A outra ameaça é eleger sacerdotes que não creem nos poderes do Estado. Gritem comigo: eles são hereges! Eles são demônios! Eles são neoliberais! Querem privatizar a Entidade Nacional do Reino Estatal! Precisamos atirá-los nos calabouços das derrotas eleitorais, irmãos!
Leandro Narloch, Folha de SP
CARO IRMÃO, você que está
vivendo uma situação desesperadora, que se sente esgotado, estressado, sem
saída, eis aqui um convite. Junte-se a nós, dê uma chance ao poder divino da
política, venha descobrir que o Estado pode salvar a sua vida.
O jovem cheio de esperança, a
senhora solitária que veio até aqui nos conhecer, tenham certeza que há um
candidato olhando para vocês, um vereador proibindo alguma coisa na cidade, uma
presidente com poder e sabedoria guiando o país.
É verdade, irmãos, que os
últimos tempos não têm favorecido a crença no Estado. Há séculos pregamos que a
educação, a saúde e o transporte público vão funcionar, e o que vemos são
enfermeiras de postos de saúde injetando café com leite na veia de senhoras
idosas.
Apesar disso, irmãos, o Estado
nos pede que ignoremos esses problemas e perseveremos na fé -a fé de que um dia
algum político nos conduzirá a um reino de paz e justiça social.
Irmãos, a mensagem mais
importante a vocês é sobre dois graves riscos que nós corremos nas eleições
deste domingo. O primeiro deles é que religiões influenciem a disputa para a
chefia de nossos alvíssimos palácios. Isso é um absurdo, irmãos!
Religiões se baseiam em mundos
imaginários, irmãos! Em ideias obscuras! Nós, ao contrário, lidamos com o mundo
real! Com princípios científicos! Por exemplo, quando almejamos postos de saúde
com a mesma qualidade dos melhores hospitais particulares, ou bancos estatais
livres da influência de partidos: é a realidade, senhores! Nossos sonhos são
perfeitamente realistas, irmãos!
A outra ameaça é eleger
sacerdotes que não creem nos poderes do Estado. Gritem comigo: eles são
hereges! Eles são demônios! Eles são neoliberais! Querem privatizar a Entidade
Nacional do Reino Estatal! Precisamos atirá-los nos calabouços das derrotas eleitorais,
irmãos!
Calma, senhora, não precisa
jogar cheques e notas em nossos pés. Os sacerdotes fiscais já trataram de reter
parte de seu salário e embutir nos preços do mercado a taxa de manutenção de
nossas obras divinas. O valor está passando um pouco do dízimo -beira 40% de
sua renda- mas acredite, minha senhora: todo ele é destinado ao bom caminho, à
construção do paraíso escandinavo, ao poder infinito e sagrado do Estado.
Leandro Narloch jornalista e autor de "Guia Politicamente Incorreto da
História do Brasil" e
coautor de "Guia Politicamente Incorreto da América Latina".
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