quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Meus parabéns, você fracassou.

Permitir-se fracassar e corrigir o rumo quando necessário é fundamental para o sucesso.
Por Romero Rodrigues (fundador e CEO do Buscapé Company) - Endeavor Brasil
Meus parabéns, você fracassou. Sem ironias, é exatamente isso que eu quero dizer. Se a sua ideia não vingou, mesmo com criatividade, originalidade, ineditismo e várias outras características positivas, parabéns. Essa experiência mostra que você experimentou e resolveu testar um caminho novo. Você saiu do modo de segurança que travava suas ideias para mergulhar no mundo da inovação. Resumindo: você aprendeu. Como não te dar os parabéns?
No Brasil, o fracasso é uma palavra pesada, pois representa incapacidade, incompetência, amadorismo. É uma palavra pesada: “Fulano fracassou”. Isso gera medo e, quando você tem medo de tentar algo, pois não quer fracassar, você entra num estado defensivo. Você deixa de pensar no estratégico e passa a pensar só no tático, e o tático é o instinto de sobrevivência, o agora em detrimento do futuro. Conclusão: você não inova, não experimenta, não descobre novas oportunidades.
Nos EUA, por exemplo, é muito comum compartilhar os fracassos com os outros. As pessoas contam os fracassos como se fossem glórias. E de fato são – afinal, eles arriscaram e tentaram. Por isso, é muito importante que as empresas criem um espaço para que as pessoas possam testar e falhar. Não adianta tirar conclusões, realizar estudos variados se vocês, de fato, não tentar na prática.
Já falei em uma entrevista para a revista Exame sobre a “Cultura do Fracasso”, que é algo que fazemos dentro do Buscapé. Sempre tento provocar essas experiências com meus colaboradores. Uma vez, pedi para um gerente de produto: “Quero que o botão de compra fique piscando na tela, em vermelho”. Ele achou um absurdo, não concordou, não era a linguagem do Buscapé. A única coisa que pedi para ele foi: “me prove que estou errado”. A gente consegue medir se o botão vai ajudar a vender mais ou vai ser um total fracasso e vai fazer a gente perder vendas. Mas, a ideia de testar precisa vir de alguém. Em um negócio como o Buscapé, no qual o processo é 100% intelectual, você precisa inovar para crescer. E para inovar, é preciso estar disposto a fracassar.
Nós, empreendedores e gestores, é que precisamos entender que esse colaborador é que precisa ser valorizado e incentivado, e não aquele que fica estático por causa do medo de errar. Precisamos entender que a dor de fazer uma decisão ruim nunca deve ser maior do que o prazer de tomar uma boa escolha. Precisamos cultivar a Cultura do Fracasso.
Para dar tranquilidade para seu time arriscar, é preciso criar um ambiente propício a isso. Desde a cultura corporativa até os controles e medições são cruciais para isso. São esses controles serão usados para a medição do resultado e para mitigar que o fracasso cause um grande prejuízo. (vou falar mais disso em outro post).
Essa é a grande dica, não só para gestores, mas também para quem está prestes a começar um negócio novo, mas ainda está inseguro de se lançar. É natural que isso aconteça. Nesse momento, passam pela cabeça diversas preocupações e infinitas possibilidades para uma tragédia mercadológica. E por consequência vem o pavor com as incertezas do futuro e você vai pendendo cada vez mais para o lado da segurança.
Por isso, permita-se fracassar. Fracasse até acertar. Fracasse rumo ao sucesso!



sábado, 26 de outubro de 2013

Nasce o Brasil talibã

Deu-se assim o casamento do século: a educação com a falta de educação. Nem a profecia mais soturna, nem a projeção mais niilista, nem as teses do maior espírito de porco conceberiam esse enlace. O saber e a porrada, lado a lado, irmanados sob o idioma da boçalidade.

Por Guilherme Fiuza, O Globo

O Brasil virou, definitivamente, um lugar esquisito. A última onda de manifestações reuniu professores em greve (e simpatizantes) por melhores salários para a categoria. Aí os professores cariocas receberam a adesão dos tais black blocs — nome pomposo para um bando de almas penadas em estado de recalque medieval contra tudo.

Os professores não só acolheram os depredadores desvairados nas suas passeatas, como declararam, por meio de seu sindicato, que aquele apoio era “bem-vindo”.

Deu-se assim o casamento do século: a educação com a falta de educação. Nem a profecia mais soturna, nem a projeção mais niilista, nem as teses do maior espírito de porco conceberiam esse enlace. O saber e a porrada, lado a lado, irmanados sob o idioma da boçalidade.

Mas o grande escândalo não está nessa união miserável. Está na cidade e no país que a cercam. Se o Rio de Janeiro e o Brasil ainda tivessem um mínimo de juízo, o romance entre profissionais do ensino e biscateiros da violência teria revoltado a opinião pública.

As instituições, as pessoas, enfim, a sociedade teria esmagado esses sindicalistas travestidos de educadores. O saber é o que salva o homem da barbárie. Um professor que compactua, ou pior, se associa ao vandalismo é a negação viva do saber — é a negação de si mesmo. Não pode entrar numa sala de aula nem para limpar o chão.

