sábado, 7 de março de 2015

Os verdadeiros inimigos

Nas democracias representativas sólidas, os papéis estão bem definidos: você escolhe seus representantes e confia neles. Se eles traírem sua confiança, você tem várias alternativas de reação, desde a troca de representantes na eleição seguinte até ações judiciais, passando por protestos públicos para constrangê-los imediatamente. (..) Já a democracia participativa é um engodo. Porque a maioria das pessoas não participa da democracia participativa. A maioria das pessoas não quer ir a conselhos, reuniões e plenárias. A maioria das pessoas quer cuidar dos seus assuntos particulares e deixar que os assuntos públicos sejam resolvidos pelos seus representantes.

Por David Coimbra (Zero Hora 7/3/2015)

O líder não é líder porque manda; é líder porque decide. As pessoas não gostam de tomar decisões. Você quer fazer o seu filho sofrer? Dê a ele o direito de escolha. É uma crueldade. Criança não tem de escolher coisa alguma. Nem quer, mesmo que diga que quer. A obrigação dos pais é decidir por ela.

Você vai sair com uma mulher e pretende impressioná-la? Escolha você o restaurante, a refeição, o vinho e até a sobremesa. Claro, avise-a antes, para que ela não emburre, achando que você é autoritário:

– Vou pedir algo que você vai adorar, está bem, sal da terra, luz dos meus dias?

Ela vai ronronar e, no escaninho mais escondido da sua alma, cintilará a seguinte percepção: esse cara sabe o que faz.

É essa a imagem que passa aquele que toma decisões: de que sabe o que faz.

Donde, o sucesso da democracia representativa. Na democracia representativa, você decide quem tomará decisões por você. Tudo está contentado: a sua autonomia e a sua preguiça. Essa é a forma mais inteligente, embora nem sempre seja a mais eficiente, de fazer funcionar uma grande coletividade.

Nas democracias representativas sólidas, os papéis estão bem definidos: você escolhe seus representantes e confia neles. Se eles traírem sua confiança, você tem várias alternativas de reação, desde a troca de representantes na eleição seguinte até ações judiciais, passando por protestos públicos para constrangê-los imediatamente. Mas, para reagir, você tem de saber o que está acontecendo. Por isso, a maneira mais fluida de fazer a democracia funcionar é vigiar as ações dos seus representantes.

Já a democracia participativa é um engodo. Porque a maioria das pessoas não participa da democracia participativa. A maioria das pessoas não quer ir a conselhos, reuniões e plenárias. A maioria das pessoas quer cuidar dos seus assuntos particulares e deixar que os assuntos públicos sejam resolvidos pelos seus representantes.

A atual crise política brasileira não é uma crise da democracia representativa: é uma crise de governo. Foi esse governo que cedeu à tentação de corromper e de ser corrompido. Os parlamentares envolvidos usaram o governo e foram usados por ele. Foi uma simbiose de parasitas.

A democracia representativa, ao contrário do que os governistas querem fazer crer, é o remédio para sanar esses males. É o Congresso Nacional, sujeito às pressões da sociedade indignada, que fará com que o sistema brasileiro seja aperfeiçoado, e não um governo semi-imperial, que até agora não foi capaz sequer de fazer uma autocrítica.

Este é o momento de o homem comum cobrar dos seus representantes, mas não o momento de questionar o sistema de representação. Este é o momento de glória do sistema, porque você só poderá cobrar de seus representantes se houver representantes a serem cobrados. Cuidado, portanto, com os inimigos do Congresso. Eles são os inimigos da democracia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário