“Quanto
mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não
positivamente mais certeza, de a estar prejudicando.” (Fernando Pessoa)
Por Rodrigo Constantino
Quando
se fala em divisão de trabalho, logo vem à mente o nome de David Ricardo.
Porém, antes dele, o filósofo escocês Adam Smith já havia tratado do assunto
com profundidade em seu clássico An Inquiry Into the Nature and Causes of
the Wealth of Nations, publicado em 1776.
Logo
no primeiro capítulo do livro, ele explica em detalhes as grandes vantagens de
cada indivíduo focar em uma tarefa específica, possibilitando enorme ganho de
produtividade. Este se deve basicamente a três fatores: o aumento das
habilidades de cada trabalhador focado em sua exclusiva tarefa; economia de
tempo normalmente perdido na transferência de uma espécie de trabalho para
outra; e pela invenção de maior número de máquinas que facilitam o trabalho e
permitem que um único homem possa fazer o trabalho de vários.
Essa
divisão de trabalho, de onde tantas vantagens são derivadas, não é
originalmente um efeito da sabedoria humana que antecipa os benefícios e
intencionalmente cria esta situação. Antes, é um processo gradual e lento,
conseqüência da propensão da natureza humana em trocar uma coisa por outra. Os
homens não são inteiramente independentes na satisfação de todas as suas
necessidades, e acabam dependendo das trocas entre si.
O
grande insight de Adam Smith foi perceber que seria tolice esperar
aquilo que se necessita dos outros através de sua benevolência apenas. Será
mais bem sucedido aquele que despertar o interesse próprio do outro, mostrar
que é por sua própria vantagem que ele deve oferecer aquilo que o outro
demanda. “Não é da benevolência do açougueiro que esperamos nosso jantar, mas
de sua preocupação com seu próprio interesse”, é a famosa mensagem de Smith que
resume bem isso. Não esperamos seu esforço em nos atender pelos aspectos
humanitários, mas sim pelo seu amor próprio, e não devemos falar com ele sobre
nossas necessidades, mas sim sobre suas próprias vantagens.
O
realismo em relação a essa tendência individualista dos homens já está presente
na outra obra famosa de Adam Smith, Teoria dos Sentimentos Morais, que foi
publicada em 1759. Nela, Smith supõe um terremoto que devasta a longínqua
China, e imagina como um humanitário europeu, sem qualquer ligação com aquela
parte do mundo, seria afetado ao receber a notícia dessa terrível calamidade.
Antes de tudo, ele iria expressar intensamente sua tristeza pela desgraça de
todos esses infelizes. Faria “reflexões melancólicas sobre a precariedade da
vida humana e a vacuidade de todos os labores humanos, que num instante puderam
ser aniquilados”.
Mas
quando toda essa bela filosofia tivesse acabado, “continuaria seus negócios ou
seu prazer, teria seu repouso ou sua diversão, com o mesmo relaxamento e
tranqüilidade que teria se tal acidente não tivesse ocorrido”. Em
contrapartida, o mais frívolo desastre que se abatesse sobre ele causaria uma
perturbação mais real. Uma simples dor de dente poderia lhe incomodar de
verdade mais que a ruína de centenas de milhares de pessoas distantes. Não
adianta sonhar com um homem diferente, mas irreal.
A
certeza de que será capaz de trocar seu excedente produzido pelo excedente
produzido por outros e que ele necessita, encoraja cada homem a se dedicar a
uma ocupação particular, e buscar a excelência no talento que ele possa ter
para uma espécie particular de negócio. Eis um dos belos efeitos da divisão do
trabalho, que possibilita o florescimento da genialidade, perfeição e talento
distinto em determinadas tarefas, através do hábito e educação, com indivíduos
focados em negócios específicos.
Cada
indivíduo irá buscar aplicar da melhor forma possível seu capital, objetivando
a própria satisfação. E direcionando seus esforços e capital para aquela
indústria que produza o maior valor possível, ele pretende apenas gerar seu
próprio ganho, e nisso ele é guiado por uma “mão invisível” que promove um
resultado que não fazia parte de sua intenção. Cada um buscando satisfazer os
próprios interesses, e o resultado final acaba sendo benéfico para a grande
maioria. Adam Smith reconheceu que nunca soube de algo tão bom produzido por
aqueles que afetam as trocas em nome do “bem-geral”. Grandes e fantásticas
foram as inovações advindas do poder dessa “mão invisível”.
A
criação de um simples – porém útil – lápis, seguiu essa trajetória. Foi
possível pelo labor de inúmeros indivíduos, cada um focando em uma determinada
tarefa para o benefício próprio. Não havia a priori um planejamento
central cuidando de sua criação. O grafite, o aço, a borracha, as máquinas
necessárias, tudo foi surgindo, sendo descoberto, criado por infinitos homens
que apenas desejavam satisfazer as próprias demandas, sem noção de que um dia
aquilo tudo levaria ao surgimento do lápis. Esse “milagre” humano está presente
na grande maioria das criações que tanto progresso trouxe para a humanidade.
Essa
lógica serve para criticar muitos tipos de intervenção do governo no comércio,
como o protecionismo defendido pelos mercantilistas da época. Se a produção
doméstica pode ser feita tão barata quanto a estrangeira, então a regulação é
inútil, e caso não possa, ela será ineficiente. Todo pai de família compreende
essa máxima, de não tentar fazer em casa aquilo que custará mais do que comprar
de fora. Através da “mão invisível” da economia, cada um irá investir na
indústria onde possa receber os melhores retornos, onde exista vantagem
comparativa, e o resultado geral tende a ser maior.
A
lógica serve para derrubar também os argumentos dos defensores de um grande
planejamento central, que deposita numa suposta clarividência de poucos o
destino da nação. Quando a mão visível do Estado destrói a “mão invisível” do
livre mercado, o progresso acaba enterrado também.
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