E o que diz o Brasil dessa obscenidade? Nada. O movimento grevista continuou tranquilamente — se é que há alguma forma tranquila de estupidez — bloqueando o trânsito a qualquer hora do dia, em qualquer lugar, diante de cidadãos crédulos que acreditam estar pagando pedágio pela “melhoria da educação”. Crédulos, nesse caso, talvez seja um eufemismo para otários.

Claro que uma sociedade saudável logo desconfiaria dos métodos desses professores. E os desautorizaria a lutar por melhores condições de ensino barbarizando as ruas. Os salários dos professores de verdade são uma tragédia brasileira, mas esses comparsas de delinquentes mascarados não merecem um centavo do contribuinte para ensinar nada a ninguém.

O problema é que a sociedade está revelando, ainda timidamente, a sua faceta de mulher de malandro. Apanha e gosta.

Na entrega do Prêmio Multishow, o músico Marcelo D2 apareceu no palco com sua banda toda mascarada, com uma coreografia simulando uma arruaça aos gritos de “black bloc!” Não se registrou nenhum mal-estar, reação ou mesmo crítica ao músico que fazia ali, ao vivo, um ato veemente de apoio ao grupo fascistoide que quebra tudo.

Está se formando uma opinião pública moderninha que não admite abertamente ser a favor da violência, mas que se encanta e sanciona essa rebeldia da pedrada. A vanguarda, quem diria, foi parar na Faixa de Gaza.

Caetano Veloso também posou com o figurino da máscara negra. Declarou ser a favor da paz, mas disse que a existência dos black blocs “faz parte”.

Quando um artista da magnitude de Caetano emite um sinal tão confuso como esse, não restam dúvidas de que os valores andam perigosamente embaralhados. Tem muita gente acreditando que a revolução moderna passa por esse flerte com o obscurantismo. O nome disso é ignorância.

A confusão de valores está espalhada por todo o debate público. Nas ruas, depredação é confundida com civismo; na internet, pirataria é confundida com liberdade.

A suposta “democratização da cultura” legitimou o assalto aos direitos autorais de grandes compositores brasileiros, com a praga do acesso gratuito às músicas. De impostura em impostura, chegou-se à inacreditável polêmica sobre a proibição de biografias não autorizadas — uma resposta obscurantista dos próprios artistas assaltados pela liberdade medieval da internet.

O dilema entre liberdade de expressão e direito à privacidade tornou-se o grande tema do momento. Um dilema absolutamente falso. Ambos são direitos sagrados e podem conviver tranquilamente, ao contrário da paz e da porrada.

É aterrador que gênios como Caetano Veloso e Chico Buarque estejam confundindo pesquisa séria e literatura biográfica com voyeurismo, fofoca e curiosidade mórbida. Guarnecer a fronteira entre esses dois campos é muito fácil — numa sociedade que não tenha desistido do bom senso, da justiça e da educação.

Mas numa sociedade que tolera educadores adeptos do quebra-quebra, não haverá mordaça legal que dê jeito. Não existe meio-obscurantismo. Entre os talibãs, por exemplo, a carta magna é o fuzil. E aí tanto faz a maneira de lidar com livros e músicas, porque eles não têm mais a menor importância.



Guilherme Fiuza é jornalista.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O que os gaúchos dizem de Cuba

Não conhecia essa série de artigos. Grata surpresa. Todos foram oriundos de uma visita que o governo estadual fez a cuba acompanhado de alguns jornalistas. Lembrei daquela turma da esquerda caviar que fica adorando cuba de seus apartamentos de Paris. Fiquei feliz com o artigo de Juremir, um dos poucos esquerdista intelectualmente honestos que sobrou no Brasil a admitir que aquilo é um inferno. Vale a pena!


