Por João Pereira Coutinho (Folha de SP)
Karl
Marx falhou: como cientista e até como profeta. Esse fracasso já foi referido
em coluna (Será que Deus existe?). Mas faltou acrescentar um pormenor:
Marx nem sequer previu que a sua "luta de classes" seria substituída
por uma perpétua "imitação de classe".
O
proletariado não desejava destruir o sistema capitalista. Pelo contrário:
desejava antes participar nele, imitando a burguesia –nos seus hábitos e
gostos– e desfrutando dos mesmos confortos materiais que só o capitalismo
permite.
Se
dúvidas houvesse, bastaria olhar para os confrontos em Hong Kong, com os
manifestantes a exigir respeito pelas eleições de 2017 na ilha. Pequim ficou em
estado de alerta.
Entendo:
em 1989, o PC chinês contemplou a desagregação do comunismo na Europa com
horror. Consta até que o líder de então, Deng Xiaoping, terá ficado assustado
com os fuzilamentos sumários do encantador casal Ceausescu, na Roménia.
O
colapso da União Soviética, pouco depois, deixou o aviso: não bastava reprimir
uma população miserável, como aconteceu na Praça de Tiananmen. Era preciso
responder aos anseios da população, o que significava abrir as portas a um
"capitalismo de Estado" controlado.
Fatalmente,
o PC chinês ignorou a maior fraqueza da teoria marxista: o capitalismo, e mesmo
o "capitalismo de Estado", não se limita a matar a fome e a permitir
carros ou roupas de grife.
Cedo
ou tarde, a emergência de uma classe média significa também que as massas
desejam mais: coisas intangíveis como liberdade, participação política e até o
direito de governar.
Em
Hong Kong, essas reivindicações podem ser explicadas (e reforçadas) pela
tradição de liberdade que já existia antes da devolução britânica em 1997.
Mas,
como informa a revista "The Economist", essas reivindicações são já
sentidas em todo o país –de tal forma que uma das prioridades do regime nesses
dias foi ocultar da população continental a "Revolução dos Guarda-Chuvas"
de Hong Kong.
Durante
décadas, vários especialistas sobre a China formularam a questão clássica: será
possível ter uma sociedade capitalista sem o tipo de liberdades de uma
sociedade democrática?
As
imagens de Hong Kong são a primeira e promissora resposta. E são também uma
confirmação histórica: para o comunismo funcionar, é importante que uma
sociedade seja mantida rigorosamente na miséria.
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