quinta-feira, 26 de abril de 2012

A felicidade não existe, o que há são alguns momentos de alegrias.

Diante da miséria que o habita, você se reconstrói a partir de um mito individual, para poder se suportar um pouco mais. Suas ilusões são mecanismos para você continuar se enganando frente a espelhos viciados de um amor narcísico. 


Dr. José Nazar *

Felicidade, isso não existe! As religiões, as neuroses, as drogas, os bens materiais em excesso, tudo isso são artifícios para que você possa continuar vivendo às custas do esquecimento de uma dor, que é própria de sua vida. Desde que nasce, o ser humano é marcado por uma fratura, aquela que é sua marca originária e que ditará sua maneira particular na vida.
Isso lhe causa horror e, por isso, você se defende alimentando-se de amargas ilusões.
Qual é o seu grande medo? Você não quer saber que a morte é real! Por isso mesmo, você se arma, se engana, constrói roupagens para se proteger do medo que esse encontro poderia lhe causar. Isso dificulta sua relação com o desejo.
A realidade é traumática demais. Você utiliza, como proteção, toda sorte de fantasias. Frente ao vazio da existência, você responde a partir de suas fraturas internas, suas crenças excessivas, seus sintomas, suas angústias, suas feridas internas.
Por mais que corra de si mesmo, se refugiando no casulo de seu espelho narcísico, você será marcado por uma divisão na alma, no mais íntimo de seu ser.
A única saída para o humano é tentar se reconciliar com as perdas operadas na vida e procurar aproximar-se de seu desejo, reduzindo danos.
Diante da miséria que o habita, você se reconstrói a partir de um mito individual, para poder se suportar um pouco mais. Suas ilusões são mecanismos para você continuar se enganando frente a espelhos viciados de um amor narcísico. Você foge de quê?
O ser humano é feito de fraturas, de altos e baixos, alegrias e tristezas, sucessos e fracassos. Desde que nasce, ele já carrega uma nuvem de sentimentos alternantes, numa verdadeira bi-polaridade. Isso tem a ver com a historicidade familiar de cada um, seus traumas que determinam lembranças agradáveis e ou desagradáveis.
Você tem como saída possível refletir sobre si mesmo, para tornar sua vida menos pior. Pode ser que seja bem sucedido e viva melhor, pode acontecer que você sucumba às suas próprias emoções desconhecidas, e isso leva ao pior!
No aqui e agora ou num futuro próximo, você vai se defrontar com a mordida do lobo. Ninguém escapa da mordida do lobo, que são as fraturas da vida! Isso é certo e seguro. Todo e qualquer ser humano carrega, no mais íntimo de seu ser, uma perda, que é vivida como uma mordida, um arranchamento das garantias e certezas. Somos doentes por natureza, o que permite fazer história. O problema é saber se a fratura é interna ou externa, encoberta ou a céu aberto. Eis a questão! A escolha desse título é intencional, porta um duplo sentido. Por um lado diz que todo ser humano é fraturado e, por outro, aponta para a seguinte questão: a vida encontra sua possibilidade a partir de um corte na carne do sujeito, que o traumatiza. No entanto, estas mesmas fraturas lhe dão vida. Mas, o que é que fratura? São os ditos dos pais, suas boas ou más palavras, isto é, tanto as ditas quanto as silenciadas.
É isso que a psicanálise veio demonstrar: o ser humano é descentrado dele mesmo, o sexo é traumático e, por isso, gera fraturas que não permitem a você estar em paz consigo mesmo e com seus semelhantes. A felicidade não existe... o que há são alguns momentos de alegrias.
O sujeito humano não quer aquilo que deseja. Essa é sua depressão fundamental, a fratura não lhe permite estar em paz, nem consigo nem com o outro!

* José Nazar é psiquiatra e psicanalista (Escola Lacaniana de Psicanálise).

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