I
CUBA VIRA TEMA DE CAMPANHA DO PPB
CINCO MILITANTES DA SIGLA VISITARAM A ILHA DE FIDEL POR CINCO DIAS
Zero Hora, Porto Alegre (RS), 9 de agosto de 2001
Com o lema "A Juventude do PPB Adverte: Não Deixe o Rio Grande Virar Cuba" estampado nas camisetas, cinco integrantes do partido retornaram sexta-feira a Porto Alegre, trazendo na bagagem documentos, gravações e fotos do que consideram a verdadeira imagem da ilha.
Durante a viagem, os progressistas abriram a bandeira do Rio Grande do Sul na Praça da Revolução, em frente à sede do governo de Fidel Castro, sob os olhares atentos dos policiais de Havana.
O plano de responder ao hasteamento da bandeira de Cuba no Palácio Piratini, no dia da posse de Olívio Dutra, em 1999, segundo os jovens, não pôde ser concretizado da forma como imaginavam.
– Queríamos subir na torre do palácio do governo e hastear a bandeira lá em cima, mas os guardas nos barraram. O jeito foi abrir a bandeira na praça mesmo, com medo de os policiais nos prenderem – relata José Henrique Westphalen, 21 anos, coordenador da comitiva.
A viagem de cinco dias não cumpriu o roteiro original. José Henrique Westphalen, Luciano Anziliero, Marcelo Demolinier, Rogério Soliman e Sílvio Comanduli não conseguiram conhecer as universidades cubanas, em férias, nem os hospitais, porque não tinham autorização do governo. Apesar disso, trouxeram relatos de cubanos sobre a educação e a saúde no país de Fidel.
– As crianças estão desestimuladas com o estudo. Eles passam anos estudando medicina para receber um salário de US$ 7 depois de formados. E, mesmo que haja atendimento médico gratuito para todo mundo, os remédios receitados nunca são encontrados nas farmácias do governo – diz Westphalen.
A comitiva passou quatro dias em Havana, no Hotel Saint Jones, um estabelecimento três estrelas localizado no bairro El Vedado. As construções malconservadas do início do século passado, onde casas de uma só peça servem de moradia para famílias de até nove pessoas, surpreenderam os visitantes.
– Sei que, em alguns lugares do Brasil, a situação é parecida. Só que aqui a gente pode mudar de vida, estudando. Lá, não – compara Westphalen.
Depois de pagar US$ 56 por pessoa, os progressistas conseguiram rumar para Varadero, balneário paradisíaco onde os nativos só podem entrar com autorização oficial.
– Lá é outro mundo. Muitos dólares, carros importados, grande investimento estrangeiro em hotéis de luxo. Os cubanos que vivem em Varadero nunca saíram de lá. E os que encontramos em Havana nunca conheceram a praia.
Os progressistas gravaram conversas em bares do Malecón – avenida à beira-mar em Havana –, regadas a cervejas oferecidas aos cubanos, tiraram fotografias em preto-e-branco dos prédios antigos e compraram uma libreta por US$ 5 de um rapaz que pedia dinheiro aos turistas. No documento, o governo cubano marca a quantidade de alimentos e outros produtos distribuídos à população.
– Quem não tem a libreta fica sem comida – diz Westphalen.
No terceiro dia em Havana, os cinco jovens já queriam retornar a Porto Alegre e começar uma campanha pelo Interior para denunciar o que acham que o PT pode fazer com o Estado. Para a comitiva, as posições do partido no Rio Grande do Sul são semelhantes ao modelo de governo da ilha. 

A FÉ CONTRA A MISÉRIA
Percival Puggina, arquiteto
Correio do Povo, Porto Alegre, 26 de julho de 2001
Acabo de retornar de Cuba, onde passei sete dias. Esperava encontrar um povo homogeneamente pobre e o encontrei tão carente quanto se pode ser quando o salário da população ativa oscila entre 7 e 25 dólares. Os cortiços que dominam a área de Habana Vieja denotam miséria e apenas o fortíssimo policiamento ostensivo concede tranqüilidade aos turistas. A antiga libreta - após a saída dos russos, suspendendo três décadas de patrocínio - está reduzida a uma ração mensal de arroz, feijão, açúcar, leite em pó, meio quilo de carne de porco e quatro ovos. O resto há que buscar "en la calIe" com dólares. E os estrangeiros, fonte mais provável desses dólares, são permanentemente assediados por supostos guias turísticos, [agenciadores de prostitutas] e uma verdadeira multidão de prostitutas.
Há um rígido controle do Estado sobre a vida dos cidadãos. Em cada quarteirão opera um Comitê de Defesa da Revolução, cujo responsável, conforme me informou alguém, "conoce hasta el color del calzoncillo de mi padre". Os cubanos não se podem hospedar em hotéis destinados a turistas nem freqüentar os melhores locais a estes reservados, não podem ter TV a cabo nem acessar a Internet. Os jornais - Granma e Juventud Rebelde - só contam boas notícias do regime e o que ocorre de ruim no resto do mundo.
Tive curiosidade de saber porque, com tais salários, nem todos vivem como os que habitam os cortiços que se espalham pela cidade. E fui informado de que a diferença se deve ao fato de que há famílias cubanas com fé e outras sem fé. "Todo seria mucho peor si no hubiera tanta gente com fe", arrematou meu interlocutor com olhar matreiro. Sorri sem entender, e ele indagou:
— Sabés lo que es fe? Fe es la sigla local para ‘familiar en los Estados Unidos’...

