sábado, 26 de janeiro de 2013

Cuidado! Uma ONG pretende estatizar seus filhos porque acha que você é idiota demais para educá-los


(..) Essa história da colher de mingau com “olha o aviãozinho”, leitor amigo, é uma forma de perverter as crianças. (..) suspeito que, se aprovados (leis que restriguem propagandas infantis), o Kinder Ovo terá de sumir das prateleiras do estado, e os ovos de Páscoa serão recheados com trechos dos diários de Che Guevara…

Agradeço o esforço do Alana, tão preocupado com a gente e com nossos filhos. Mas que vá vender sua cantilena autoritária em outra freguesia. Quem lhe conferiu licença para ser polícia da publicidade, de nossa consciência e de nossos lares? Por que não troca sua obsessão autoritária por uma criança pobre?

Por Reinaldo Azevedo

Já escrevi alguns textos tratando dos delírios totalitários de uma ONG chamada Instituto Alana, que se propõe a defender os direitos da criança. Se há coisa que não falta no país, como se sabe, é infante maltratado. A Alana, no entanto, não parece especialmente preocupada com a criança de rua, com a precariedade das escolas, com o trabalho infantil e tal. Nada disso! Sua obsessão é impedir que o capitalismo perverta a mente dos inocentes, incitando-os ao consumo irresponsável, o que poderia ser prejudicial à sua saúde. Huuummm…

A entidade está há muito tempo numa cruzada que busca, vejam que mimo!, proibir a veiculação de publicidade de alimentos “pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio no rádio e na TV” entre as 6h e as 21h. Só isso! Assim, nesse intervalo, só poderiam ser veiculados anúncios de espinafre, abobrinha, ricota e, creio, óleo de fígado de bacalhau, que me rendeu, na infância, golfadas épicas. Eu tinha bronquite, e alguém assegurou que a Emulsão Scott “fortalecia os pulmões”… O rótulo continua o mesmo. É o único bacalhau com cabeça que se conhece no mundo…

Mas atenção! Nada de dar um brinquedinho para estimular a criança a tomar aquele troço. A Alana também é contra porque seria antiético associar o regalo ao alimento. Essa história da colher de mingau com “olha o aviãozinho”, leitor amigo, é uma forma de perverter as crianças.

A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou dois projetos de lei que fazem justamente isto: um restringe a propaganda nos alimentos pobres em nutrientes, e outro proíbe os brindes — suspeito que, se aprovados, o Kinder Ovo terá de sumir das prateleiras do estado, e os ovos de Páscoa serão recheados com trechos dos diários de Che Guevara…

Ontem, representantes da Alana estiveram no Palácio dos Bandeirantes para pedir que o governador Geraldo Alckmin sancione as duas leis — o que, obviamente, ele não pode fazer porque se trata de duas flagrantes inconstitucionalidades. A regulação da propaganda é de competência federal. Foram recebidos pelo secretário estadual da Casa Civil, Edson Aparecido. Leio na Folha o que diz o secretário:
“A equipe técnica ouve todo mundo, e tem que ter uma análise constitucional, jurídica. Colocamos toda a equipe para analisar, ver o que aconteceu em outros Estados e países. O mais importante é que o governo se abriu pra debater a matéria”.

Entendo a fala de Aparecido, especialmente nestes tempos em que há tantas pessoas querendo ajudar a velhinha a atravessar a rua, ainda que ela não queira… Mas noto que nem toda matéria é passível de debate, especialmente aquelas que afrontam de maneira tão flagrante a Constituição. O Artigo 220 da Carta é claro como a luz do dia — reproduzo em azul:
A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(…)
§ 3º – Compete à lei federal:
I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º – A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

Retomo
As leis aprovadas pela Assembleia Legislativa são inconstitucionais, e chega a ser ridículo que o Alana vá ao Palácio dos Bandeirantes reivindicar que o governador jogue a Constituição no lixo.

E há, obviamente, a questão de mérito. Entregue o país para ser governado por engenheiros segundo os fundamentos da engenharia, e teremos uma ditadura. Entregue o país para ser governado por médicos segundo os fundamentos da medicina, e teremos uma ditadura. Entregue o país para ser governado por jornalistas segundo os fundamentos do jornalismo, e teremos uma ditadura… Felizmente, o gênio humano criou — vejam que coisa! — a política e os políticos, que representam, nas democracias, uma média e um equilíbrio das vontades.

As duas leis aprovadas na Assembleia e o Alana estão querendo estatizar as nossas crianças, tirando dos pais o poder e o direito de decidir o que seus filhos veem ou não na televisão. Mais ainda: cabe a eles decidir o que compram ou não para suas crianças. Não precisamos de um estado babá para cuidar desses assuntos. Uma coisa é reivindicar, e eu apoio, que os produtos tragam de forma visível, em letra legível, a sua composição, teor de gordura, de açúcar, de sódio etc. Outra, distinta, é o poder público atuar como censor.

Fiquem atentos: os mesmos “progressistas” que tratam com simpatia a censura à propaganda de biscoito costumam defender a descriminação das drogas.  Ainda vamos liberar a venda de maconha e proibir a de chocolate…

Encerrando
Se a proposta do Alana um dia virasse uma lei federal — e todo cuidado é pouco —, a própria liberdade de expressão estaria em risco. Por que não proibir a propaganda de produtos poluidores como os carros, por exemplo? Ou dos que exploram a “usura”, como os bancos? Ou dos que investem no medo do futuro — os planos de previdência e seguro-saúde? Depois de algum tempo, restaria só a propaganda oficial. Seria a morte da liberdade de opinião e de expressão. É a publicidade que financia a pluralidade da imprensa. Não por acaso, veículos que dependem de estatais para sobreviver rastejam por aí a sua subserviência.

Isso tudo é tara autoritária. É saudável que se discuta, sim, a ética na publicidade — para crianças ou adultos. Mas não precisamos do Alana ou do estado como babás. As famílias cuidam de seus respectivos filhos, e a sociedade cobra do setor publicitário a autorregulação.

Agradeço o esforço do Alana, tão preocupado com a gente e com nossos filhos. Mas que vá vender sua cantilena autoritária em outra freguesia. Quem lhe conferiu licença para ser polícia da publicidade, de nossa consciência e de nossos lares? Por que não troca sua obsessão autoritária por uma criança pobre?



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