domingo, 29 de junho de 2014

“Nosso Brasil dos sonhos Ainda vai demorar”

Além disso, também herdamos uma concentração centralizada e autoritária do Estado, uma pequena elite tutela todo o resto, essa grande geleia geral social instável e perigosa. (..)

O Brasil também tem uma outra característica: o messianismo, o salvador que entrará no poder e resolverá tudo.(..)
 Se, por um lado, o Bolsa Família é um esforço muito bom de corrigir um passivo histórico de distribuição de renda, por outro é quase uma reprodução à esquerda de um clientelismo que os coronéis nordestinos faziam no passado, criando viveiros eleitorais.

“Nosso Brasil dos sonhos Ainda vai demorar”

Abandonar uma carreira de sucesso, depois dos 50 anos, para realizar um sonho juvenil pode ser uma aventura arriscada, mas recompensadora. Laurentino Gomes sabe bem disso. Depois de mais de duas décadas trabalhando na editora Abril, o jornalista deixou o cargo de diretor superintendente para se consagrar como escritor. Abordando a história brasileira de modo envolvente, seus livros contrabalançam narrativas e análises históricas com momentos pitorescos de figuras proeminentes do passado. Sua trilogia de livros 1808, 1822 e 1889 já vendeu mais de 2 milhões de exemplares desde 2007. Os dois primeiros levaram o título de Livro do Ano de Não Ficção no Prêmio Jabuti de 2008 e 2011, uma das mais tradicionais láureas da literatura brasileira. Aos 58 anos, o escritor paranaense, filho de agricultores, mantém suas pesquisas sobre o passado do país em busca de referências para seu próximo livro. ZH conversou com Laurentino na Feira do Livro de Canoas, que trouxe o autor ao Estado. Nesta entrevista, analisa diferentes facetas do modo de ser do brasileiro sob uma perspectiva histórica, aponta desafios da democracia e conta como foi a transição pessoal de jornalista para escritor best-seller.

Como explicar a identidade do brasileiro com base em nosso passado?

Especialmente nessas três datas com as quais trabalho em meus livros, 1808, 1822 e 1889, tenho observado muitas das características do Brasil de hoje, como se fosse nosso DNA. Quando a corte portuguesa chegou ao país, em 1808, encontrou um oceano de pobreza, analfabetismo, escravidão, concentração de riquezas, rivalidades locais... Os portugueses receberam a incumbência de ocupar um território 91 vezes maior que a pequenina metrópole portuguesa e o fizeram distribuindo grandes quantidades de terra a quem se dispunha a vir para cá, mantendo a população na ignorância e importando mão de obra escrava. Gente aventureira, exploração de matérias-primas e escravos: essa é a base constitutiva do Brasil Colônia. É interessante observar que, após a chegada da corte, um personagem como José Bonifácio de Andrada e Silva, faz uma observação curiosa em carta a um amigo: “Amálgama muito difícil será a liga de metal tão heterogêneo num corpo sólido e político”. Ele está dizendo: como vamos construir um país com essa matéria-prima?

Bem diferente do que se viu nos Estados Unidos, então colônia inglesa.

Quando D. João chegou aqui, não existia sociedade civil, como havia na América inglesa, uma sociedade altamente alfabetizada, protestante, com senso de participação comunitária, que rompe com a Inglaterra e constrói o Estado de baixo para cima, em forma de democracia republicana. No Brasil, existia um oceano de não cidadãos e uma pequena elite, de 10 a 15 mil pessoas, que chega de Portugal e começa a construção do Estado de cima para baixo: abre os portos, cria escolas de Medicina, imprensa régia, academia militar... Embaixo disso, uma geleia geral social. O Brasil era um experimento muito instável, que ameaçava fugir do controle. Diante do perigo de guerra civil que poderia fragmentar o país e ameaçar o status quo ao armar os escravos, a elite brasileira optou por um caminho conservador: manter a monarquia portuguesa, que faz a independência. Ou seja, o Brasil rompe vínculos com Portugal, mas deixa a ordem social inalterada: escravidão, analfabetismo, latifúndio. Tanto é que o Brasil é o último país da América a abolir o tráfico negreiro e a escravidão. Na época da independência, a América espanhola tinha 22 universidades, já a primeira universidade brasileira é de 1912, 90 anos mais tarde. Com isso, o Brasil vai acumulando passivos históricos.