 CUBA, O INFERNO NO PARAÍSO
Juremir Machado da Silva
Correio do Povo, Porto Alegre (RS), 4 de março de 2001
Na crônica da semana passada, tentei, pela milésima vez, aderir ao comunismo. Usei todos os chavões que conhecia para justificar o projeto cubano. Não deu certo. Depois de 11 dias na ilha de Fidel Castro, entreguei de novos os pontos.
O problema do socialismo é sempre o real. Está certo que as utopias são virtuais, o não-lugar, mas tanto problema com a realidade inviabiliza qualquer adesão. Volto chocado: Cuba é uma favela no paraíso caribenho.
Não fiquei trancando no mundo cinco estrelas do hotel Habana Libre. Fui para a rua. Vi, ouvi e me estarreci. Em 42 anos, Fidel construiu o inferno ao alcance de todos. Em Cuba, até os médicos são miseráveis. Ninguém pode queixar-se de discriminação. É ainda pior. Os cubanos gostam de uma fórmula cristalina: 'Cuba tem 11 milhões de habitantes e 5 milhões de policiais'. Um policial pode ganhar até quatro vezes mais do que um médico, cujo salário anda em torno de 15 dólares mensais. José, professor de História, e Marcela, sua companheira, moram num cortiço, no Centro de Havana, com mais dez pessoas (em outros chega a 30). Não há mais água encanada. Calorosos e necessitados de tudo, querem ser ouvidos. José tem o dom da síntese: 'Cuba é uma prisão, um cárcere especial. Aqui já se nasce prisioneiro. E a pena é perpétua. Não podemos viajar e somos vigiados em permanência. Tenho uma vida tripla: nas aulas, minto para os alunos. Faço a apologia da revolução. Fora, sei que vivo um pesadelo. Alívio é arranjar dólares com turistas'. José e Marcela, Ariel e Julia, Paco e Adelaida, entre tantos com quem falamos,pedem tudo: sabão, roupas, livros, dinheiro, papel higiênico, absorventes. Como não podem entrar sozinhos nos hotéis de luxo que dominam Havana, quando convidados por turistas, não perdem tempo: enchem os bolsos de envelopes de açúcar. O sistema de livreta, pelo qual os cubanos recebem do governo uma espécie de cesta básica, garante comida para uma semana. Depois, cada um que se vire. Carne é um produto impensável.
José e Marcela, ainda assim, quiseram mostrar a casa e servir um almoço de domingo: arroz, feijão e alguns pedaços de fígado de boi. Uma festa. Culpa do embargo norte-americano? Resultado da queda do Leste Europeu? José não vacila: 'Para quem tem dólares não há embargo. A crise do Leste trouxe um agravamento da situação econômica. Mas, se Cuba é uma ditadura, isso nada tem a ver com o bloqueio'. Cuba tem quatro classes sociais: os altos funcionários do Estado, confortavelmente instalados em Miramar; os militares e os policiais; os empregados de hotel (que recebem gorjetas em dólar); e o povo. 'Para ter um emprego num hotel é preciso ser filho de papai, ser protegido de um grande, ter influência', explica Ricardo, engenheiro que virou mecânico e gostaria de ser mensageiro nos hotéis luxuosos de redes internacionais.
Certa noite, numa roda de novos amigos, brinco que,quando visito um país problemático, o regime cai logo depois da minha saída. Respondem em uníssono:
Vamos te expulsar daqui agora mesmo'. Pergunto por que não se rebelam, não protestam, não matam Fidel? Explicam que foram educados para o medo, vivem num Estado totalitário, não têm um líder de oposição e não saberiam atacar com pedras, à moda palestina. Prometem, no embalo das piadas, substituir todas as fotos de Che Guevara espalhadas pela ilha por uma minha se eu assassinar Fidel para eles.
Quero explicações, definições, mais luz. Resumem: 'Cuba é uma ditadura'. Peço demonstrações: 'Aqui não existem eleições. A democracia participativa, direta, popular, é um fachada para a manipulação. Não temos campanhas eleitorais, só temos um partido, um jornal, dois canais de televisão, de propaganda, e, se fizéssemos um discurso em praça pública para criticar o governo, seríamos presos na hora'.
Ricardo Alarcón aparece na televisão para dizer que o sistema eleitoral de Cuba é o mais democrático do mundo. Os telespectadores riem: 'É o braço direito da ditadura. O partido indica o candidato a delegado de um distrito; cabe aos moradores do lugar confirmá-lo; a partir daí, o povo não interfere em mais nada. Os delegados confirmam os deputados; estes, o Conselho de Estado; que consagra Fidel'.Mas e a educação e a saúde para todos? Ariel explica: 'Temos alfabetização e profissionalização para todos, não educação. Somos formados para ler a versão oficial, não para a liberdade.
A educação só existe para a consciência crítica, à qual não temos direito. O sistema de saúde é bom e garante que vivamos mais tempo para a submissão'.José mostra-me as prostitutas, dá os preços e diz que ninguém as condena:'Estão ajudando as famílias a sobreviver'. Por uma de 15 anos, estudante e bonita, 80 dólares. Quatro velhas negras olham uma televisão em preto e branco, cuja imagem não se fixa. Tentam ver 'Força de um Desejo'. Uma delas justifica: 'Só temos a macumba (santería) e as novelas como alento. Fidel já nos tirou tudo.Tomara que nos deixe as novelas brasileiras'. Antes da partida,José exige que eu me comprometa a ter coragem de, ao chegar ao Brasil, contar a verdade que me ensinaram: em Cuba só há 'rumvoltados'.


