Nós, os bobocas, estamos salvos (David Coimbra)


A Lei da Ficha Limpa grita o que grita a propaganda da TV: o eleitor brasileiro, se não for tutelado pela lei, é tão ingênuo, tão simplório, tão tolo, que se transforma em palhaço e chancela qualquer candidato corrupto. 

Por David Coimbra 
São muitas as manifestações de júbilo popular a respeito da eleição do próximo domingo, por ser esta a chamada “Eleição da Ficha Limpa”. Tem uma propaganda de TV em que um palhaço vai tirando a maquiagem do rosto enquanto fala sobre a “conquista da Lei da Ficha Limpa”. Quando enfim ele se põe sem pintura, diz que é aquela cara que quer dar para a sua cidade, ao votar no 7 de outubro.

Certo.

A Ficha Limpa.

Se você pensar bem sobre a dita cuja, concluirá que se trata de uma lei que impede o eleitor de votar em alguém que foi condenado em determinada instância, e que até pode ser absolvido em outra. Se quiser, o “ficha suja” apresenta sua candidatura, mas a Justiça o impugnará. O eleitor não poderá votar nele.

Logo, a Ficha Limpa é uma lei que protege o eleitor de si mesmo. É uma lei restritiva: ela subtrai o direito do eleitor de votar em quem quiser, em nome da pureza eleitoral.

O que a propaganda da TV quer dizer quando mostra aquele eleitor-palhaço tirando a maquiagem? A mensagem é óbvia: quando não havia Lei da Ficha Limpa, o eleitor era feito de palhaço. O candidato ficha-suja ladino o enganava, e o eleitor boboca ia para o recôndito da cabine indevassável e votava nele. Agora, não. Agora, o eleitor não é mais palhaço, agora ele tirou a maquiagem e mostrou sua verdadeira cara. Por quê? Por ter evoluído? Por ter aprendido a votar? Por ter nova consciência? Não: porque uma lei o PROÍBE de votar no candidato ladino ficha-suja. O eleitor votaria, se pudesse. Se não votasse, a lei seria desnecessária, ninguém lutaria por sua aprovação e não haveria propaganda na TV apregoando-a como uma conquista.

O eleitor de Novo Hamburgo, por exemplo, talvez votasse pela reeleição do atual prefeito da cidade. Não pode. O prefeito assistiu a uma inauguração a convite do governador do Estado em 2004 e foi julgado ficha-suja. Alguns talvez reclamem que este caso foi um excesso da lei. Não devem reclamar. Nem podem. Porque eles queriam precisamente isso: queriam uma lei que decidisse por eles quem deve ou não ser votado.

A Lei da Ficha Limpa grita o que grita a propaganda da TV: o eleitor brasileiro, se não for tutelado pela lei, é tão ingênuo, tão simplório, tão tolo, que se transforma em palhaço e chancela qualquer candidato corrupto. Os partidos políticos também têm essa opinião. Eles pregam o “voto em lista”, que nada mais é do que outra medida restritiva, só que, aí, não é a Justiça a decidir quem deve ser votado, e sim o partido.

As instituições políticas brasileiras dizem que eu, você, nós todos, eleitores, somos enganadiços, somos abobados. Devem estar certas. Ainda bem que elas estão aí para nos proteger.

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