sexta-feira, 4 de maio de 2012

STJ, os ditadores da reparação, e o arbítrio do abandono afetivo

Estamos nos tornando um país de fanáticos do sentimentalismo, de pervertidos da reclamação, de ditadores da reparação.

Então amigos, o filtro é simples:
- Liberdade individual e da família ameaçada, sou contra!
- Mérito ameaçado, sou contra!
- Privilégio para um grupo (seja qual for) em detrimento de outro, sou contra!
- Constituição jogada pelas cucuias, sou contra!
Simples quanto isso!

Quando se discutia a lei da palmada, escrevi um texto sobre como o Estado está adentrando, de uma forma perigosa, em nosso lares (aqui). A pergunta da ocasião era: 
Até quando deixaremos burocratas corruptos mensaleiros entrar na nossa casa e dizer o que devemos fazer?
Não demorará muito para que o marido que "não dá no coro" (se é que vocês me entendem) ou a mulher com suas infindáveis dores de cabeça (continuo no mesmo tema) passe a ser processada por que não cumpriu com suas tarefas matrimonias. 

Agora o STJ começou a arbitrar o "abandono afetivo". Quer algo mais subjetivo que isso? Não quero entrar no mérito da questão, quero apenas chamar a atenção para um fato: Se o Estado a partir de agora se arrogar o direito de decidir sobre quem é ou não um bom pai/mãe, o que o futuro no reserva?

Pensem nisso!

Apelo mais um vez a Reinaldo Azevedo. Chamem o cara do que for, mas não tem pessoa mais coerente com os filtros acima citados do que ele.

ABANDONO AFETIVO É PURA MANIFESTAÇÃO DE “DIREITO CRIATIVO”! É DEGRADAÇÃO DA CULTURA DEMOCRÁTICA. OU: QUANTO CUSTA O AMOR PATERNO?

