Às vezes, à noite, sou atormentado pelo que dizia Paulo Francis: os "frouxos venceram", não vamos poder pensar, dizer, criar, intuir mais nada que não esteja na cartilha dos autoritários. Sob o signo dos ofendidos, cala-se a alma, o humor e a inteligência
Por Luiz Felipe Pondé (Folha de SP)
"Vou me pintar de afrodescendente", gritou
irritado um amigo meu carcamano, um apelido carinhoso que espero nunca ser
considerado assédio cultural.
Às vezes, à noite, sou atormentado pelo que dizia Paulo
Francis: os "frouxos venceram", não vamos poder pensar, dizer, criar,
intuir mais nada que não esteja na cartilha dos autoritários. Sob o signo dos
ofendidos, cala-se a alma, o humor e a inteligência. Antes era em nome do
racismo nazista, do novo homem comunista, das heresias, agora é em nome dos
"ofendidos".
Este meu amigo, normalmente, é uma pessoa doce, mas às vezes
perde as estribeiras. Outro dia, acabou indo com a esposa e as duas filhas, num
domingão quente pra burro, ver a Bienal no Ibirapuera.
Parou o carro longe (claro, trânsito infernal, sem lugar
para parar o carro, e chamam isso de lazer...) e teve que fazer as três meninas
andarem até o pavilhão sob o Sol, obviamente o culpando por tudo.
A mulher sempre culpa o marido por tudo de forma tranquila e
sem pudores. Estas queixas vêm seguidas de beijos, sorrisos e sexo, quando
passa a irritação, que numa mulher passa na mesma velocidade da luz em que ela
cai no tédio.
Aprendeu uma dura lição: Ibirapuera domingo é para
iniciantes (a menos que chova, aí é legal...), pior quando tem Bienal porque aí
se junta o povo que quer ter saúde com o povo que quer fingir que gosta de
arte. O mundo está dividido em dois grupos: os que gostam de arte e os que gostariam
de gostar de arte.
O mesmo vale para jazz, blues e música erudita.
Outro dia ele foi fazer aquele negócio chamado
"controlar", mais uma taxa para pagarmos. Esta é "verde". O
burocrata técnico recusou seu carro por um detalhe qualquer. Daí, ele teve que
começar tudo de novo. A vida, passo a passo, se torna uma teia infernal de
controles.
O melhor é não ter carro, não dar emprego a ninguém, não
casar, não ter filhos, enfim, negar investimento a um mundo controlado pelos
"babacas do bem".
Mas não é disso que quero falar, mas sim da irritação do meu
amigo carcamano com o novo edital racista do Ministério da Cultura. Todo mundo
ouviu falar do edital para afrodescendentes (não ouso usar qualquer outra
expressão por medo de ter minha vida destruída pelos "amantes da
liberdade").
Enquanto esses tecnocratas ideológicos não conseguirem criar
de fato racismo à la Ku Klux Klan no Brasil, não sossegarão.
A indústria do assédio jurídico cresce e os amantes da
liberdade que tanto criticam a maldita ditadura e pedem uma Comissão da Verdade
só para um dos lados, gozam com as novas formas de autoritarismo que empesteiam
nossas vidas.
O apartheid do bem é a nova invenção do governo. Tanta gente
morreu na Segunda Guerra Mundial, tanta gente morreu na mãos dos comunistas, e o
fascismo venceu assim como um enxame de abelhas vence: começa devagar, você
achando que está lutando apenas contra uma, mas, zumbindo, elas invadem sua
casa e sua vida.
No mesmo processo, querem proibir Monteiro Lobato. Adianto
que não gosto da obra de Monteiro Lobato, nem ela me marcou na infância.
Preferia as aventuras de Abraão, Moisés e Deus. Mas meu gosto pouco importa.
Por que não fazem esses fascistas assistirem à famosa cena
em que nazistas queimavam livros na Alemanha de Hitler? O que esses tarados não
entendem é que os nazistas também achavam que tinham um bom motivo e que
aqueles livros degeneravam as novas gerações. Alguma semelhança?
E ainda, para piorar, quem paga essa farra fascista somos
nós. O governo e sua máquina imoral de arrecadação de impostos, este sócio
parasita de cada pessoa que trabalha no país, alimenta tecnocratas aos montes
deixando que inventem medidas discriminatórias dizendo que são do bem.
O argumento de que somos todos culpados pela escravidão é
falso. Não conheço, no meu círculo de pessoas, ninguém que tenha tido escravos
ou ganhado dinheiro com a escravidão ou coisa parecida.
Melhor seria este governo fascista criar uma educação
decente de uma vez por todas para acabar com a pobreza cultural do país em vez
de ressuscitar medidas racistas.
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