Para uma sociedade prosperar, a poupança e a acumulação de capital devem ser incentivadas; jamais devem ser punidas. Sociedades que permitem que as cigarras imponham sua filosofia às formigas jamais poderão ser ricas.
Por Jesús Huerta de Soto
Querer ajudar os pobres e necessitados é um sentimento nobre e correto, e está presente em sua forma mais pura principalmente nos jovens e adolescentes. Mas é necessário ter alguns cuidados para não se deixar ser manipulado. É necessário estudar a situação com grande rigor científico, caso contrário corre-se o risco de acabar punindo aquele a quem se quer ajudar.
Riqueza e pobreza
A diferença entre o Robinson Crusoé pobre e o
Robinson Crusoé rico é aparentemente simples, porém essencial: o rico dispõe de bens de capital. E para ter esses bens de
capital, ele teve de poupar e investir.
Bens de capital são fatores de produção — no mundo
atual, ferramentas, maquinários, computadores, equipamentos de construção,
tratores, escavadeiras, britadeiras, serras elétricas, edificações, fábricas,
meios de transporte e de comunicação, minas, fazendas agrícolas, armazéns,
escritórios etc. — que auxiliam os seres humanos em suas tarefas e, consequentemente,
tornam o trabalho humano mais produtivo.
Os bens de capital do Robinson Crusoé rico (por
exemplo, uma rede e uma vara de pescar, construídas com bens que ele demorou,
digamos, 5 dias para produzir) foram obtidos porque ele poupou (absteve-se do
consumo) e, por meio de seu trabalho, transformou os recursos que ele não havia
consumido em bens de capital. Estes bens de capital permitiram ao
Robinson Crusoé rico produzir bens de consumo (pescar peixes e colher frutas) e com isso seguir
vivendo cada vez melhor.
Já o Robinson Crusoé pobre, por sua vez, não dispõe
de bens de capital. Todo o seu trabalho é feito à mão.
Consequentemente, ele é menos produtivo e, por produzir menos e ter menos bens
à sua disposição, ele é mais pobre e seu padrão de vida é mais baixo.
O Robinson Crusoé rico é mais produtivo. E,
por ser mais produtivo, não apenas ele pode descansar mais, como também pode
poupar mais, o que irá lhe permitir acumular ainda mais bens de capital e
consequentemente aumentar ainda mais a sua produtividade no futuro. Já o
Robinson Crusoé pobre consome tudo o que produz. Ele não tem outra
opção. Como ele não é produtivo, ele não pode se dar ao luxo de descansar
e poupar. Essa ausência de poupança compromete suas chances de aumentar
seu padrão de vida no futuro.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado para se
diferenciar uma nação rica de uma nação pobre.
Que diferença há entre EUA e Índia? Será que
a população indiana é mais pobre porque trabalha menos? Não. Na
Índia, trabalha-se até mais do que nos EUA. Será que um indiano — ou um
egípcio ou um mexicano ou um haitiano — possui menos conhecimento tecnológico
que um americano ou um suíço? Não, o conhecimento está hoje disperso pelo
mundo e tende a ser o mesmo. Com efeito, os técnicos indianos são reconhecidos
como uns dos melhores do mundo. Então, por que há pessoas desnutridas e
morrendo de inanição em Calcutá mas não em Zurique ou em San Francisco?
A diferença entre uma nação rica e uma nação pobre
pode ser explicada exclusivamente por um único fator: a nação rica possui uma quantia muito
maior de bens de capital do que uma nação pobre.
Ao passo que na Índia um agricultor cultiva sua
terra com duas vacas e um arado, nos EUA, um agricultor utiliza um trator e um
computador. E, com esses bens de capital, ele é múltiplas vezes mais
produtivo que seu congênere indiano. O americano seria o Robinson Crusoé
rico, que possui uma rede e uma vara de pescar; o indiano seria o Robinson
Crusoé pobre, que utiliza as próprias mãos para colher alimentos.
Quando um indivíduo tem de utilizar apenas o
trabalho de suas mãos, e o produto que ele produz é utilizado imediatamente
para seu consumo final, ele é pobre. Quando este mesmo indivíduo passa a
utilizar bens de capital, como tratores, computadores e vários tipos de
máquinas — os quais só puderam ser construídos graças à poupança e ao
subsequente investimento de outras pessoas —, ele pode multiplicar
acentuadamente sua produtividade e, consequentemente, ser muito mais rico.
Quanto maior a estrutura de produção — isto é,
quanto maior o número de etapas intermediárias utilizadas para a produção de um
bem —, mais produtivo tende a ser o processo de produção. Por exemplo, se
o bem de consumo a ser produzido é o milho, você tem de preparar e cultivar a
terra. Você pode fazer tal tarefa com um arado ou com um trator. O
trator moderno é um bem de capital cuja produção exige um conjunto de etapas
muito mais numeroso, complexo e prolongado do que o número de etapas necessário
para a produção de um arado. Consequentemente, para arar a terra, um
trator moderno é muito mais produtivo do que um arado. Portanto, o
processo de produção do milho será mais produtivo caso você utilize um trator
(cuja produção demandou um processo de várias etapas) em vez de um arado (cujo
processo de produção é extremamente mais simples).
Isto explica por que um trabalhador nos EUA ganha
um salário muito maior do que um trabalhador na Índia executando a mesma
função. O primeiro possui à sua disposição bens de capital em maior
quantidade e de maior qualidade do que o segundo. Logo, o primeiro produz
muito mais do que o segundo em um mesmo período de tempo. Quem produz
mais pode ganhar salários maiores.