A praga

O que está em questão é se o Brasil vai ou não se dirigir rumo à efetiva concretização de uma economia de mercado, da livre-iniciativa e da liberdade de escolha, ou se prefere continuar refém de sua tradição cartorial.
Por Denis Lerrer Rosenfield (estadão)
Perde-se, assim, a noção, absolutamente central, de que a burocracia deveria ser um instrumento de atendimento a reivindicações e demandas dos cidadãos, ajudando-os a dar conta de trâmites administrativos. Por definição, estes deveriam ser simples, precisamente para simplificar a vida de todos. Burocracia é meio, instrumento, não um fim em si mesma. Há aqui envolvido todo um conceito de cidadania e de relação da sociedade com o Estado. Não se trata de algo trivial, mera questão secundária, mas de algo que se situa como central na vida de cada um. No melhor sentido da palavra, a questão é política, por dizer respeito ao modo de relacionamento da pessoa com a coisa pública.
A burocracia não deveria ser um instrumento alienante, que afasta o indivíduo do cumprimento de suas obrigações, em boa parte dos casos por absoluta falta de possibilidade de atendê-las. Não espanta, pois, que a informalidade seja tão grande em nosso país. E isso se deve a que a formalização para muitos é um verdadeiro calvário.
Nesse sentido, deve ser muito bem-vindo o projeto em curso da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, conduzida pelo ministro Guilherme Afif Domingos, de levar para esse setor do empresariado todo um processo de simplificação de sua vida. O Simples, sendo redundante, deveria ser simplificado! Normalmente, dever-se-ia simplificar o complexo, mas essa não é a realidade para esses empresários - e para o empresariado em geral. O aparente paradoxo não deixa de ser significativo.
Observe-se, preliminarmente, que esse setor da economia nacional abrange 7 milhões de unidades de negócio. Se a modernização administrativa for introduzida para os pequenos e microempresários, liberando-os das pesadas cargas burocráticas, poderia ser criado um emprego por empresa, impactando em torno de 22% a taxa de emprego privado no País. Considerando, ademais, que o emprego de uma pessoa envolve toda uma família, digamos, quatro pessoas, tal iniciativa poderia atingir 28 milhões de pessoas, transformando a vida delas.
No estágio atual, vigora nesse setor um tipo de economia mercantilista, com as pessoas tendo seus pés amarrados aos grilhões da regulamentação burocrática. O avanço a ser feito consiste numa liberação rumo à economia de mercado propriamente dita e, mais precisamente ainda, uma economia de tipo digital.
O artigo 179 da Constituição federal já prevê a simplificação para esse setor nos domínios administrativo, tributário, previdenciário e creditício, garantindo-lhe tratamento diferenciado. Mas no momento de fazer valer a Lei Magna com frequência depara com leis e regulamentações administrativas que terminam invalidando ou criando sérios obstáculos ao que é constitucionalmente garantido.
Há mesmo casos em que governos estaduais, para abastecerem seus cofres, fazem normas complementares que impedem que valha o que uma lei federal assegura, caso da substituição tributária. Ou seja, os benefícios do Simples Nacional são praticamente anulados na esfera burocrática estadual. Há uma espécie de lei aqui envolvida: a toda desburocratização sucede uma nova burocratização, como se o ganho da livre-iniciativa devesse ser contrabalançado com sua anulação. É a lei brasileira da gravitação burocrática!
Outra proposta que está sendo apresentada trata da efetiva universalização do Simples, que passaria a valer não só para um tipo de atividade, mas para todas as atividades econômicas, sendo limitado apenas pelo porte das empresas. O setor de serviços, no caso, passaria também a ser contemplado, fazendo justiça a todo um setor importante e dinâmico da economia nacional. Se um empresário fatura até R$ 3,6 milhões, estaria imediatamente incluído no Simples, pois o que conta é o tamanho.
Outro ponto igualmente relevante consiste na concessão de crédito para bens de produção, poderoso instrumento de alavancagem de empresas. Sem investimentos uma empresa não cresce nem pode modernizar-se, numa economia mundial concorrencial e em constante mutação tecnológica. Acontece que, em nosso país, o crédito é privilegiadamente direcionado para bens de consumo. Um carro, uma televisão e um fogão, por exemplo, contam com condições de crédito que se podem estender por vários anos. Agora, investir numa máquina, nova ou usada, exige pagamento à vista. Não há economia que possa avançar, com força e progressivamente, com esse tipo de contrassenso.
A abertura e o fechamento de empresas, fundamentais numa economia dinâmica, não poderiam estar submetidos às vicissitudes de uma teia burocrática que tudo captura e imobiliza. Se um empresário informal procura formalizar-se, acaba caindo numa rede de cartórios e certidões, onerando sua atividade e fazendo-o perder um tempo precioso. Surge, então, o medo da formalização, sentimento contrário ao de um verdadeiro empreendedorismo. Trâmites poderiam, por exemplo, ser centralizados na Junta Comercial, em processo transparente e digital, válido para todos os órgãos públicos. O cidadão seria contemplado e a economia nacional se beneficiaria.
O que está em questão é se o Brasil vai ou não se dirigir rumo à efetiva concretização de uma economia de mercado, da livre-iniciativa e da liberdade de escolha, ou se prefere continuar refém de sua tradição cartorial.


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A ganância dos igualitários. Impostos muito altos e forte controle estatal da economia não impedem que os ricos continuem ricos; impedem que os pobres fiquem ricos!

