terça-feira, 30 de outubro de 2012

A religião do momento

A outra ameaça é eleger sacerdotes que não creem nos poderes do Estado. Gritem comigo: eles são hereges! Eles são demônios! Eles são neoliberais! Querem privatizar a Entidade Nacional do Reino Estatal! Precisamos atirá-los nos calabouços das derrotas eleitorais, irmãos!


 Leandro Narloch, Folha de SP

CARO IRMÃO, você que está vivendo uma situação desesperadora, que se sente esgotado, estressado, sem saída, eis aqui um convite. Junte-se a nós, dê uma chance ao poder divino da política, venha descobrir que o Estado pode salvar a sua vida.

O jovem cheio de esperança, a senhora solitária que veio até aqui nos conhecer, tenham certeza que há um candidato olhando para vocês, um vereador proibindo alguma coisa na cidade, uma presidente com poder e sabedoria guiando o país.

É verdade, irmãos, que os últimos tempos não têm favorecido a crença no Estado. Há séculos pregamos que a educação, a saúde e o transporte público vão funcionar, e o que vemos são enfermeiras de postos de saúde injetando café com leite na veia de senhoras idosas.

Apesar disso, irmãos, o Estado nos pede que ignoremos esses problemas e perseveremos na fé -a fé de que um dia algum político nos conduzirá a um reino de paz e justiça social.

Irmãos, a mensagem mais importante a vocês é sobre dois graves riscos que nós corremos nas eleições deste domingo. O primeiro deles é que religiões influenciem a disputa para a chefia de nossos alvíssimos palácios. Isso é um absurdo, irmãos!

Religiões se baseiam em mundos imaginários, irmãos! Em ideias obscuras! Nós, ao contrário, lidamos com o mundo real! Com princípios científicos! Por exemplo, quando almejamos postos de saúde com a mesma qualidade dos melhores hospitais particulares, ou bancos estatais livres da influência de partidos: é a realidade, senhores! Nossos sonhos são perfeitamente realistas, irmãos!

A outra ameaça é eleger sacerdotes que não creem nos poderes do Estado. Gritem comigo: eles são hereges! Eles são demônios! Eles são neoliberais! Querem privatizar a Entidade Nacional do Reino Estatal! Precisamos atirá-los nos calabouços das derrotas eleitorais, irmãos!

Calma, senhora, não precisa jogar cheques e notas em nossos pés. Os sacerdotes fiscais já trataram de reter parte de seu salário e embutir nos preços do mercado a taxa de manutenção de nossas obras divinas. O valor está passando um pouco do dízimo -beira 40% de sua renda- mas acredite, minha senhora: todo ele é destinado ao bom caminho, à construção do paraíso escandinavo, ao poder infinito e sagrado do Estado.

Leandro Narloch jornalista e autor de "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil" e coautor de "Guia Politicamente Incorreto da América Latina".

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