Essa é a característica que diferencia um país rico
de um país pobre.
Implicações lógicas
A única maneira de se favorecer as classes
trabalhadoras e os mais pobres, portanto, é dotando-lhes de bens de capital, os
quais são produzidos graças à poupança e ao investimento de capitalistas.
O que é um capitalista? Capitalista é todo
indivíduo que poupa (que consome menos do que poderia) e que, ao abrir mão de
seu consumo, permite que recursos escassos sejam utilizados para a criação de
bens de capital.
Consequentemente, se um determinado país pobre quer
enriquecer, ele deve criar um ambiente empreendedorial e institucional que
garanta a segurança da poupança e dos investimentos. A única maneira de
se sair da pobreza é fomentando a poupança, permitindo o livre investimento da
poupança em bens de capital, e estabelecendo um sistema de respeito à propriedade
privada que favoreça a criatividade empresarial e a livre iniciativa. Em
suma, deve-se permitir que os capitalistas tenham liberdade e segurança para
investir e desfrutar os frutos de seus investimentos (o lucro).
Um país que persegue os capitalistas, que tolhe a
livre iniciativa, que não assegura a propriedade privada, que tributa os lucros
gerados pelos investimentos, e que cria burocracias e regulamentações sobre
vários setores do mercado é um país condenado à pobreza. Já um país que
fomenta a poupança, que respeita a propriedade privada, e que permite a
liberdade empreendedorial e a acumulação de bens de capital é um país que sairá
da pobreza e em poucas gerações poderá chegar à vanguarda do desenvolvimento
econômico.
Cigarras e formigas
Vivemos em um mundo repleto de demagogia e de
políticos populistas. Estes são os principais inimigos da criação de
riqueza. Acrescente-se a isso um arranjo democrático, e o estrago tende a
ser irreversível.
Se um partido político prometer que, uma vez
eleito, os salários serão duplicados e as horas de trabalho serão reduzidas à
metade, suas chances de chegar ao poder tendem a aumentar. Caso ele de
fato seja eleito e decrete tais medidas, o país empobreceria de imediato.
Manipular salários ou mesmo imprimir dinheiro para manipular a taxa de juros
são medidas que absolutamente nada podem fazer para contornar o fato de que
vivemos em um mundo de escassez. E escassez significa que os recursos têm
antes de ser poupados para só então serem investidos para criar bens de
capital. Manipulação de salários e juros não pode abolir a
escassez. Não pode aumentar a quantidade de bens de capital e nem a
produtividade dos trabalhadores. A necessidade de se abster do consumo
(poupar) é um sacrifício que não pode ser encurtado por políticas
populistas. O enriquecimento não é algo que pode ser alcançado pela
demagogia.
Se este mesmo partido prometer apenas uma
"redistribuição de riqueza", tirando dos ricos para dar aos pobres,
os efeitos tendem a ser igualmente devastadores. Seria o triunfo da
filosofia da cigarra sobre a filosofia da formiga. É fácil entender como
se daria este efeito deletério.
Os proprietários dos bens de capital de uma
economia são os capitalistas. Se o partido que está no poder for seguidor
de uma ideologia socialista que defenda a expropriação dos capitalistas e a
subsequente entrega de seus bens de capital para os trabalhadores, o que
ocorrerá caso esta política seja implantada é que estes trabalhadores irão
apenas consumir este capital, pois tal consumo fará com que seu padrão de vida
aumente momentaneamente. A consequência? Tendo consumido o capital,
todas as etapas intermediárias dos processos produtivos serão extintas. A
estrutura de produção da economia será dramaticamente reduzida. A
produtividade despencará. Todos estarão condenados à pobreza.
A riqueza física dos ricos está justamente na forma
de sua propriedade de bens de capital — que foram criados por meio da poupança
e disponibilizados para o uso dos trabalhadores —, os quais possibilitam um
aumento da produtividade e consequentemente dos salários dos
trabalhadores. A redistribuição da propriedade destes bens de capital
levará apenas ao seu consumo imediato, impossibilitando-os de criar mais
riqueza no futuro.
A riqueza só pode ser criada por meio da poupança e
da acumulação de bens de capital. Não há atalhos para esse
processo.
O mesmo raciocínio é válido para uma situação que
envolva apenas a redistribuição de dinheiro. Um milionário que tenha
quase todo o seu dinheiro distribuído aos pobres, de modo a ficar praticamente
com a mesma renda deles, fará apenas com que a população desta economia esteja
indubitavelmente mais pobre no futuro. Os beneficiados por essa
redistribuição irão apenas consumir o seu dinheiro — pois isso lhes trará um
imediato aumento de seu padrão de vida — e não mais haverá poupança (abstenção
de consumo) nesta sociedade que permita a acumulação de bens de capital.
Em vez de postergar o consumo para possibilitar a criação de bens de capital,
haverá apenas um intenso consumo presente do capital existente. O
Robinson Crusoé rico deu sua rede e sua vara de pescar para Sexta-Feira, que as
consumiu e deixou ambos com um padrão de vida futuro bem mais reduzido.
A redistribuição de riqueza gera pobreza e perpetua
a pobreza. Porém, como tal fenômeno não é imediato, ele pode ser
implantado durante algum tempo sem que suas consequências sejam imediatamente
sentidas.
Para uma sociedade prosperar, a poupança e a
acumulação de capital devem ser incentivadas; jamais devem ser punidas.
Sociedades que permitem que as cigarras imponham sua filosofia às formigas
jamais poderão ser ricas.
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