Que passivos são esses?

Em primeiro lugar, a falta de prioridade com a educação e o analfabetismo. Até meados do século 20, 50% da população era analfabeta. Em segundo lugar, a grande concentração de propriedade, uma coisa que até hoje se discute, embora acredite que não faça mais sentido fazer reforma agrária, tinha que fazer no século 19. Um terceiro ponto é a criação de uma enorme faixa da população de não cidadãos, que eram os escravos, gente que não contava nem nas estatísticas. Além disso, também herdamos uma concentração centralizada e autoritária do Estado, uma pequena elite tutela todo o resto, essa grande geleia geral social instável e perigosa. Outra coisa importante: Joaquim Nabuco observou com precisão que a escravidão corrompeu toda a nossa forma de ser, fez com que o brasileiro desprezasse o trabalho, porque quem trabalhava era o escravo. E a escravidão também corrompeu o modo como nós olhamos para nós mesmos, como se um brasileiro pudesse se sentir superior diante dos outros. Também acredito que a herança monárquica no Brasil é historicamente mais forte que a republicana, ou seja, o brasileiro, mesmo em ambiente republicano, mantém uma certa perspectiva monárquica do poder.

Como essa perspectiva se manifesta?

É o brasileiro que não participa de sindicatos, comunidades de bairro, partidos políticos, reuniões de pais na escola... Não participa nem da assembleia do condomínio onde mora, mas espera muito do Estado! É essa perspectiva de esperar tudo de um pai, um soberano que irá nos prover tudo. Isso se dá porque, no passado, o brasileiro não foi chamado nem autorizado a participar da construção das instituições e da própria identidade nacional. É comum estar em uma mesa de bar e ouvir um brasileiro dizer que em Brasília todo mundo é corrupto, que tem que fechar o congresso e chamar um ditador, ou um imperador. Ainda tem muito monarquista no Brasil. Mas, em suas relações privadas, a mesma pessoa fura fila, joga lixo na rua, anda pelo acostamento e corrompe o agente público sempre que é da sua conveniência. E isso não se dá apenas com o brasileiro pobre, com o analfabeto funcional, também age assim o empresário que corrompe e sonega impostos.

Nesse contexto, como interpretar as manifestações de junho passado?

Como não estávamos habituados a exercer democracia plena, nós alimentamos algumas ilusões, até porque o Brasil também tem uma outra característica: o messianismo, o salvador que entrará no poder e resolverá tudo. Isso tem relação com o sebastianismo português. É interessante que, na redemocratização, em 1984, esse sebastianismo aflora muito rapidamente na ideia de que bastariam alguns anos de democracia para que todos os nossos problemas se resolvessem. E principalmente que a gente poderia contar com alguns salvadores da pátria, como o Collor, líder dos descamisados; o FHC, homem que doma a inflação; o Lula, pai dos pobres; a Dilma, mãe do Bolsa Família... Acho que hoje o Brasil está em uma espécie de estado de choque cívico. Por que está demorando tanto para resolvermos nossos problemas? Por que a corrupção ainda continua? Por que a violência é cada vez maior? Onde estão as fórmulas mágicas? Por que as fórmulas nas quais apostamos não deram tão certo? Tem uma certa frustração no ar.

É comparável à frustração de um adolescente chegando à idade adulta?

