“Na nossa situação atual, o governo não é a solução. O governo é o problema”.
Por CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Anos atrás, em um outro país, o presidente estava diante
do desafio de conseguir turbinar o crescimento. Políticos, economistas,
jornalistas discutiam as saídas e, como sempre, havia propostas para fazer isso
por meio de ações mais intensas do governo.
O presidente, então, saiu-se com uma resposta que se
tornaria clássica: “Na nossa situação atual, o governo não é a solução. O
governo é o problema”.
A presidente Dilma, claro, jamais dirá isso, mas
obviamente admitiu a incapacidade ao menos parcial do Estado quando lançou o
amplo programa de concessões de obras de infraestrutura à iniciativa privada.
Se o governo tivesse dinheiro e expertise para fazer os
investimentos necessários, não precisaria entregar estradas, portos, aeroportos
e ferrovias ao capital privado. Reparem que a presidente Dilma tentou turbinar
os investimentos públicos. E só partiu para as concessões diante dos atrasos e
da sequência de corrupção em obras importantes .
Ou seja, não foi por convicção, mas por necessidade. Ela
não admite que o governo é o problema e que a infraestrutura brasileira falha
por incapacidade do Estado. Ao contrário, ainda acredita que o governo pode
tudo, mesmo que no momento, dadas as circunstâncias, seja preciso chamar os
capitais privados.
O resultado disso é a “concessão envergonhada”. Abre-se o
negócio ao investidor privado, mas o governo está ali ao lado, financiando a
juros de compadre, entrando de sócio, dando garantias de receita e prometendo
fazer parte das obras.
Ora, dirão: qual empreiteira recusaria um negócio desses?
Especialmente neste lado do mundo, a América Latina, tão viciado no capitalismo
de amigos ─ esse sistema em que um bom lobby rende mais que ganhos de
produtividade.
Por isso, foi chocante quando nenhuma empresa apresentou
propostas no leilão de concessão da rodovia BR 262. A obra era considerada um
“filé mignon”.
O governo desconfia de alguma ação política, uma
articulação da oposição, inclusive de investidores, para desmoralizar o
programa. Não cola. Por mais militante que seja, nenhum empresário joga
dinheiro fora.
Logo, o pessoal não achou que o negócio era bom, mesmo com
todo o apoio oferecido pelo governo. Em resumo, não achou que o governo pudesse
ser a solução para os problemas.
Quais problemas? Tudo poderia ser resumido numa palavra,
insegurança. Regulatória: o governo Dilma tem mudado tanto as regras, em tantos
setores importantes, que não há como acreditar que as normas regendo as
concessões serão mantidas pelos 30 anos do negócio.
Insegurança jurídica: as possíveis restrições à cobrança
de pedágio, a única fonte de renda do empreendimento. Políticos e governantes
brasileiros não gostaram de pedágio ─ mais ainda, não gostam de cobrar nada
diretamente do usuário. Há na cultura local uma queda pela boca livre,
reforçada pelas recentes manifestações.
Não é de graça, claro. Quando uma estrada federal em Goiás
não é pedagiada, ela termina paga pelo morador de Rondônia quando compra uma
cerveja e um maço de cigarros. Mas é um pagamento, digamos, quase invisível, o
imposto está embutido no preço. Já no pedágio, o usuário morre com seus reais
cada vez que passa ali. É mais justo que só o usuário pague pela facilidade que
utiliza, mas, reparem, praticamente todos os governantes cancelaram reajustes
de tarifas e pedágios depois das manifestações.
Diante desses óbvios obstáculos ao programa de concessões,
o que fez o governo Dilma? Respondeu ao investidor privado: você cobra um
pedágio baratinho que a gente faz o resto.
A garantia somos nós, disse o governo.
Ora, o risco está nessa garantia, pensaram os empresários.
Não disseram, tanto que o governo contava com o sucesso do leilão. Mas pensaram
exatamente isso: eu entro num negócio cuja receita é o pedágio, mas eu tenho de
cobrar bem baratinho e só posso cobrar depois que o governo fizer a parte dele nas
obras e garantir nos tribunais e nos meios políticos a viabilidade da cobrança;
e também não posso ganhar dinheiro além do limite fixado pelo governo.
Resumindo: os obstáculos aos investimentos privados estão
no ambiente de negócio ruim colocado pelo setor público. Em vez de mudar o
ambiente para torná-lo mais amigável às concessões, o governo diz “deixa
comigo”. O problema se apresenta como solução.
E por que saem alguns negócios? Porque muitos investidores
acreditam que, enfim, a gente vai conversando lá em Brasília.
Não é assim que se vai turbinar os investimentos.
A frase lá de cima? Ronald Reagan.
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