sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

As alegrias da renúncia (David Coimbra)

A dita vontade de Deus serve como uma força de coerção à vontade humana. 

As pessoas precisam de alguém que lhes diga o que fazer. Natural, a vida é mesmo complexa, muitas vezes contraditória. Então, se você tiver convicção, se você falar com segurança, logo terá um rebanho fiel a segui-lo e a balir de admiração por você. Donde o sucesso das religiões e das ideologias. Por que matar, roubar e cobiçar a mulher do próximo é errado? Por que, se os instintos do homem mandam que ele elimine eventuais adversários e tome o que tem vontade de possuir, seja um objeto, seja uma fêmea? Por que, repito a pergunta, tudo isso é proibido? Porque Deus disse que é. Deus! Existe autoridade maior para estabelecer o que é certo ou errado? DEUS diz que não pode, ponto. Sem discussão.

Por isso, é importante que as pessoas creiam em Deus. Porque, crendo Nele, elas O obedecerão. E, obedecendo-O, não matarão, não roubarão, não cobiçarão a mulher do próximo, mesmo que queiram muito. A dita vontade de Deus serve como uma força de coerção à vontade humana.

O problema é que Deus perdeu grande parte da sua credibilidade, para o que contribuíram a cobrança das indulgências, a tortura científica da Inquisição, as Cruzadas, as Guerras de Religião, a exigência do dízimo e por aí vai. Por consequência, as ideologias ganharam terreno. As duas grandes revoluções, a Francesa e a Russa, tentaram acabar com Deus, só que elas não resistiram aos seus próprios dilemas. Em algum tempo, Napoleão estava coroando a si mesmo e a Josefina na Notre-Dame, e a Coca-Cola era bebida bem gelada na Praça Vermelha, em Moscou.

De todos esses percalços, Deus e as ideologias saíram vivos, mas combalidos. Verdade que o Senhor está em melhor estado. Recuou para as fronteiras do Islã e homiziou-se em algumas ilhas de fundamentalismo cristão que boiam pelo Ocidente. Já o comunismo, o que Mao diria do que fizeram com seu comunismo, se estivesse vivo? O que ele diria da frase mais célebre do seu companheiro Deng Xiaoping, “enriquecer é glorioso”? E Fidel? O que será que Fidel diz de si para si, quando está sozinho dentro de seu abrigo e atrás do seu charuto, lá na Ilha? Mas o que dizer também do neoliberalismo, do Mercado Comum Europeu, da Nova Roma norte-americana, agora que os filhos dos países capitalistas estão de pires na mão, esmolando nas ruas?

Não há mais em quem ou em que acreditar. Não há mais quem diga com convicção o que se deve fazer ou deixar de fazer. Mas as pessoas precisam de algumas certezas, uma que seja. O problema é que os novos credos são superficiais. Por mais que os animais sejam amados, como resolver questões existencialistas garantindo boa vida para cachorros, gatinhos e micos-leões-dourados? A saída é a multiplicação de pequenas campanhas de coerção de comportamento. Um dia bradam os radicais do ciclismo, noutro os inimigos de morte das sacolas plásticas, mais adiante os fundamentalistas combatentes do álcool e do fumo, volta e meia os inflexíveis vigilantes do peso alheio. É preciso lutar por renúncias. Pela coerção ao instinto. Só com a coerção ao instinto pode haver merecimento. Só a renúncia pode dar a sensação de que existe algum sentido em viver.

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