O governo é ruim. O crescimento é pífio, a qualidade da gestão dos ministros é sofrível. Os programas "estruturantes" estão atrasados. O modelo econômico se esgotou. (..) Edita pacotes e mais pacotes a cada quinzena, sinal que não tem um consistente programa.
Por Marco Antonio Villa, Folha de SP
O sonho acabou. Sonho ingênuo, registre-se. Durante quase dois anos, a
oposição -quase toda ela- tentou transformar Dilma Rousseff em uma estadista,
como se vivêssemos em uma república. Ela seria mais "institucional"
que Lula. Desejava ter autonomia e se afastar do PT. E até poderia, no limite,
romper politicamente com seu criador.
Mas os fatos, sempre os fatos, atrapalharam a fantasia construída pela
oposição -e não por Dilma, a bem da verdade.
Nunca na história republicana um sucessor conversou tanto com seu
antecessor. E foram muito mais que conversas. A presidente não se encontrou com
Lula para simplesmente ouvir sugestões. Não, foi receber ordens, que a boa
educação chamou de conselhos.
Para dar um ar "republicano", a maioria das reuniões não
ocorreu em Brasília. Foi em São Paulo ou em São Bernardo do Campo que a
presidente recebeu as determinações do seu criador. Os últimos acontecimentos,
estreitamente vinculados à campanha municipal, reforçaram essa anomalia criada
pelo PT, a dupla presidência.
Dilma transformou seu governo em instrumento político-eleitoral. Cada
ato está relacionado diretamente à pequena política. Nos últimos meses, a
eleição municipal acabou pautado suas ações.
Demitiu ministro para ajeitar a eleição em São Paulo. Em rede nacional
de rádio e televisão, aproveitou o Dia da Independência para fazer propaganda
eleitoral e atacar a oposição. Um telespectador desavisado poderia achar que
estava assistindo um programa eleitoral da campanha de 2010. Mas não, quem
estava na TV era a presidente do Brasil.
É o velho problema: o PT não consegue separar Estado, governo e partido.
Tudo, absolutamente tudo, tem de seguir a lógica partidária. As instituições
não passam de mera correia de transmissão do partido.
Dilma chegou a responder em nota oficial a um simples artigo de jornal
que a elogiava, tecendo amenas considerações críticas ao seu antecessor. Como
uma criatura disciplinada, retrucou, defendendo e exaltando seu criador.
O governo é ruim. O crescimento é pífio, a qualidade da gestão dos
ministros é sofrível. Os programas "estruturantes" estão atrasados. O
modelo econômico se esgotou.
Edita pacotes e mais pacotes a cada quinzena, sinal que não tem um
consistente programa. E o que faz a presidente? Cercada de auxiliares
subservientes e incapazes, de Lobões, Idelis e Cardozos, grita. Como se os
gritos ocultassem os fracassos.
O Brasil que ainda cresce é aquele sem relação direta com as ações
governamentais. É graças a essa eficiência empresarial que não estamos em uma
situação ainda pior. Mas também isso tem limite.
O crescimento brasileiro do último trimestre, comparativamente com os
dos outros países dos Brics (Rússia, Índia e China) ou do Mist (México,
Indonésia, Coreia do Sul e Turquia), é decepcionante. E o governo não sabe o
que fazer.
Acredita que elevar ou baixar a taxa de juros ou suspender
momentaneamente alguns impostos tem algum significado duradouro. Sem
originalidade, muito menos ousadia, não consegue pensar no novo. Somente
manteve, com um ou outro aperfeiçoamento, o que foi organizado no final do
século passado.
E a oposição? Sussurra algumas críticas, quase pedindo desculpas.
Ela tem no escândalo do mensalão um excelente instrumento eleitoral para
desgastar o governo, mas pouco faz. Não quer fazer política. Optou por esperar
que algo sobrenatural aconteça, que o governo se desmanche sem ser combatido.
Ao renunciar à política, abdica do Brasil.
MARCO ANTONIO VILLA, 55, é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
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