terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

PEQUENA LIÇÃO DE LIBERDADE


“Gostaria que as pessoas em meu país pudessem fazer o mesmo e tivessem essa mesma liberdade para se manifestar” (Yoani Sánchez blogueira Cubana sobre as manifestação que recebeu em sua chegada no Brasil)

Editorial ZH (19.02.2013)

Foi emblemática a reação da blogueira e dissidente política Yoani Sánchez ao desembarcar no Brasil e ser recebida por manifestantes favoráveis ao regime cubano, que gritaram palavras hostis e lançaram dólares falsos na sua direção. Com a mesma serenidade com que recebeu a permissão para sair de Cuba depois de 20 tentativas frustradas, ela comentou: “Gostaria que as pessoas em meu país pudessem fazer o mesmo e tivessem essa mesma liberdade para se manifestar”. Goste-se ou não do que ela faz e representa, é inquestionável que seu comentário contém uma pequena lição de liberdade, além de ser um tapa de luvas no autoritarismo de quem se julga detentor da verdade única.

O direito de livre manifestação e o direito de ir e vir são princípios basilares da democracia. Ao negar essas prerrogativas a seus cidadãos durante tantos anos, o socialismo cubano comprometeu até mesmo avanços sociais inegáveis, como a oferta de educação e de um sistema qualificado de saúde a todos os cidadãos do país. Crítica implacável do regime de Fidel Castro e de seu sucessor Raúl Castro, a jornalista Yoani Sánchez conquistou prêmios internacionais por suas publicações no blog Generación Y, que mantém desde abril de 2007. A tecnologia e o acesso à rede mundial de computadores deram amplitude à sua luta por abertura política. Embora o regime tenha imposto um filtro que impede o acesso do blog por cidadãos cubanos, os textos de Yoani já são traduzidos para 15 países e representam um contraponto para a imprensa oficial.

A pressão externa teve efeito sobre o governo cubano, que começou a afrouxar as restrições para seus cidadãos saírem da Ilha. Desde janeiro último, como parte da chamada reforma migratória, os cubanos não precisam mais de uma carta-convite de parentes ou amigos residentes no Exterior para justificar suas viagens. Neste novo cenário, Yoani conseguiu o visto de saída e começou esta semana um roteiro que inclui, além do Brasil, Argentina, Chile, México e vários países europeus. Ao chegar a Recife, ela enfrentou a primeira manifestação por parte de um grupo de socialistas que leram uma carta aberta, acusando-a de pregar a desinformação e de fazer campanha anti-Cuba em seu blog. Em Salvador, cerca de duas dezenas de pessoas ligadas a ONGs de esquerda também a hostilizaram. Sua resposta elegante repete a frase célebre de um dos maiores poetas da terra que visita, o inesquecível Vinicius de Moraes: “O destino do homem é a liberdade”.

A viagem de Yoani Sánchez tem este significado para ela e para Cuba. Não representa apenas um questionamento do regime, mas também, e principalmente, a possibilidade de uma abertura irreversível que beneficiará todos os cubanos e facilitará as relações do país com as demais nações. É uma viagem para a liberdade e, como disse Albert Camus, liberdade é sempre a possibilidade de ser melhor.

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