevância e no desespero do anonimato cotidiano (que assola todos nós), é ter opiniões sobre as coisas, mas acaba mesmo falando da pizza que comeu ontem ou xingando os inimigos de plantão.
Por Luiz Felipe Pondé (Folha de SP)
Um dos traços essenciais de nossa psicologia é que
queremos ser aceitos. Muitos filósofos, entre eles Adam Smith (1723-1790),
diziam que nossa imaginação é constantemente presa à inquietação de como somos
vistos pelos outros, fato este que é parte saudável da vida moral social, mas
que também facilmente degenera numa angústia de dependência afetiva destruidora
da autonomia.
Uma das formas mais seguras de se sentir aceito pelo grupo
é desenvolver opiniões de rebanho. No fundo, temos horror a sermos recusados
pelo bando, mas, hoje em dia, esse desejo de agradar é avassalador.
As redes sociais e sua mesmice brega, espaço de repetição
do irrelevante, são prova de nossa condição de rebanho como pilar da
(in)segurança psicológica.
As redes sociais criaram um novo perfil, o do crítico de
bolso em versão pós-moderninha. O sonho dessa moçada, que se afoga na
irrelevância e no desespero do anonimato cotidiano (que assola todos nós), é
ter opiniões sobre as coisas, mas acaba mesmo falando da pizza que comeu ontem
ou xingando os inimigos de plantão. O sonho de muitas dessas pessoas é
frequentar jantares inteligentes nos quais gente bacana emite opiniões bacanas.
A forma mais fácil de frequentar jantares inteligentes é
atacar a igreja, os EUA e a polícia. Mais sofisticado, mas que também garante
acesso aos jantares inteligentes das zonas oeste e sul de São Paulo, é dizer
que "o modelo social está ultrapassado". Esta frase leva algumas
pessoas ao orgasmo (risadas?).
"O modelo social está ultrapassado" é a típica
frase de quem quer se passar por crítico (mas, na realidade, é crítico de
bolso), porque é a sociedade de mercado (ou como dizia Adam Smith,
"commercial society"), a mesma que os comunistas chamam de
"capitalismo", que nos retirou da miséria que é o estado natural da
vida (e à qual voltamos rapidinho se o Brasil virar a Venezuela de Chávez e
Maduro).
Toda riqueza que sustenta esse povo de jantares
inteligentes, a começar pelo "bom vinho em conta", é fruto do mesmo
modelo que consideram ultrapassado.
Aqui e ali, faça uma caricatura de quem você não consegue
enfrentar porque lhe falta repertório conceitual. Diga que são racistas,
"sequicistas" e homófobos. Conte, fingindo segredo, que seu filho é
do círculo íntimo dos "maravilhosos" meninos do MPL e que sua filha é
(incrível!!) black bloc, mas nunca bateu em ninguém.
Assim você chegará à sobremesa (leve, pois em jantares
inteligentes ninguém quer engordar, porque sabe que os parceiros de jantares
inteligentes são pessoas muito críticas) com segurança, sem dizer nada que
ponha em risco sua cidadania de gente bacana.
Mas o que marca essa gente bacana é que na verdade nunca
fala, nem tem contato real, com as pessoas fora das escolas de R$ 3.000 que
paga para os seus filhos críticos desde os cinco anos de idade frequentarem, ou
do seu círculo profissional chique e/ou da praia chique onde tem sua casa de
praia típica de praias chiques.
O problema, quando você é um cidadão de jantares
inteligentes, é que você acaba mesmo alienado e acreditando nas suas próprias
críticas de bolso. Mas vamos ao que interessa. Vamos falar de um dos tópicos
que autorizam você a se achar bacana e a frequentar jantares inteligentes: a
polícia.
Outro dia, por acaso, conversei por cerca de três horas
com um policial militar aposentado do Estado de São Paulo. Muito instrutivo,
uma vez que sou egresso do mundo de gente bacana, que, portanto, nada sabe
acerca do mundo real.
Ele definia sua classe como aquela que vive com a
"mão no lixo" que essa gente bacana nunca vê de fato -a não ser
quando resolve fazer ensaios fotográficos sobre "injustiça social".
Reclama de como eles são invisíveis e de como a sociedade, na sua maioria, os
considera parte do lixo. Um sofrimento profundo, devido a essa invisibilidade,
marcava seu rosto de solitário. A polícia é um dos setores mais maltratados da
sociedade, apesar de essencial.
Essa gente bacana sai correndo do jantar inteligente para
o carro, com medo, sonhando com um baseado e uma bike em Amsterdã nas férias.
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