quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A mão invisível: o grande insight de Adam Smith

“Quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando.” (Fernando Pessoa)

Por Rodrigo Constantino 

Quando se fala em divisão de trabalho, logo vem à mente o nome de David Ricardo. Porém, antes dele, o filósofo escocês Adam Smith já havia tratado do assunto com profundidade em seu clássico An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, publicado em 1776.

Logo no primeiro capítulo do livro, ele explica em detalhes as grandes vantagens de cada indivíduo focar em uma tarefa específica, possibilitando enorme ganho de produtividade. Este se deve basicamente a três fatores: o aumento das habilidades de cada trabalhador focado em sua exclusiva tarefa; economia de tempo normalmente perdido na transferência de uma espécie de trabalho para outra; e pela invenção de maior número de máquinas que facilitam o trabalho e permitem que um único homem possa fazer o trabalho de vários.

Essa divisão de trabalho, de onde tantas vantagens são derivadas, não é originalmente um efeito da sabedoria humana que antecipa os benefícios e intencionalmente cria esta situação. Antes, é um processo gradual e lento, conseqüência da propensão da natureza humana em trocar uma coisa por outra. Os homens não são inteiramente independentes na satisfação de todas as suas necessidades, e acabam dependendo das trocas entre si.

O grande insight de Adam Smith foi perceber que seria tolice esperar aquilo que se necessita dos outros através de sua benevolência apenas. Será mais bem sucedido aquele que despertar o interesse próprio do outro, mostrar que é por sua própria vantagem que ele deve oferecer aquilo que o outro demanda. “Não é da benevolência do açougueiro que esperamos nosso jantar, mas de sua preocupação com seu próprio interesse”, é a famosa mensagem de Smith que resume bem isso. Não esperamos seu esforço em nos atender pelos aspectos humanitários, mas sim pelo seu amor próprio, e não devemos falar com ele sobre nossas necessidades, mas sim sobre suas próprias vantagens.

O realismo em relação a essa tendência individualista dos homens já está presente na outra obra famosa de Adam Smith, Teoria dos Sentimentos Morais, que foi publicada em 1759. Nela, Smith supõe um terremoto que devasta a longínqua China, e imagina como um humanitário europeu, sem qualquer ligação com aquela parte do mundo, seria afetado ao receber a notícia dessa terrível calamidade. Antes de tudo, ele iria expressar intensamente sua tristeza pela desgraça de todos esses infelizes. Faria “reflexões melancólicas sobre a precariedade da vida humana e a vacuidade de todos os labores humanos, que num instante puderam ser aniquilados”.

Mas quando toda essa bela filosofia tivesse acabado, “continuaria seus negócios ou seu prazer, teria seu repouso ou sua diversão, com o mesmo relaxamento e tranqüilidade que teria se tal acidente não tivesse ocorrido”. Em contrapartida, o mais frívolo desastre que se abatesse sobre ele causaria uma perturbação mais real. Uma simples dor de dente poderia lhe incomodar de verdade mais que a ruína de centenas de milhares de pessoas distantes. Não adianta sonhar com um homem diferente, mas irreal.

A certeza de que será capaz de trocar seu excedente produzido pelo excedente produzido por outros e que ele necessita, encoraja cada homem a se dedicar a uma ocupação particular, e buscar a excelência no talento que ele possa ter para uma espécie particular de negócio. Eis um dos belos efeitos da divisão do trabalho, que possibilita o florescimento da genialidade, perfeição e talento distinto em determinadas tarefas, através do hábito e educação, com indivíduos focados em negócios específicos.

Cada indivíduo irá buscar aplicar da melhor forma possível seu capital, objetivando a própria satisfação. E direcionando seus esforços e capital para aquela indústria que produza o maior valor possível, ele pretende apenas gerar seu próprio ganho, e nisso ele é guiado por uma “mão invisível” que promove um resultado que não fazia parte de sua intenção. Cada um buscando satisfazer os próprios interesses, e o resultado final acaba sendo benéfico para a grande maioria. Adam Smith reconheceu que nunca soube de algo tão bom produzido por aqueles que afetam as trocas em nome do “bem-geral”. Grandes e fantásticas foram as inovações advindas do poder dessa “mão invisível”.

A criação de um simples – porém útil – lápis, seguiu essa trajetória. Foi possível pelo labor de inúmeros indivíduos, cada um focando em uma determinada tarefa para o benefício próprio. Não havia a priori um planejamento central cuidando de sua criação. O grafite, o aço, a borracha, as máquinas necessárias, tudo foi surgindo, sendo descoberto, criado por infinitos homens que apenas desejavam satisfazer as próprias demandas, sem noção de que um dia aquilo tudo levaria ao surgimento do lápis. Esse “milagre” humano está presente na grande maioria das criações que tanto progresso trouxe para a humanidade.

Essa lógica serve para criticar muitos tipos de intervenção do governo no comércio, como o protecionismo defendido pelos mercantilistas da época. Se a produção doméstica pode ser feita tão barata quanto a estrangeira, então a regulação é inútil, e caso não possa, ela será ineficiente. Todo pai de família compreende essa máxima, de não tentar fazer em casa aquilo que custará mais do que comprar de fora. Através da “mão invisível” da economia, cada um irá investir na indústria onde possa receber os melhores retornos, onde exista vantagem comparativa, e o resultado geral tende a ser maior.

A lógica serve para derrubar também os argumentos dos defensores de um grande planejamento central, que deposita numa suposta clarividência de poucos o destino da nação. Quando a mão visível do Estado destrói a “mão invisível” do livre mercado, o progresso acaba enterrado também.

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