Sim, é a ideia de que somos um gigante adormecido que vai acordar e virar um país de primeiro mundo. Acho que está ocorrendo algo muito saudável, o Brasil está pela primeira vez se olhando no espelho e perguntando “quem sou eu?”, “quem vai resolver meus problemas?”. Numa sociedade republicana e democrática, não é um rei ou o ditador quem resolve as coisas, é a sociedade organizada. O nosso desafio é assumir a República que a gente proclamou em 1984 (ele se refere às Diretas Já) e referendou por plebiscito em 1993 (os eleitores escolheram o modelo de república presidencialista). Acho que as manifestações são um sinal de vitalidade da nossa democracia, mas levantam algumas questões complicadas: democracia não se faz no grito, e sim nas práticas diárias nas escolas, nas empresas, nas ONGs, nos partidos políticos, nos sindicatos, nas urnas... Esse aspecto ainda não foi percebido pelo brasileiro, que vai bonitão pra rua como cara-pintada.

Mas há uma frustração real.

Há também uma parte dos jovens que está frustrada, que é abusada diariamente com ônibus ruim, metrô que atrasa, polícia que dá geral nele quase todo dia... Na hora de fazer manifestação, esse jovem pensa “agora, aqui é uma Suíça”, aí quebra tudo, arrebenta, não quer nem saber. Mas democracia não se faz com quebra-quebra. Como o regime militar reprimiu demais, perseguiu inimigos, torturou e matou, hoje estamos muito tolerantes com a violência, com o banditismo e com o quebra-quebra. Não se pode deixar pessoas quebrarem o patrimônio público ou privado com o falso argumento de que estão se manifestando democraticamente. As manifestações estão confrontando as instituições brasileiras democráticas e a capacidade do Estado de, ao mesmo tempo em que assegura o direito à liberdade de expressão, impedir que um grupo minoritário imponha sua vontade pela violência.

E como o senhor viu os protestos em relação à Copa do Mundo?

É uma coisa saudável para a democracia, estamos confrontando nossos próprios demônios. Esse negócio de querer ter hospitais, escola e serviços público padrão Fifa... Se somos capazes de fazer estádios tão bons, coisa que aparentemente não somos (risos), por que não também serviços públicos de qualidade? É uma questão de prioridade nacional, de onde colocar nossos escassos recursos. Essa é uma discussão que o futebol está levantando. Agora, também está muito claro que a construção do Brasil dos nossos sonhos vai demorar mais do que a gente imagina, porque envolve mudanças de natureza cultural. Eu diria que jamais você vai ter em Brasília um Estado muito mais ou muito menos corrupto e ineficiente do que a média da sociedade brasileira. O que está em Brasília é a média do que somos. Se quisermos ter um Estado melhor do que temos, teremos que qualificar a sociedade pela educação e cultura. Meus netos e bisnetos não verão isso. Quem sabe daqui a 100 ou 200 anos seja assim.

Depois de uma carreira como jornalista, o senhor pediu demissão para se dedicar à literatura num país em que poucos escritores vivem de seus livros. Como foi esse momento de mudança?

Durante mais de 30 anos, fui repórter de redação de jornal e revista. Ali aprendi o que faço hoje. Às vezes me dizem que mudei de profissão, que hoje sou escritor ou historiador. Não, sou um jornalista. Só mudei de formato. Antes, fazia jornal ou revista. Hoje, faço livro-reportagem. Tudo ocorreu por coincidência. Em 1997, eu trabalhava na Veja, e havia um projeto de uma série sobre história do Brasil para ser distribuída para assinantes. Fiquei encarregado de coordenar uma equipe de pesquisa, mas o projeto foi cancelado. Resolvi continuar e radicalizar. Aí nasceu o livro 1808, em 2007. Acho que o jornalista deve combinar profundidade de pesquisa com linguagem simples, didática. Mas também é preciso ter senso de oportunidade. E era a véspera dos 200 anos da chegada da corte. Mesmo assim, fui surpreendido pelo interesse do Brasil em história, nunca sonhei que meu livro iria se tornar um best-seller. Aí, fui confrontado com a minha criatura, o autor não fica imune ao destino do livro que escreve. Tive que pedir demissão, coisa que não imaginava. Meu chefe disse: “Você está doido” (risos).

