sábado, 19 de maio de 2012

Brasil cabeção - O que as crianças miseráveis do Brasil precisam, do Estado, é menos amor e mais confiança.

Dia desses, escrevi, mas não enviei, um longo e-mail para jornalista Claudia Laitano criticando um texto que ela além de ser a favor da cotas raciais (obvio que isso não era o problema) argumentava que algo estava errado quando na universidade federal muitas pessoas que teriam dinheiro pra pagar uma universidade privada estariam entrando.

Pensei na época: Quer dizer então que a classe média está fadada a só pagar e não receber nada, nunca? Pagamos tudo em dobro (impostos + educação, segurança e saúde privada) e não podemos ter a contrapartida nem na universidade pública, onde a entrada era até pouco tempo atras, antes das cotas raciais, puramente no mérito?

Não mandei o e-mail, mas fiquei um tanto espantando com esse pensamento que eu sei que muita gente tem, infelizmente.

No entanto, como costumo pensar com minha própria cabeça, e portanto, discordo ou concordo de ideias e não de pessoas, reproduzo abaixo um excelente texto dessa jornalista.


Brasil cabeção

Claudia Laitano (ZH 19.5)
Se os japoneses batizassem um programa de governo de Japão Disciplinado ou os Estados Unidos criassem uma campanha chamada América pelo Consumismo, ia soar como se uma febre pleonástica tivesse acometido o Primeiro Mundo. Foi mais ou menos essa a sensação que eu tive ao ouvir o nome do novo programa de combate à miséria do governo federal: Brasil Carinhoso.

Coração é o que não nos falta, a gente sabe. Nos anos 30, o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda (o sogro dos sonhos de nove entre 10 brasileiras) cunhou uma expressão que até hoje é mal entendida e mal citada. Seu “homem cordial” não é o sujeito bonzinho que sempre tem uma palavra gentil na ponta da língua e ajuda velhinhas a atravessar a rua. A cordialidade brasileira que o sociólogo descreve não é a do bom coração e da hospitalidade, mas a do domínio da emoção sobre a razão, que pode causar tanto as efusões amorosas mais comoventes quanto as reações mais violentas e intempestivas – não por acaso, esse país tão cheio de amor para dar é também campeão nas estatísticas de violência contra a mulher. O homem cordial clássico, de catálogo, é aquele que odeia formalidades, mesmo quando elas são criadas para organizar a vida de todo mundo, e ignora regras de ética e civilidade quando elas não lhe parecem 100% convenientes. Alguém aí reconheceu um brasileiro?

Quando um país com um largo histórico de populismo usa a palavra “carinhoso” em um programa de governo, arrepiam-se os pelos das nucas mais paranoicas. Não existe palavra tão doce na língua portuguesa quanto essa que dá nome a uma das mais belas canções da música popular brasileira, mas uma política que se autodenomina “carinhosa”, ainda que coberta de méritos, sempre parece firmar-se no terreno flácido das boas intenções e do paternalismo e não na arena sólida das instituições que têm continuidade e metas objetivas para além dos governos e dos políticos. Carinho a gente dá e a gente tira. É uma concessão, não um direito ou um dever.

Se o Brasil fosse levar a sério mesmo esse negócio de slogans motivacionais deveria criar programas com nomes como “Brasil Racional”, “Brasil Cumpridor de Prazos”, “Brasil: começo, meio e fim”. Claro que não ia adiantar nada, como em geral não servem para nada slogans motivacionais postados no Facebook ou na porta da geladeira, mas talvez fosse mais útil reconhecer o que nos falta do que celebrar o que sempre tivemos de sobra. Realmente surpreendente seria se os estudantes brasileiros fossem brindados com um programa de educação tão sério e eficiente que algum gaiato resolvesse apelidar de “Brasil cabeção” .

Carinho, elas querem é da família. O que as crianças miseráveis do Brasil precisam, do Estado, é menos amor e mais confiança.

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