Os Cachoeiras e, sobretudo, as cascatas que tomam conta da vida pública acabam nos levando a deixar de lado alguns temas relevantes, que dizem respeito não exatamente à política como jogo do poder, mas à cultura política entendida como uma ética de relação com o outro e com o mundo. Estamos nos tornando um país de fanáticos do sentimentalismo, de pervertidos da reclamação, de ditadores da reparação. Aquele que tiver a sorte, para desdita de muitos, de manejar o aparato do estado impõe, então, o seu fanatismo, a sua perversão, a sua ditadura. E ao arrepio da lei! Lei pra quê? O que importa é “fazer justiça” segundo a metafísica influente.
Em uma decisão inédita, a 3º Turma do STJ reconheceu o direito que tem uma filha, hoje com 38 anos, de receber uma indenização de R$ 200 mil de seu pai. O “crime” dele: “Abandono Afetivo”!!! É inútil procurar essa caracterização em qualquer código. Não existe. Trata-se de um manifestação de “Direito Criativo” — área em que o Brasil desponta para o mundo com farta produção —, formulado com base em umas tantas considerações de ordem subjetiva feitas por juízes. Vocês certamente acompanharam o caso. Um senhor teve uma filha fora do casamento. Depois de uma ação judicial, ela foi legalmente reconhecida e assistida materialmente. Goza de todos os direitos dos demais herdeiros. Mas reclama que não foi devidamente amada quando criança…
A exemplo da Lei da Palmada, a decisão da Justiça constitui uma intromissão absolutamente inadmissível do estado na vida dos indivíduos. Como mensurar se esse pai deu amor demais ou de menos? Como estabelecer um padrão mínimo — garantida a assistência material, que existiu — de dedicação amorosa, de modo que possa ser mensurada num tribunal? O que sabem aqueles juízes das altercações e dificuldades que pai e mãe, numa relação não-familiar, tiveram ao longo da vida? Por que é ele, necessariamente, o vilão da história?
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, argumentou por um caminho curioso:
“O cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente. Não se discute mais a mensuração do intangível — o amor —, mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento ou parcial cumprimento de uma obrigação legal: cuidar.”
O pai dispensou, segundo consta, o cuidado que está estabelecido em lei. A filha está reclamando é de falta de amor.
E, ora vejam, contrariando, então, o que diz a ministra, é justamente esse amor que está sendo mensurado. A mulher havia perdido a causa em primeira instância. Recorreu ao Tribunal de Justiça e ganhou, com uma indenização fixada em R$ 415 mil. O STJ reformou a decisão para R$ 200 mil. Fico cá me perguntando: como chegaram àquele primeiro valor? Aqueles R$ 15 mil, em particular, desafiam a minha quietude: o que ele deveria ter feito para que fosse, sei lá, apenas R$ 400 mil? Por que o próprio STJ considerou que o “abandono afetivo” não vale tanto, podendo ficar por R$ 200 mil mesmo?
Este trecho da reportagem do Estadão é espetacular:
“A ministra afirmou que a filha conseguiu constituir família e ter uma vida profissional. ‘Entretanto, mesmo assim, não se pode negar que tenha havido sofrimento, mágoa e tristeza, e esses sentimentos ainda persistam, por ser considerada filha de segunda classe’, disse Nancy.”
Entendi. Ela recebeu o devido aporte material, leva uma vida normal, constituiu família, tudo nos conformes. Mas sobrou “a dor”. Ora, Val Marchiori já nos ensinou em “Mulheres Ricas”, certo? Não há dor que o dinheiro não cure… Relooouuu!!
Ineditismo por ineditismo, por que essa filha, que é herdeira do pai (como os irmãos), não recorreu à Justiça para obter, então, um mea-culpa, um pedido de desculpas, um reconhecimento público da falta de cuidado amoroso, um abraço? Não! Nada disso! Existe um preço para a falta de amor! Era R$ 415 mil, mas pode ficar por R$ 200 mil.
No mérito, o caso é, parece-me, eticamente escandaloso. Mas também é uma aberração jurídica. O Judiciário brasileiro acaba de legislar, mais uma vez, criando o crime do “abandono afetivo”? Cadê a lei, santo Deus? Não há! Eis aí. Vivemos o que chamo a era dos fanáticos do sentimentalismo — juízes, agora, acham que podem pôr um preço nas sensações e subjetivismos. Vivemos a era das perversões da cultura da reclamação: basta que o “oprimido” saia por aí proclamando a sua dor para gerar solidariedade automática. Com sorte, encontra pela frente os ditadores da reparação, que resolverão, como costumo dizer, fazer justiça com a própria toga.
Está criada a jurisprudência, embora a decisão não seja vinculante. Cabe a cada juiz decidir. Mas adivinhem só… Nesse caso, pobre pai!, ele é culpado antes mesmo de qualquer juízo objetivo. Afinal, teve uma filha fora do casamento, só reconhecida depois de uma ação judicial, com quem ele não conviveu — embora tenha cumprido todas as obrigações QUE AS LEIS EXISTENTES LHE IMPUNHAM. Ele só não sabia que estava na mira de uma lei desconhecida porque… simplesmente inexistente!
Quanto tempo vai demorar para que quiproquós familiares comecem a lotar a Justiça ainda mais do que hoje? Quanto serão os filhos, mesmo frutos de uniões estáveis e vivendo sob o teto familiar, que alegarão, a depender dos conflitos, esse tal “abandono afetivo”? Não havendo lei, pode-se acusar qualquer coisa: “Olhe, quero dizer que o meu pai (ou mãe) me sufoca”… Pobre pai! Em breve, estará impedido de exercer, digo com ironia, até aquele papel que Freud lhe reserva, não é? Não poderá mais ser o saudável repressor, a quem cumpre dizer que os limites existem.  Quem sabe chegue o dia em que o parricida alegará no tribunal que só cumpriu seu gesto tresloucado porque seu aparelho psíquico, malformado pelo morto, não operou a necessária interdição, e a morte simbólica de Laio na disputa por Jocasta se fez física,  pelas mãos de um Édipo que era, sei lá, contador…
Uma perguntinha à ministra Nancy Andrighi e a seus colegas: esse valor pelo “abandono afetivo” foi estabelecido, suponho, com base na condição financeira do pai, certo? Um homem muito pobre seria condenado a compensar a subjetividade ferida da filha com um pão com mortadela? O “abandono efetivo” de Eike Batista custaria R$ 200 milhões, em vez de R$ 200 mil? Havendo boas respostas, juro que publico. O pai disse que vai recorrer ao Supremo. Considerando o que se anda fazendo por lá ultimamente, corre o risco de a indenização sair pelo dobro. Ou o nosso Supremo não tem protagonizado cenas explícitas de “Direito Criativo”?
Caminhando para o encerramento, pergunto: a filha vitoriosa troca os R$ 200 mil por um abraço e por um pedido de desculpas?
O assunto parece besta? Mas não é! A rigor, acreditem, é mais importante do que essa canalha que vive assaltando o dinheiro público. A cada pouco, há uma! Precisamos é metê-las na cadeia. Ou bem se tem um estado de direito funcionando, que proteja a coletividade e os indivíduos, a nação e o estado, ou ficamos à mercê do indeterminado. Se podemos ser punidos por um crime que não está tipificado e obrigados a fazer alguma coisa em razão de uma lei que não existe, então estamos numa ditadura. Ainda que uma ditadura exercida, com freqüência, por alguns juízes.



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