segunda-feira, 4 de março de 2013

"Numa novela, não se sabe o que vai acontecer, como vai terminar. E a Argentina é isso, um país de novela.

"Numa novela, não se sabe o que vai acontecer, como vai terminar. E a Argentina é isso, um país de novela. Este governo vai deixar ao próximo uma carga muito pesada. Uma das heranças é a divisão da sociedade. Existem os bons, que apoiam o governo, e os maus, aqueles que divergem ou são contra."

Deixo aqui registrado o meu sentimento que o Brasil é a Argentina amanhã. Sua politica econômica desastrosa (focado no procura e não na oferta, baixo investimentos e gastos excessivos, congelamento de preçoc, etc), o comando central populista e autoritário (o NÓS contra ELES), estão levando o pais pro buraco. Aqui, embora em tom mais ameno, o partido que habita o poder usa dos mesmos métodos. Espero estar errado! Thiago

Por Marcos Aguinis - Autor do livro O Atroz Encanto de Ser Argentino em Zero Hora (24.02.2013)

“Arrogância de hoje é para cobrir a vergonha”


Escritor e médico, ganhador do Prêmio Planeta de Espanha, Marcos Aguinis, 77 anos, revelou a mentalidade dos seus conterrâneos ao publicar o livro O Atroz Encanto de Ser Argentino, em 2001. Traduzido para o português e com sucessivas reedições em espanhol, o autor mostra que o país, nos últimos 70 anos, está numa vertiginosa montanha-russa. Ora nas alturas da glória, ora nos porões do constrangimento. No momento, Aguinis diz que a Argentina está por baixo, sob o jugo do kirchnerismo que a todos controla, e ainda longe do fundo do poço. O escritor e ensaísta recebeu ZH em sua casa, em Buenos Aires, para entrevista.

Zero Hora – Em 2001, no seu livro, o senhor escreveu que o esporte nacional dos argentinos era se queixar. Como é agora?

Marcos Aguinis – Continua se queixando, mas de uma forma diferente. Há uma anestesia geral que afeta os argentinos, imposta pelo autoritarismo, que deriva do medo e da resignação.

ZH – Por que a expressão o atroz encanto de ser argentino?

Aguinis – Há um contraste entre as possibilidades, tanto econômicas quanto culturais, e a realidade, que é contrária. Em vez de ser um país de liberdade, mérito e esperança, converteu-se em uma nação que está na obscuridade, na desesperança e, em parte, na resignação.

ZH – Por quê?

Aguinis – Porque está difícil ir adiante. O país perdeu a hierarquia das instituições. O Congresso, o Judiciário e a República foram atingidos sistematicamente, estão decadentes. E não temos mais forças de contenção. Não temos forças armadas, a polícia está comprometida pela corrupção. Os funcionários ladrões que estão no governo jamais foram punidos. Então, a situação se torna atroz.

ZH – Mas é um país que foi o eldorado dos imigrantes europeus, como o senhor escreveu. E que tinha potencial para rivalizar com os Estados Unidos...

Aguinis – Sim. Até fins da década de 1940, era assim. Perón (Juan Domingo Perón, semelhante a Getulio Vargas no Brasil), quando assumiu, não podia caminhar no Banco Central de tantos lingotes de ouro que havia no assoalho. Eva Perón, quando viajou à Europa, era a embaixadora da esperança depois da II Guerra Mundial, porque levava barcos com toneladas de cereais e carne às populações esfomeadas. Havia superprodução de alimentos na Argentina. Por isso, os imigrantes queriam vir para cá.

ZH – Imigrantes europeus, como o seu pai, que trabalhou como estivador e garantiu a faculdade para os filhos, ajudaram a construir o país. O senhor os chama de titãs. E agora?

Aguinis – Atualmente, na Argentina, ninguém triunfa mediante o trabalho e o esforço honestos, mas por meio de manobras desonestas. Há uma frase que vem do tango: “O que trabalha é um gil (tolo)”. E isso tem vigência, agora mais do que nunca. Não há prêmio ao mérito, não há plano de longo prazo.

ZH – A Argentina gerou mentes brilhantes, como Jorge Luis Borges e Julio Cortazar na literatura, além de outros no teatro, na música, nas artes, na ciência. O que aconteceu?

Aguinis – Esse fenômeno aconteceu em outros lugares. Uns falam do século de Péricles, um dos mais brilhantes da história, mas depois a Grécia caiu, e vem caindo. A Argentina teve o seu século de Péricles, de 1860 a 1940. Aí, começou a decadência. E entra uma cota de mistério: por quê? Bom, porque entrou uma mentalidade fascista, disfarçada de peronismo. Que é um fascismo sedutor, hipnotizador, que reparte benefícios com os quais conquista as pessoas. Aqui é a cultura da mendicidade, não do trabalho. É um submetimento, uma decadência moral. Isso é atroz.

ZH – O que acontecerá no país?

Aguinis – Escrevi um livro, Um País de Novela. Numa novela, não se sabe o que vai acontecer, como vai terminar. E a Argentina é isso, um país de novela. As coisas mudam de uma forma que não se imagina. Em 1983, quando acabou a ditadura militar, acreditamos que abriríamos uma nova era. Em pouco tempo, desandou. É como uma montanha-russa, às vezes sobe, depois desce.

ZH – O país está em que fase do tobogã?

Aguinis – Embaixo. Mas não significa que tenhamos chegado ao fundo do poço. Estou preocupado. Parte de nós, inclusive, está assustada. Este governo vai deixar ao próximo uma carga muito pesada. Uma das heranças é a divisão da sociedade. Existem os bons, que apoiam o governo, e os maus, aqueles que divergem ou são contra. Chegou-se ao ponto de algumas famílias não poderem se reunir para o assado (churrasco) de domingo. Quebram os pratos, divididos entre os kirchneristas e os contrários.

ZH – Como define a presidente Cristina Kirchner?

Aguinis – É muito narcisista, autoritária, mentirosa. Está levando o país à ruína para ser a rainha.

ZH – O argentino, ou parte dos portenhos que moram em Buenos Aires, tem fama de arrogante. Como é hoje?

Aguinis – A maior parte dos argentinos chegou a cometer o pecado da arrogância porque o país prosperava de forma rápida e intensa. Era um dos mais ricos e cultos. Hoje, há muitos argentinos que continuam sendo arrogantes, mas é uma forma de encobrir a impotência. Psicologicamente, sabe-se que se age ao contrário para tapar uma vergonha.

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