sábado, 2 de junho de 2012

Moderação vai virar crime (David Coimbra)


As pessoas querem jogar a dinheiro, no Brasil. Querem muito. Veja o Carlinhos Cachoeira. Ele circulava pelos intestinos do mando da República, ele sabia tudo o que ia acontecer de importante no país, ele demitia ministros. O que ele é? Operador de jogo ilegal. Dono de máquinas caça-níqueis.

Não faz muito, noticiou-se acerca de um bingo que foi fechado dezenas de vezes pela polícia, e dezenas de vezes reabriu.

O que mostra o poder de Carlinhos Cachoeira e a renitência do bingo proibido? Que as pessoas QUEREM JOGAR A DINHEIRO.

Por que não podem?

Porque o Estado brasileiro não permite.

Por que o Estado brasileiro não permite?

Porque para ele, Estado, o jogo faz mal às pessoas. Trata-se de uma intromissão do Estado em um âmbito individual. Eu tenho a liberdade de decidir o que fazer comigo mesmo e com meu dinheiro. Outros Estados liberam o jogo; o brasileiro, não. O Estado brasileiro libera o cigarro e a bebida. O que acarreta mal maior às pessoas? Por que o Estado deixa que meus pulmões apodreçam com fumaça envenenada, mas não deixa que eu dissipe meus reais numa sórdida mesa de pôquer?

Eu, se fosse o Estado, sabe o que eu proibiria? Moderação em excesso. Essas pessoas que não bebem, que não fumam, que não usam droga alguma, que não jogam, que não dirigem acima dos 60 por hora, que são monogâmicas, que não falam mal de ninguém, que não furam fila, que não usam sacolas plásticas, que economizam água e que reciclam o lixo, essas pessoas são contidas demais. Vão morrer de coração e, se não morrerem, se viverem até depois dos cem, vão olhar para trás e se arrepender de não ter se arrependido de errar, de não ter arriscado, de não ter dormido tarde, de não ter se repimpado com aquela loira do sétimo andar. Vão ver que as vidas delas foram sem graça, porque elas não cederam a nenhuma tentação, mas também não descobriram a cura do câncer, nem pintaram um jardim de Monet, nem identificaram o inconsciente, nem escreveram Crime e Castigo.

Eu, se fosse o Estado, obrigaria as pessoas a cometer pelo menos um desatino por quinzena.

Por quê?

Porque eu acho que cautela demais faz mal.

Afinal, o Estado brasileiro é um intrometido. Pretende até regular as relações internas dos moradores dos condomínios residenciais, imagine.

Mas não vai adiantar. Mesmo com a encheção de saco do Estado, as pessoas vão continuar praticando certas contravenções que, no entender delas, não fazem mal a ninguém, exceto a elas mesmas. Elas vão continuar acreditando que têm capacidade para decidir o que é bom ou ruim para elas, e vão continuar querendo cometer seus erros e seus excessos em paz. Mas, como alguns erros e excessos são ilegais, a ilegalidade vai se converter em financiamento de quadrilhas, em armas para traficantes e verba para a corrupção. Fossem erros e excessos legais, se transformariam em impostos; como são ilegais, se transformam em crime. Graças ao vigilante Estado brasileiro.

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