De nada adianta rugir feito um leão nas ruas, e depois votar como um burro nas urnas.
Por Rodrigo Constantino (O Globo)
Motivo para revolta é o que não
falta. Aquele
cenário maravilhoso que o governo pintava não existe. Nossos
pilares são de areia, e o inverno está chegando. O
descaso com a população por parte das autoridades é enorme, as prioridades são
todas desvirtuadas, e o rumo precisa mudar radicalmente.
Mas confesso não compartilhar da
euforia que tomou as ruas das principais capitais do país. Há uma
insatisfação generalizada e difusa, sem foco. Não adianta ser contra “tudo que está
aí”. É preciso compreender melhor o que nos trouxe a esse quadro, e como mudá-lo. Temos
que gerar mais luz e menos calor.
Além da grande cacofonia nas
ruas, cada um com uma demanda diferente, há grupos radicais de esquerda
tentando se apropriar dos protestos. Afinal, isso é o que eles sempre
fizeram: incitar as massas e criar baderna. Separar o joio do trigo é crucial.
Vândalos devem ser contidos, saques e agressões aos policiais devem ser
reprimidos com todo o rigor da lei. Manter a ordem é fundamental.
O clima anárquico só interessa
aos golpistas de plantão. Uma
turba descontrolada é um convite a uma intervenção estatal rigorosa. A
Revolução Francesa sofreu desse mal, levando ao Terror de Robespierre, e depois
à ditadura de Napoleão. Maio de
68 foi outro exemplo de caos produzido pela juventude entorpecida por utopias
revolucionárias.
Consigo entender perfeitamente o
desespero de muitos, cansados de nossa política podre, da ausência de
alternativas sérias, da impunidade, do transporte caótico, a saúde pública em
frangalhos. Tudo
isso é totalmente legítimo. Mas precisamos canalizar essa energia toda para
forças construtivas, e não destrutivas.
Sou bastante crítico a este
governo. Meu julgamento da era petista é o pior possível. Nunca
antes na história deste país se viu tantas trapalhadas conjuntas, tanta
incompetência, tanta mediocridade e safadeza. O PT
segregou o país, comprou votos com esmolas estatais, aparelhou a máquina do
Estado e demonstra forte viés autoritário.
Estamos pagando um alto preço por
essa inoperância, agora que os ventos externos pararam de soprar na nossa
direção. Dilma
não fez uma única reforma estrutural importante, exagerou no populismo e
permitiu inclusive a volta da alta inflação. Meu veredicto é o mais duro possível
contra a presidente e sua equipe.
Dito isso, não consigo mergulhar
com muito otimismo nas manifestações das ruas, até porque tenho sérias dúvidas
se este é também o diagnóstico dessas pessoas. Muita
gente acaba demandando mais intervencionismo estatal como solução. Querem
mais do veneno! Bandeiras demagógicas, como “passe livre”, também abundam. Esse,
definitivamente, não é o caminho.
O que fazer então? Sei que a
nossa democracia é muito falha. Quem pode ficar feliz com esse
Congresso? Mas não acredito muito em revoluções populares, que costumam sair do
controle. Prefiro
apostar na evolução de nossas instituições, hoje capengas e ameaçadas. Precisamos
lutar dentro da própria democracia, com as armas da legalidade, respeitando o
império das leis.
Essa via leva mais tempo, tem
solavancos, exige concessões, demanda paciência, aquela que está prestes a se
esgotar. Mas ela
é mais sólida, mais sustentável, mais pacífica. O
principal valor da democracia representativa não está em suas “fantásticas” escolhas
(Lula?), mas em sua capacidade de eliminar grandes erros de
forma pacífica.
Conquistamos a duras penas o
regime democrático, e criamos algumas instituições republicanas importantes,
como a liberdade de imprensa e a independência dos poderes. Não foi
no ritmo que desejávamos, tampouco da qualidade que almejamos. Mas
precisamos preservá-las. Hoje mais do que nunca, justamente porque elas estão
em xeque, sob constante ataque de minorias organizadas e barulhentas.
Nenhum partido atual representa
minha visão liberal de país. São todos eles intervencionistas,
depositando no Estado um papel demasiado de controle sobre nossas vidas e
recursos. Mas nem
por isso penso que a solução é uma espécie de “revolução apartidária”. Em
política não há vácuo; ele logo é preenchido por alguém. Que não
seja um aventureiro, um “messias” salvador da Pátria. Ou
salvadora.
Eis minha sugestão aos
brasileiros cansados dessa situação: indignai-vos, mas nas urnas! Não
será a escolha ideal, mas o ideal existe somente em nossas ilusões. E elas
são perigosas quando passamos a acreditar que são viáveis.Façamos aquilo que for possível, mantendo nossa
frágil, porém necessária democracia. De nada adianta rugir feito um leão
nas ruas, e depois votar como um burro nas urnas.
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