Uma ideia assim (que somos bons
e a sociedade nos corrompe, e aqui você pode colocar no lugar de
"sociedade" a família, o patriarcado, a igreja, o capital, os EUA, o
patrão, seu pai autoritário) faz almas fracas gozarem de prazer. Porque o que
ela diz é que, ao final, não sou responsável por nada que faço. Não fosse pela
"sociedade", eu seria um homem bom.
Responsabilizar a mulher pelos males do mundo é coisa de homem brocha que, por não conseguir penetrá-la, recorre à falsa culpa feminina para aplacar sua desgraça.
Por Luis Felipe Pondé
Responsabilizar a mulher pelos males do mundo é coisa de homem brocha que, por não conseguir penetrá-la, recorre à falsa culpa feminina para aplacar sua desgraça.
Por Luis Felipe Pondé
Dias atrás, uma amiga, alta
executiva paulista, radicada no Rio, me mandou um e-mail com a cópia de uma
resenha sobre um livro (fruto de pesquisa de campo) de um antropólogo,
Napoleon Chagnon, que estudou os
índios ianomâmis no Brasil e na Venezuela por muitos anos.
Suas conclusões não são aquelas
que a comunidade acadêmica, ideologicamente orientada na sua quase totalidade,
costuma gostar.
Quem sabe, este "desgosto
ideológico dos pares" (gente ávida por destruir oponentes teóricos) tenha
sido responsável pelos desdobramentos negativos que o antropólogo teve em sua
vida profissional por conta desta pesquisa.
O livro ("Noble
Savages"), que logo comprei, deveria ser lido nas escolas. Um tratado
contra a tradição marxista, não só em antropologia, mas em tudo mais. Mas o que
especificamente tem esse livro contra esta tradição?
Engana-se quem pensa que a
tradição marxista comece com Marx, ela começa com Rousseau e seu bom selvagem.
O princípio é que o homem é bom e a sociedade é que o perverte. A perversão do
bom selvagem pelo "Das Kapital" é apenas uma decorrência do principio
do Rousseau, só que para Marx não partimos do bom selvagem, mas sim chegaremos
a ele quando superarmos esta sociedade má.
Uma ideia assim (que somos bons e
a sociedade nos corrompe, e aqui você pode colocar no lugar de
"sociedade" a família, o patriarcado, a igreja, o capital, os EUA, o
patrão, seu pai autoritário) faz almas fracas gozarem de prazer. Porque o que
ela diz é que, ao final, não sou responsável por nada que faço. Não fosse pela
"sociedade", eu seria um homem bom.
Ao contrário do que parece, essa
tradição pegou porque alimenta algo de muito banal: que somos homens bons em
nossa natureza essencial. Esta ideia alimenta nossa vaidade e não foi por outro
motivo que Burke, filósofo britânico do século 18, chamava Rousseau de
"filósofo da vaidade".
Nossa origem é o bom selvagem? É
por isso que australianos que não têm o que fazer se pintam de aborígenes e
gritam por aí? Quanta bobagem! Quanto lixo escrito com tinta cara!
Também concordo que devemos olhar
para o "passado" para entendermos como somos hoje. A diferença é que
minha ideia de "estado natural do homem" é diferente da de Rousseau,
o filósofo da vaidade. Partilho da ideia que para nos entendermos devemos olhar
para a pré-história de fato, e não a mítica, como a do Rousseau.
Este mito alimenta uma outra
bobagem: a ideia de que toda diversidade cultural é linda. "Viva a
diferença!", dizem os festivos por aí.
A "humanidade", na sua
capacidade frágil de não ser bicho malvado, foi tirada das pedras, à custa de
muito sangue. Sempre bebemos o sangue dos outros no café da manhã.
E aí voltamos ao livro. A
conclusão de Chagnon é que os ianomâmis, parentes nossos que vivem muito perto
do que seria o neolítico, tribos que permaneceram bastante "puras"
enquanto outras já haviam sido "contaminadas pela maldade do homem
branco" (risadas?), sempre se mataram por uma razão nada complexa:
"mulher, mulher, mulher".
Inclusive, quem tinha mais
mulher, tinha mais descendentes.
Qualquer evolucionista
gargalharia diante de tamanha obviedade ocultada pelas interpretações
ideológicas pueris da falsa história do bom selvagem.
Os ianomâmis também têm suas
Helenas de Troia. Entre eles, quem matava mais tinha mais mulher. Entre nós,
quem é mais "adaptado" tem mais mulher.
Não se trata de culpar as
mulheres porque são filhas de Eva. Responsabilizar a mulher pelos males do
mundo é coisa de homem brocha que, por não conseguir penetrá-la, recorre à
falsa culpa feminina para aplacar sua desgraça.
Reconhecer que os ianomâmis se
matam em troca de mulheres (ou se matavam enquanto eram "puros" ou
"bons selvagens") não é uma prova contra as mulheres. É uma prova
contra Rousseau e sua tradição do bom selvagem.
Eu, pessoalmente, acho até uma
boa causa. Quero dizer, nos matarmos por mulheres. Neste caso, o troféu é bem
concreto e todo mundo sabe de seu "valor de uso".
Isto é, não precisamos de provas
metafísicas para reconhecer o valor de uma mulher.
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