“Eu nunca entendi porque é ganância querer preservar o que você ganhou, mas não é ganância querer pegar o dinheiro dos outros.” – Thomas Sowell

Por Rodrigo Constantino (veja.com)

Muitos observam a disparidade de riqueza no mundo ou dentro de um país, e concluem que isso é fruto de alguma injustiça. Passam, então, a clamar por impostos que “redistribuam” melhor essa riqueza. Trata-se de um conjunto de falácias perigosas, partindo de um ponto de vista estático e materialista da riqueza.

George Gilder, em Knowledge and Power , faz uma eloquente defesa do capitalismo contra as bandeiras igualitárias. Ele explica que a ganância verdadeira vem daqueles que desejam riqueza não merecida, não criada por si próprios, ou seja, que lutam para que o estado tome à força a riqueza alheia.

Impostos elevados e progressivos, subsídios, barreiras protecionistas, bolsas e esmolas estatais, privilégios, essas são as bandeiras dos gananciosos, incompatíveis com a moralidade do capitalismo. O socialismo, em todas as suas diferentes formas, é uma conspiração dos gananciosos contra aqueles que produzem riqueza.

E a riqueza, nunca é demais lembrar, precisa ser criada. Economia não é jogo de soma zero, onde José, para ficar rico, precisa tirar de Pedro. A razão pela qual o capitalismo funciona é justamente porque a riqueza é um subproduto das mentes mais criativas e inovadores, dos empreendedores que decidem onde investir, onde alocar os recursos escassos da melhor forma.

Empreendedorismo é criar surpresas. Os críticos do capitalismo não gostam de surpresas. Preferem planejamento estatal centralizado, na mão de burocratas que seguem rotinas previsíveis e determinadas. Mas não é assim que se cria riqueza.

Quando Sam Walton abre uma loja e vai à falência, depois abre outra e inova em seu conceito, depois amplia suas apostas e cria um império comercial no sul rural dos Estados Unidos, vendendo produtos chineses mais baratos para os americanos, ele acumula uma fortuna porque surpreendeu o mercado.

Quando Howard Schultz coloca no mercado lojas de café bem sucedidas, depois sai e vê sua criação mergulhar em dificuldades em sua ausência, depois retoma o controle e garante a supremacia da Starbucks oferecendo uma multiplicidade de bebidas e comidas em um ambiente de conforto caseiro, sua fortuna vem como consequência dessa inovação.

Quando Herb Kelleher vai para o Texas para ser um advogado, acaba desenhando em um guardanapo planos para uma empresa aérea diferente na região, desafia todas as previsões pessimistas e crenças dos especialistas do setor, e cria a Southwest, que voa com menos conforto e luxo e preços mais baixos, ele acumula uma fortuna como resultado de sua criação aprovada pelos clientes.

Como esses, temos inúmeros outros exemplos. Entre aqueles 1% dos mais ricos, tão odiados pelos que alegam falar em nome dos outros 99%, temos vários casos como esses, de gente que usou a criatividade, o trabalho duro, a persistência, a visão, a paixão, para criar inovações que se mostraram favoráveis aos consumidores. A fortuna foi apenas uma recompensa pelo que eles ofereceram antes à sociedade.

Falar em exploração para descrever esse processo é um absurdo, uma completa injustiça alimentada pela ideologia marxista equivocada, ou pela pura inveja. O capitalismo é um sistema que remunera quem dá aos outros aquilo que eles desejam, não quem tira dos outros aquilo que eles já têm. A Apple é um caso claro disso. Criou a própria demanda. Não tirou nada de ninguém. Não explorou ninguém.

A crença de que a riqueza se caracteriza não por ideias, valores, códigos morais, atitudes, mas por bens materiais palpáveis, pelos “meios de produção”, que podem simplesmente ser tomados e redistribuídos, não passa de uma superstição marxista, um materialismo tacanho que ignora como a riqueza é realmente criada.

Essa visão equivocada sempre foi alimentada pelos adeptos da violência e da inveja, os gananciosos que só pensam em se apropriar do que pertence aos outros, nunca criar nova riqueza. Quando esses gananciosos violentos chegam ao poder e tomam as propriedades dos ricos, o resultado é inexoravelmente a miséria, a estagnação ou destruição de riqueza.

Colocar a Google, Microsoft, Dell, Apple, Berkshire Hathway e tantas outras empresas, assim como seus ativos e os bilhões que investem com base nas decisões de seus proprietários, sob o controle de políticos ungidos e burocratas, é o caminho mais rápido para a pobreza. Todo progresso nasce de uma minoria criativa.

Como uma nação trata seus empreendedores faz toda a diferença para seu futuro e bem-estar. Certa vez o economista austríaco e Prêmio Nobel, Hayek, disse que defenderia o capitalismo de livre mercado com mais afinco ainda se não tivesse uma única propriedade. Em última instância somos nós que “exploramos” essa minoria brilhante que inova e produz riqueza.

Se os ricos são atacados pelos invejosos socialistas ou “capitalistas de estado”, as classes mais baixas são as que mais sofrem. Nenhuma sociedade prosperou punindo os ricos para beneficiar os pobres. Impostos muito altos e forte controle estatal da economia não impedem que os ricos continuem ricos; impedem que os pobres fiquem ricos!

