O termo “neoliberal”, tal como é
usado actualmente, nada mais é do que uma arma de arremesso. (..) como os arremessos de neoliberal procuram apenas
empurrar para territórios extremistas pessoas que se limitam a defender a
sustentabilidade das finanças públicas e um Estado mais eficiente, que ajude
quem realmente precisa e deixe de ser pasto abundante para toda a espécie de lobbies e
corporações.
Nota do autor desse blog: Jonathan Swift disse “É inútil tentar fazer um homem abandonar pelo raciocínio aquilo que não adquiriu pela razão.” BINGO!
Por João Miguel Tavares (Público)
Como os caros leitores certamente
já terão reparado, eu, por facilidade de linguagem, levo o tempo todo a dizer
que sou de direita. No
entanto, em bom rigor, não sou eu que sou de direita: Portugal é que é um barco
tão adornado à esquerda que alguém ao centro passa facilmente por
super-hiper-mega-über-liberal.
Em Inglaterra, eu seria
provavelmente um trabalhista. Nos Estados Unidos, seria certamente
um democrata. E se calhar convém relembrar aos mais distraídos que liberalismo
e conservadorismo são duas grandes correntes que historicamente sempre se
opuseram.
Nos saudosos tempos em que a
filosofia política não exigia a flexibilidade de um ginasta olímpico, ser
liberal era ser de esquerda e ser conservador era ser de direita. Paul
Krugman, o economista americano que a esquerda portuguesa tanto aprecia, até
escreveu um livro intitulado A Consciência de um Liberal (está publicado em português pela
Presença). E
aquilo a que hoje em dia se chama neoliberalismo, enfiando lá para dentro as
figuras tutelares de Margaret Thatcher e de Ronald Reagan, acaba por ser uma
política imposta por neoconservadores, proporcionando assim uma salgalhada
terminológica da qual nem sempre é fácil sair com a coluna intacta.
Aliás, originalmente (ou seja, em
finais dos anos 30 do século passado), o termo neoliberal, embora defendendo a
livre iniciativa e um mercado competitivo, pressupunha a existência de um
Estado forte e regulador. E o
próprio Manifesto Neoliberal do jornalista americano Charles
Peters, publicado em 1981 na revistaWashington
Monthly, era um texto moderado oriundo… da esquerda americana.Sim, da esquerda americana, aquela que se opunha às
políticas do mesmo Ronald Reagan que hoje em dia é considerado um dos gurus
neoliberais.
Por que é que esta mini-história
do neoliberalismo interessa? Interessa para que se perceba que o termo
“neoliberal”, tal como é usado actualmente, nada mais é do que uma arma de
arremesso, um MacGuffin hitchcockiano que dá jeito para animar a acção, mas
desprovido de qualquer conteúdo ideológico minimamente perceptível. Não só
não faz sentido acusar o actual Governo de ser um fanático do Estado mínimo
quando aquilo que conseguiu até hoje foi aumentar o peso do Estado nas nossas
vidas através dos impostos e do descontrolo da dívida; como os arremessos de
neoliberal procuram apenas empurrar para territórios extremistas pessoas que se
limitam a defender a sustentabilidade das finanças públicas e um Estado mais
eficiente, que ajude quem realmente precisa e deixe de ser pasto abundante para
toda a espécie de lobbies e
corporações.
Neste redemoinho de intermináveis
paradoxos, dá-se o caso de muitos daqueles que são acusados de neoliberais
estarem a querer menos Estado exactamente para afastar os privilegiados que
enxameiam o regime há séculos, enquanto a esquerda revoltada com o grande
capital não percebe que é precisamente a dimensão gargantuesca do Estado que
alimenta – como sempre alimentou – quem melhor se move nos corredores do poder. Houvesse
mais vontade de discutir estas coisas e menos vontade de baralhar, e não seria
difícil evitar pontapear pessoas moderadas para um inexistente radicalismo, nem
impedir que uma palavra tão progressista e de esquerda como “liberal” se
transformasse num insulto no Portugal do século XXI. Endireite-se,
pois, o barco, que já vai torto há demasiado tempo.
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