Nas palestras e encontros literários de que participa, o senhor tem a chance de conhecer as profundezas do Brasil. Como tem visto este país além dos grandes centros urbanos?

É um Brasil multifacetado, com realidades regionais que continuam muito distantes entre si, que está passando por um processo de transformação muito grande e, principalmente, um processo de reflexão muito intenso. É uma semente que está germinando em silêncio, e é muito boa. É uma maratona rodar esse país de proporções continentais, mas me sinto animado, mesmo percebendo que temos dificuldades enormes a enfrentar. No Piauí, por exemplo, percebi que há uma grande parcela da população que vive do Bolsa Família, e lá a Dilma tem uma popularidade enorme, maior do que no Sul e Sudeste do Brasil. Aí você vê duas faces da mesma moeda: se, por um lado, o Bolsa Família é um esforço muito bom de corrigir um passivo histórico de distribuição de renda, por outro é quase uma reprodução à esquerda de um clientelismo que os coronéis nordestinos faziam no passado, criando viveiros eleitorais.

O senhor também passou, em 2012, pela experiência de morar nos EUA, quando pesquisava para o livro 1989. Como foi esse mergulho na sociedade americana?


Minha esposa foi estudar inglês, e eu pude acessar a Biblioteca Oliveira Lima, que fica em Washington. É um acervo de 40 mil documentos, que tem muita coisa sobre a república e o império. E também é interessante observar os próprios norte-americanos. Você vê que é uma sociedade muito organizada e tem uma identidade muito forte em relação ao passado, seus fundadores, os símbolos nacionais, como eles carregam e vestem aquela bandeira. Aqui, como tivemos muitas rupturas, nossa referência do passado continua muito difusa, quem nós somos, de onde viemos. O brasileiro não se identifica com o país no dia a dia, só em momentos de catarse, como na morte do Ayrton Senna, no Carnaval, na Copa do Mundo... No cotidiano, é até uma certa vergonha usar uma bandeira do Brasil no carro. É um problema de identidade, de saber quem sou eu, quais os símbolos e as referências mitológicas que servem para mim, com as quais me identifico.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

O tempo passa, as sociedades evoluem, as ideias se renovam, mas há coisas que não mudam jamais: O ódio das esquerdas ao livre mercado

O rancor provocado pelo Walmart nos ungidos só pode estar ligado a um latente inconformismo com o fato de que ele consiga abastecer o mercado de forma eficiente, abundante e econômica, algo que as suas utopias socialistas jamais conseguiram. O êxito do WM está diretamente relacionado aos preços baixos que pratica, os quais beneficiam milhões de consumidores, especialmente de baixa renda. Estivessem os ungidos realmente em sintonia com os seus discursos e preocupados com os mais pobres, deveriam ser os primeiros a desejar-lhe vida longa e próspera. No entanto, o sucesso de empresas como esta representa um perigo real para todos aqueles que ainda insistem em enxergar o capitalismo como algo nocivo.

Por João Luiz Mauad (Ordem Livre)

O tempo passa, as sociedades evoluem, as ideias se renovam, mas há coisas que não mudam jamais. O ódio das esquerdas ao livre mercado, por exemplo, é uma delas. Esse ódio, entretanto, tem contornos extremamente contraditórios, pois parte daqueles que, pelo menos da boca para fora, se intitulam defensores dos fracos e dos oprimidos. Afinal, o capitalismo tem como principal virtude oferecer produtos e serviços de forma abundante e a preços accessíveis, transformando os consumidores de baixa-renda nos seus principais beneficiários.