Homens de bem

Sim, leitor, não é fácil olhar em volta e ver como a mesquinhez alheia triunfa e passa impune. Mas não confunda o transitório com o essencial.

Por João Pereira Coutinho

Você, leitor, é pessoa honesta e cumpridora. Trabalha. Paga as contas. É decente com a mulher e os filhos. Mas quando olha em volta, o cenário é selvagem. Os colegas usam e abusam da dissimulação e da mentira. Sem falar da corrupção de superiores hierárquicos ou de políticos nacionais, esse câncer que permite a muitos deles terem o carro, a casa, as férias, a vida que você nunca terá.

Para piorar as coisas, eles jamais serão punidos por suas viciosas condutas. A pergunta é inevitável: será que eu devo ser virtuoso? Será que eu devo educar os meus filhos para serem virtuosos?

Essas perguntas foram formuladas por Gustavo Ioschpe em excelente texto para a "Veja". De que vale uma vida ética se isso pode representar, digamos, uma "desvantagem competitiva"?

Boa pergunta. Clássica pergunta. Os gregos, que Ioschpe cita (e, de certa forma, rejeita), diziam que a prossecução do bem é condição necessária para uma vida feliz. Mas o que dizer de todas as criaturas que, praticando o mal, o fizeram de cabeça limpa por terem falsificado a sua própria consciência?

Apesar de tudo, Gustavo Ioschpe tenciona educar os filhos virtuosamente. Não por motivos religiosos, muito menos por temer as leis da sociedade. Mas porque assim dita a sua consciência. Um dia, quem sabe, talvez o Brasil acabe premiando essas virtudes.

A resposta é boa por seu otimismo melancólico. Mas, com a devida vênia ao autor, gostaria de deixar dois conselhos para acalmar tantas angústias éticas.
O primeiro conselho é para ele não jogar completamente fora as leis da sociedade na definição de boas condutas. Porque quando falamos de vidas éticas, falamos de duas dimensões distintas: uma dimensão pública, outra privada.

E, em termos públicos, acreditar que os homens podem ser anjos (para usar a célebre formulação do "Federalista") é o primeiro passo para uma sociedade de anarquia e violência.

Na esfera pública, eu gostaria que os homens fossem anjos; mas, conhecendo bem a espécie, talvez o mínimo a exigir é que eles sejam punidos quando se revelam diabos.

Se preferirmos, não são os homens públicos que têm de ser virtuosos; são as leis que devem ser implacáveis quando os homens públicos são viciosos.

Isso significa que a principal exigência ética na esfera pública não deve ser dirigida ao caráter dos homens --mas, antes, ao caráter das leis e à eficácia com que elas são aplicadas. No limite, é indiferente saber se os homens públicos são exemplos de retidão. O que importa saber é se a República o é.

Eis a primeira resposta para a pergunta fundamental de Gustavo Ioschpe: devemos educar os nossos filhos para a virtude? Afirmativo. Ninguém deseja para os filhos a punição exemplar das leis. E, como alguém dizia, é do temor das leis que nasce a conduta justa dos homens. Desde que, obviamente, as leis inspirem esse temor.

E em privado? Devemos ser virtuosos quando nem todos seguem a mesma cartilha e até parecem lucrar com isso?

Também aqui, novo conselho: não é boa ideia jogar fora os gregos. Sobretudo Aristóteles, que tinha sobre a matéria uma posição sofisticada e, opinião pessoal, amplamente comprovada.

Fato: não há uma relação imediata entre virtude e felicidade. Mas Aristóteles gostava pouco de resultados imediatos. O que conta na vida não são as vantagens que conseguimos no curto prazo. É, antes, o tipo de caráter que "floresce" (uma palavra cara a Aristóteles) no curso de uma vida.

E, para que esse caráter "floresça", as virtudes são como músculos que praticamos e desenvolvemos até ao ponto em que a "felicidade", na falta de melhor termo, se torna uma segunda natureza.

Caráter é destino, diria Aristóteles. O que permite concluir, inversamente, que a falta de caráter tende a conduzir a um triste destino. Exceções, sempre haverá. Mas, aqui entre nós, confesso que ainda não conheci nenhuma. Não conheço maus-caracteres que tiveram grandes destinos.

Sim, leitor, não é fácil olhar em volta e ver como a mesquinhez alheia triunfa e passa impune. Mas não confunda o transitório com o essencial.

E, sobretudo, nunca subestime a capacidade dos homens sem caráter para arruinarem suas próprias vidas.

Educar os filhos para serem "homens de bem" é também ajudá-los a evitar essa ruína.

domingo, 6 de outubro de 2013

Wellington e Pepe Mujica

Observando o discurso, me dei conta, mais uma vez, do quanto a estética da indignação pode esconder a falta de coragem. Coragem de reconhecer o que nós, latino-americanos, fizemos ou deixamos de fazer. Sobre nossa história triste de golpes de Estado, nosso populismo atrasado, nossa relutância em criar instituições inclusivas, que incentivem o espírito de inovação e a concorrência saudável entre as empresas.

