“Os arquitetos do real não pouparam sua imaginação para lançar velhas ideias com aparência de novas. (…) Chegaram ao ponto de reinventar os réis ou reais, uma nova moeda fantasiada do dólar e garantida por um lastro que não exerce nenhum papel prático, uma vez que o real não é conversível, a não ser o de dar a impressão de que o real vale tanto quanto a moeda norte-americana” (Ministro Mantega sobre o Plano Real em 1994)
Por Augusto Nunes
Assustado com a boa ideia da revista Economist, que
recomendou a Dilma Rousseff a imediata demissão do ministro da Fazenda, Guido
Mantega resolveu transformar em demonstração de amor à pátria a sequência de
previsões equivocadas sobre o PIB, o crescimento industrial ou qualquer outra
coisa supostamente calculável no mundo da economia. “Nunca vi ninguém ser
demitido por otimismo”, anda recitando o profeta que não acerta uma.
A folha corrida de Mantega informa que o estado de ânimo
oscila conforme as circunstâncias políticas, eleitorais e partidárias. Neste
momento, por exemplo, não convém ser pessimista. É por isso que o vidente de
araque faz o que pode para não admitir que a economia brasileira implora por
urgentes correções de rumo. Há 18 anos, com o PT na oposição, não convinha ser
otimista em relação às correções de rumo feitas pelo Plano Real. Foi por isso
que Mantega tentou provar que FHC havia pavimentado o caminho mais curto para o
abismo.
No artigo “As fantasias do real”,
publicado pela Folha de S. Paulo em
6 de julho de 1994, o economista companheiro comunicou à nação que o plano
teria vida breve. Mas provocaria estragos tão devastadores que o Brasil
demoraria algumas décadas para sair da UTI ─ se sobrevivesse ao desastre
concebido por Fernando Henrique Cardoso. Confira sete trechos do besteirol,
reproduzidos sem a remoção dos pontapés no bom português.
“Os arquitetos do real não
pouparam sua imaginação para lançar velhas ideias com aparência de novas. (…)
Chegaram ao ponto de reinventar os réis ou reais, uma nova moeda fantasiada do
dólar e garantida por um lastro que não exerce nenhum papel prático, uma vez
que o real não é conversível, a não ser o de dar a impressão de que o real vale
tanto quanto a moeda norte-americana”
“Todo esse barulho para quê?
Para vestir com roupagens sofisticadas e muitos truques de ilusão, mais um
ajuste tradicional, calcado no corte de gastos sociais, numa contração dos
salários, num congelamento do câmbio e outros ativos e, sobretudo, num forte
aperto monetário com taxas de juros estratosféricas”
“A parte mais imaginativa do
plano (…) revelou-se a mais perversa, porque passou a ideia de que os salários
estavam sendo perfeitamente indexados e resguardados da inflação. Quando, na
verdade, foram colocados em desvantagem (…) em relação a preços, tarifas e
vários outros custos e ainda perderam os reajustes automáticos que a lei
salarial lhes garantia”
“Os salários serão pagos em
real, (…) uma moeda desindexada e totalmente vulnerável a corrosão
inflacionária. (…) A regra de conversão dos salários pela média e dos preços,
tarifas e outros custos pelo pico, matou dois coelhos de uma só cajadada.
Reduziu preventivamente a demanda dos assalariados, que poderia aumentar com a
queda brusca da inflação e comprimiu os custos salariais, dando uma folga para
os preços”
“Vendeu-se a ideia de que o
plano não utilizou o congelamento, quando, na verdade, congelou o câmbio,
tarifas, alugueis e contratos. Só não congelou mesmo os preços e deixou os
salários no limbo de um semicongelamento, com o ônus de correr atrás do
prejuízo que será causado pela inflação do real”
“O real é um jogo de
aparências, que pode durar enquanto não ficar evidente que as contas do governo
não vão fechar por causa dos juros altos, que o mercado sozinho não é capaz de
conter os preços dos oligopólios sem uma coordenação das expectativas por parte
do governo, que os salários não manterão o poder aquisitivo por muito tempo,
que o real não vale tanto quanto o dólar”
“As remarcações preventivas dos
preços, junto com os congelamentos, permitirão uma inflação moderada em julho
e, talvez, uma ainda menor em agosto. (…) A questão é saber em quanto tempo o
grosso da população irá perceber que uma inflação moderada por si só,
acompanhada por um aperto monetário e recessão, não melhora sua situação, não
cria empregos e, na ausência de uma lei salarial e correções automáticas, pode
ser tão deletéria quanto uma inflação de 30% a 40% com indexação”
Mantega nunca pediu desculpas por não ter acertado uma
única vírgula do palavrório, desmoralizado pela vida real em poucas semanas. O
Real domou a inflação (que nunca mais voltaria a alcançar altitudes obscenas),
livrou a moeda brasileira do raquitismo crônico, estabilizou a economia e fixou
diretrizes que os governos seguintes mantiveram intocadas. Em julho passado, o
plano que a pitonisa de hospício condenou a morrer na infância completou 18
anos esbanjando saúde.
Quem vai mal das pernas é o ministro,
que já estaria desempregado se o PT não fosse um viveiro de economistas de alta
periculosidade. A animação provocada no país que pensa pela sensata sugestão daEconomist começou
a esvair-se quando circulou a lista de candidatos à sucessão. Sem um Mantega
por perto, Dilma Rousseff poderia chamar um Aloizio Mercadante para curar os
males da economia. O que está péssimo sempre pode ficar muito pior.
Seja qual for o prazo de validade do atual ministro da
Fazenda, não custa constatar que quem é invariavelmente contra quando é hora de
ser a favor, ou teimosamente a favor na hora de ser contra, não é pessimista
nem otimista: é oportunista, farsante, inepto ou idiota. Guido Mantega decerto
se enquadra numa dessas qualificações. Ou nas quatro.
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