"Os espertos reinventaram a história do País. Prometeram redimir os miseráveis, mitigar a violência, educar os panacas, fornecer-lhes iogurte e caviar. Os espertos ficaram bem populares. E os panacas pareciam estar bem contentes com os espertos populares."
Por Fábio Pannunzio
Era uma vez um reino de panacas com
um governo muito esperto.
Os espertos, desde que o primeiro
deles se instalou no lugar, pintavam e bordavam. Porque o povo era panaca.
Assim, os governantes primeiro
distribuíram miçangas, depois espelhinhos, radinhos de pilha para os panacas
ouvirem a Copa de 70. E aí vieram as bolsas.
Estatizou-se algo que os próprias
espertos coloniais não suportavam mais ao tempo da proclamação de Independência,
da República, do Estado Novo, da República Nova, depois da Nova República.
Estatizaram o coronelismo.
Foi quando apareceram uns sujeitos
mais espertos ainda dizendo que iriam tirar o povo da condição de panacas.
Os espertos reinventaram a história
do País. Prometeram redimir os miseráveis, mitigar a violência, educar os
panacas, fornecer-lhes iogurte e caviar.
Os espertos ficaram bem
populares. E os panacas pareciam estar bem contentes com os espertos
populares.
Um belo dia, passados dez anos e meio
do advento dessa nova casta de espertos, ouviu-se um ruído de mar revolto. Uma
pequena tormenta, anunciada por relâmpagos e trovões que soavam como o
espocar de bombas e tiros de escopetas que disparam balas de borracha.
Os panacas ficaram inquietos. Não
gostaram de ver seus filhos apanhar no meio da rua como se fossem cachorros sem
dono.
Resolveram sair de casa. Todos ao
mesmo tempo. Veio o tsunami.
As ruas, praças e avenidas ficaram
repletas de panacas. Eles gritavam hinos de estádio de futebol. Não sabiam
fazer discursos e por isso não discursaram.
Nunca haviam frequentado convescotes
sindicais, nunca tinham ido a uma reunião de partido. Nem a uma
assembleia de condomínio.
Eram panacas destreinados, mas
determinados a ponto de entender que bombas de efeito (i)moral e balas de
borracha machucam, mas não matam. Alguns foram tacar pedra na política.
O eco dos trovões que acompanharam o
tsunami correu o mundo.
Os espertos, acuados pela gritaria,
começaram a se coçar. Reduziram o preço do transporte, criaram novas leis,
mostraram que não estavam aí para brincadeira.
A chefe dos espertos disse que estava
ouvindo o rugido dos panacas enfurecidos. Mas eles disseram “chega de pensar
que somos panacas”. E ela entendeu “agora nós queremos ser tratados como babacas”.
Serviu-lhes uma consulta popular que
ninguém pediu e, na sobremesa, uma constituinte exclusiva.
Os panacas voltaram para casa. E os
espertos, achando que agora eles todos eram babacas, voltaram a usar
jatões e jatinhos dos panacas para seus regabofes particulares.
O reino ficou dividido, pensaram.
Quando tudo ficou quieto e calmo, os
espertos passaram a achar que metade dos súditos era panaca, metade era babaca.
Só quem não mudou foram os espertos,
que continuaram sendo os mesmos de sempre.
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