Por Fernando Luis Schüler*

Dias atrás, escutava o discurso do presidente Mujica, do Uruguai, na ONU. O discurso fizera certo sucesso, e de fato é uma boa peça de oratória. Mujica usa bem a imagem do viejo da província. Aquele que nada mais tem a ganhar, que já deu de si. Que carrega o charme do pequeno país em um mundo de gente grande.

Observando o discurso, me dei conta, mais uma vez, do quanto a estética da indignação pode esconder a falta de coragem. Coragem de reconhecer o que nós, latino-americanos, fizemos ou deixamos de fazer. Sobre nossa história triste de golpes de Estado, nosso populismo atrasado, nossa relutância em criar instituições inclusivas, que incentivem o espírito de inovação e a concorrência saudável entre as empresas. Nosso investimento pífio em infraestrutura, na “ciência”, que, segundo o presidente, deveria conduzir o mundo. Nosso talento para ocupar os últimos lugares em qualquer ranking de competitividade, com a honrosa exceção do Chile, cujo modelo de modernização é hoje seguido, ao menos em parte, pelo Peru e pela Colômbia, país sul-americano que mais avançou, na última década, no ranking do “doing business”, do Banco Mundial.

Coragem para saber dos próprios erros, ao invés de pôr a culpa no vizinho, em geral nosso vizinho preferido, mais ao norte. Mujica, com razão, chama de inútil o bloqueio econômico a Cuba. Só não tem coragem de falar em direitos humanos na Ilha. Pedir que libertem os “presos de consciência”, promovam eleições livres, como soubemos fazer, aqui, mais ao “Sul”, nos anos 80. Coragem para uma simples saudação a Guillermo Fariñas, jornalista de oposição em Cuba, com suas 23 greves de fome, que acaba de receber o Prêmio Sakharov de direitos humanos, concedido pelo Parlamento Europeu. Não o culpo pela omissão. Ele cumpre um conhecido papel. O jogo é falar mal dos “grandes”, cutucar os norte-americanos. Estes, sim, a tipificação do erro, com sua Constituição de 226 anos, 35 universidades entre as 50 melhores do planeta, com seus vales do silício e uma das 10 economias mais abertas do mundo.

O discurso de Mujica me fez lembrar do Wellington, aluno da instituição de ensino em que trabalho. Bolsista do ProUni, 19 anos, negro, talentoso, morador de São Gonçalo. Wellington quer aprender inglês. Espanhol já estuda. Norte, Sul não lhe faz diferença. De certo modo, ele transita do Norte ao Sul, todos os dias, no metrô carioca. Vai bem na faculdade, pega a ponte aérea pra fazer um curso da Fundação Estudar, em São Paulo, e imagino que acharia curioso, com o devido respeito, escutar Mujica amaldiçoando o capitalismo e “el dios mercado”. Wellington anda querendo entrar no mercado e, se acredita em alguma coisa, decididamente, é em “el dios educación”.

Quando começou a faculdade, Wellington costumava dormir em um banco de colégio, na sala dos professores. Teria do que se lamentar, mas anda sem tempo. Está criando uma ONG. É impaciente, quer atuar junto às comunidades. Quando lhe perguntei se não seria melhor focar nos estudos, por agora, e depois atuar na área social, ele respondeu que não vai esperar até ficar milionário para abrir a sua fundação.

Mujica diz que a “globalização não tem outra condução se não interesse privado”. Esqueceu do bilhão de pes- soas privadas que saiu da pobreza, mundo afora, nas duas últimas décadas. Talvez pense que as estatísticas também são controladas pelas “grandes potências”. Talvez suponha que 1 bilhão de pessoas não faça tanta diferença, já que há outro bilhão que ainda precisa fazer o mesmo caminho. Talvez não pense nada disso. Foi só uma frase no meio do discurso.

Wellington anda estudando sobre globalização, e a palavra parece lhe soar bem aos ouvidos. Vê o mundo cada vez mais descolado da geografia. O conhecimento está aí, circulando no mundo virtual, à disposição de todo mundo. No final do ano, ele vai a Inglaterra fazer um curso. Depois, quer ir para alguma universidade americana, em um intercâmbio. Mas o que ele quer mesmo é voltar, contar tudo para seus amigos, em São Gonçalo. Ir de sala em sala nas escolas da rede pública, olhar nos olhos de cada um e dizer que é possível, que o Brasil é um país cheio de oportunidades, que tem o ProUni, o Fies, o Sisu, as fundações, os intercâmbios. Que é só não desistir, não perder tempo reclamando da vida.

Wellington senta na frente da minha mesa e me diz que um dia vai ser presidente. Fala com convicção. Não duvido que vá mesmo. Torço por ele. Sua história é a história de muita gente, não só do Brasil, mas de um continente que se move rápido. Se um dia ele chegar lá, quem sabe também fará um discurso nas Nações Unidas. Não sei o que ele dirá. Intuo que não haverá amargura em suas palavras. Quem sabe, apenas se lembrará de tudo que passou, sugerirá que cada um assuma suas responsabilidades, e dirá coisas amenas sobre o futuro.


*DOUTOR EM FILOSOFIA PELA UFRGS