Peguemos, por exemplo, a fúria dos ungidos¹ contra o Walmart. A acusação mais frequente a esse maldito conglomerado — que insiste em vender mais barato que a concorrência — é de que ele paga salários muito baixos aos seus empregados, além de não conceder certos benefícios extras, “exigidos” por sindicatos de trabalhadores. A ladainha é a mesma de sempre: o capitalista ganancioso explora o trabalhador indefeso, pagando-lhe salários injustos.

O que os ungidos nunca dizem é que a empresa da Família Walton costuma empregar muitos jovens, sem qualquer experiência profissional anterior, e idosos, que trabalham para complementar suas aposentadorias. “Esquecem” ainda que, se esses indivíduos não estivessem trabalhando para o Walmart, estariam provavelmente engordando os índices de desemprego, já que em qualquer país livre, como os EUA e outros onde o WM está instalado, ninguém pode obrigar os demais a trabalhar. Os contratos são atos voluntários entre as partes e, portanto, se existe gente interessada em vender serviços a um patrão ganancioso e malvado, é porque as alternativas certamente seriam piores. Porém, nada disso importa diante do indefectível argumento da exploração do trabalhador pelo bicho-papão capitalista, que dá origem à não menos famosa e estapafúrdia teoria da luta de classes, sofisma marxista subjacente à maioria das críticas ao processo capitalista.

A ciência econômica é, frequentemente, contraintuitiva (oposta ao senso comum) e, por isso, quase sempre mal compreendida pela maioria das pessoas (muito por culpa dos próprios economistas, que fazem questão de torná-la ininteligível para os reles mortais). A vanguarda do atraso se vale exatamente dessa dificuldade cognitiva para espalhar desinformação e, de quebra, todas as falácias que lhes interessam.

Ludwig Von Mises foi um dos economistas que fugiu à regra acima. No seu monumental Ação Humana, ele discute o tema do trabalho de forma brilhante e exaustiva, explicando detalhadamente como e porque a labuta só é preferível ao ócio (termo usado aqui no sentido de “não-trabalho”) até onde o produto daquela é mais urgentemente desejado do que satisfação gerada por este. O homem, ao considerar o esforço físico, mental ou psicológico do trabalho, avalia não somente se haveria um fim mais desejável para o emprego de suas energias, mas também, e não menos, se não seria mais conveniente e satisfatório abster-se dele. O ócio seria, portanto, “objeto da ação intencional do ser humano”, ou, nas palavras do autor, um “bem econômico de primeira ordem”, enquanto o trabalho é somente um dos meios utilizados para alcançá-lo.

Qualquer que seja o nível de renda, portanto, a maioria dos homens estará propensa a largar o trabalho no ponto em que não mais considere a sua utilidade como compensação suficiente para o desconforto gerado por ele. Por esse mesmo raciocínio, se houver alguém disposto a pagar para que não façamos nada, o produto do trabalho terá que ser bem mais alto e, consequentemente, compensador, para que nos disponhamos a abandonar o ócio remunerado (vide o resultado de programas como seguro-desemprego, Bolsa-Família e congêneres na oferta de mão-de-obra).

Esta lição simples é constantemente negligenciada pelos ungidos ao vomitar sobre nós os seus sofismas econômicos. Malgrado a fantasia marxista da “mais valia” já tenha sido sobejamente desmentida por inúmeros economistas, a imagem apresentada ao público continua sendo a de que as grandes corporações se beneficiam dos baixos salários pagos aos funcionários ou, em palavras mais exatas, que o capital é o grande vilão do trabalho.

Não é outra a razão por que essa gente é contrária a qualquer avanço econômico ou tecnológico. No passado, espernearam contra inovações que melhoraram muito a vida do ser humano em geral, como a linha de montagem e a mecanização industrial. Hoje, combatem a robótica, os computadores e tudo quanto possa aumentar a produtividade de um trabalhador. Aqui no Brasil, por exemplo, os ungidos lutam contra o agro-negócio e defendem a volta de uma extemporânea agricultura familiar.

O rancor provocado pelo Walmart nos ungidos só pode estar ligado a um latente inconformismo com o fato de que ele consiga abastecer o mercado de forma eficiente, abundante e econômica, algo que as suas utopias socialistas jamais conseguiram. O êxito do WM está diretamente relacionado aos preços baixos que pratica, os quais beneficiam milhões de consumidores, especialmente de baixa renda. Estivessem os ungidos realmente em sintonia com os seus discursos e preocupados com os mais pobres, deveriam ser os primeiros a desejar-lhe vida longa e próspera. No entanto, o sucesso de empresas como esta representa um perigo real para todos aqueles que ainda insistem em enxergar o capitalismo como algo nocivo.

Nota

[*] Uma gente que “acredita estar de posse de alguma sabedoria especial capaz de fazer do mundo um lugar melhor”. (Thomas Sowell, em The Vision of The Anointed: Self-Congratulation as a Basis for Social policy)

* Publicado originalmente em 26/08/2010.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Por que eles odeiam tanto a classe média

“A história do homem é a história da luta de classes” (Karl Marx)

Por João Luiz Mauad (Instituto Liberal)

Malgrado as mais contundentes demonstrações em contrário, os marxistas continuam não se dando por vencidos e insistem na existência de uma inexorável luta de classes, que terminará com a vitória final do proletariado e do modelo comunista.

Num famoso vídeo que se tornou viral na internet, a filósofa marxista Marilena Chaui destila toda a sua verve contra a existência e a progressiva prosperidade da chamada classe média, não por acaso a prova cabal de que as profecias de Marx estavam absolutamente equivocadas.  Diz a filósofa da USP:

“Eu odeio a classe média. Ela é um atraso de vida, é o que há de mais reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista…”

“Eu me recuso a admitir que os trabalhadores brasileiros, porque conquistaram certos direitos (…) se transformaram em classe média. (…) A classe média é uma aberração política, porque ela é fascista. É uma aberração ética, porque ela é violenta. É uma aberração cognitiva, porque ela é ignorante…”

Aquele discurso pode ter surpreendido alguns incautos, mas não quem já estudou, ainda que superficialmente, a teoria marxista.  Chaui apenas reverbera as batatadas que produziram seus mestres no famigerado Manifesto Comunista.  Vejam:

“De todas as classes que hoje em dia defrontam a burguesia só o proletariado é uma classe realmente revolucionária. As demais classes vão-se arruinando e soçobram com a grande indústria; o proletariado é o produto mais característico desta.

Os estados médios [Mittelstände] — o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês —, todos eles combatem a burguesia para assegurar, face ao declínio, a sua existência como estados médios. Não são, pois, revolucionários, mas conservadores. Mais ainda, são reacionários, pois procuram fazer andar para trás a roda da história.”

Segundo a teoria, a acumulação capitalista faria com que uns poucos burgueses acabassem detendo toda a riqueza disponível, graças à exploração do restante da população.  Toda o capital do mundo nas mãos de poucos, em contraste com a miséria de muitos, faria emergir a ira revolucionária que desembocaria, inexoravelmente, na tomada do poder pelo proletariado.  O capitalismo nada mais seria, portanto, que uma etapa no caminho da consolidação do comunismo.  De forma resumida, eis como a coisa toda deveria desenrolar-se, nas palavras de Marx e Engels:

“A condição essencial para a existência e para a dominação da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos de privados, a formação e multiplicação do capital; a condição do capital é o trabalho assalariado. O trabalho assalariado repousa exclusivamente na concorrência entre os operários. O progresso da indústria, de que a burguesia é portadora, involuntária e sem resistência, coloca no lugar do isolamento dos operários pela concorrência a sua união revolucionária pela associação. Com o desenvolvimento da grande indústria é retirada debaixo dos pés da burguesia a própria base sobre que ela produz e se apropria dos produtos. Ela produz, antes do mais, o seupróprio coveiro. O seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.”

Imunes à razão, os marxistas mantiveram, ao longo dos últimos séculos, uma fé inabalável nos prognósticos de seu guru, o que os leva a odiar com todas as forças tudo quanto lhes faça vislumbrar que ele pudesse estar equivocado, não só em suas teorias, mas principalmente em suas previsões.  Daí porque o ódio por essa classe de gente que se convencionou chamar de “média”, cuja multiplicação, especialmente nos países capitalistas mais avançados, é a comprovação empírica irrefutável de que a fabulosa tese profética de Marx foi um erro crasso.

Os crentes desta religião confiam até hoje na realização da referida profecia e odeiam tudo quanto possa indicar que a história tenha seguido um caminho diferente.  Odeiam especialmente o fato de que a história do capitalismo é a história da multiplicação acelerada da riqueza, e não da luta de classes. Acima de tudo, odeiam o fato de que a riqueza gerada pelo desenvolvimento industrial nos países capitalistas acabou beneficiando a maioria das gentes e não apenas os mais ricos.

Dotados que são de extraordinária vocação para retorcer a realidade, os marxistas jamais admitirão o fato de que os interesses dos agentes econômicos no capitalismo são harmônicos – como demonstraram Adam SmithBastiat e tantos outros – e não antagônicos, como queria Marx. Continuam apostando no caduco discurso de classes “hegemônicas” e “dominantes”, além de dar demasiada atenção às desigualdades de renda, no lugar de focar no combate à pobreza.

Ocultam de seus jovens prosélitos certas verdades, muitas vezes até óbvias, como a de que os interesses do banqueiro estão atrelados à prosperidade do devedor – não só para pagar os empréstimos contraídos, como para fazer outros – e não à bancarrota do mesmo.  Utilizam-se de raciocínios espúrios que, na maioria das vezes, inferem a existência de uma conspiração burguesa para empobrecer o proletariado, muito embora a lógica mais rudimentar determine exatamente o contrário, ou seja: quanto maior a renda dos trabalhadores, maior será o consumo e melhor será para todos os produtores.

Peguemos, por exemplo, alguns dados estatísticos dos Estados Unidos da América – a mais capitalista das nações capitalistas – compilados pela Heritage Foundation:

43% de todas as famílias consideradas pobres são donas de sua própria casa.  A residência padrão dessas famílias tem 3 dormitórios, 1,5 banheiro, garagem e varanda (ou pátio). 80% delas dispõem de calefação ou ar condicionado.  Um típico americano pobre tem mais espaço de moradia do que a média das pessoas morando em Paris, Londres, Viena, Atenas e outras cidades européias. Perto de ¾ das famílias pobres nos EUA são donas de pelo menos 1 carro e 31% têm dois automóveis ou mais. 97% das residências têm televisão a cores e mais da metade têm duas ou mais.  78% têm um DVD payer; 62% dispõem de Tv a cabo ou recepção por satélite.  89% das famílias pobres são donas de fornos de microondas, enquanto mais da metade delas têm equipamentos de som estéreo e 1/3 possui máquinas de lavar pratos.

Na média, portanto, um típico americano pobre tem um carro, calefação, geladeira, fogão, máquina de lavar roupa, forno de microondas, televisão a cores com recepção a cabo ou por satélite, aparelho de DVD e equipamento de som e telefone celular.  Isso sem falar de esgotamento sanitário, energia elétrica e água encanada disponíveis a quase 100% da população daquele país.

Olhando os dados acima, fica claro que um cidadão considerado pobre, como definido pelo governo americano, desfruta de um padrão de vida infinitamente superior ao imaginado pelo mais abastado dos nobres na época em que Marx e Engels fizeram suas profecias.

Os padrões de consumo e conforto das famílias pobres da América – que são similares aos das classes médias em muitos países, inclusive o Brasil – é a prova cabal de que o capitalismo, longe de representar o empobrecimento da classe trabalhadora, tornou-se a sua verdadeira redenção, para desespero de muitos intelectuais, como Marilena Chaui.